Simplex ambiental – algumas considerações sobre as alterações propostas em matéria de procedimento administrativo

  • Isabel Abalada Matos
  • 5 Dezembro 2022

A solução legislativa agora adotada é desajustada da realidade, pois não é expectável que as entidades administrativas estejam em condições de emitir parecer em prazo tão curto.

O Programa do XXIII Governo consagra como objetivo a eliminação de licenças, autorizações e exigências administrativas que criem custos de contexto sem que tenham uma efetiva mais-valia. Neste âmbito, o primeiro projeto de diploma, que concretiza medidas de simplificação em matéria ambiental, aguarda aprovação pelo Governo.

O projeto de diploma, apesar de ter sido designado como “simplex ambiental”, integra alterações em regimes ambientais, bem como alterações relevantes em matéria de procedimento administrativo geral.

Quanto aos pareceres, passa a ser obrigatória a sua solicitação em simultâneo; o prazo para a sua emissão, salvo disposição em contrário, passa de vinte para dez dias, improrrogáveis; estabelece-se a regra de que, quando um parecer obrigatório não for emitido dentro do prazo, se forma ato tácito positivo e o procedimento deve prosseguir e ser decidido, e parecer expresso emitido fora do prazo, é nulo. A solução legislativa agora adotada é desajustada da realidade, pois não é expectável que as entidades administrativas estejam em condições de emitir parecer em prazo tão curto. E, nessa medida, por força da vinculação da entidade destinatária do parecer ao princípio da legalidade, é expectável ainda maior entropia no procedimento, mormente em domínios que convoquem elevada complexidade técnica ou valorações discricionárias.

Quanto às alterações ao regime da audiência prévia consagra-se, ao arrepio do que acontece desde 1992, que a realização da mesma deixa de suspender a contagem de prazos em procedimentos administrativos. Esta alteração tem consequências muito significativas quer no funcionamento da Administração, quer no que respeita aos particulares interessados. Os prazos gerais de decisão já foram reduzidos de noventa para sessenta dias, na última alteração legislativa ao CPA, em 2020 e os prazos de decisão fixados em regimes avulsos não tiveram em consideração a contagem do prazo de decisão como agora se formula. Nessa medida, como o prazo de decisão continua a decorrer para a Administração enquanto o particular exerce o seu direito de audiência prévia, podemos antecipar como prováveis consequências: (i) que a Administração irá conceder apenas o prazo mínimo para tal exercício (10 dias), o que em processos complexos é insuficiente, (ii) que a Administração não admita quaisquer pedidos de prorrogação do prazo, iii) que aumente o número de decisões desfavoráveis, na medida em que, na dúvida e sem os devidos contributos que acontecem em sede de audiência prévia, a Administração opte por uma decisão desfavorável, com vista ao estrito cumprimento do prazo.

A proposta prevê igualmente a certificação de deferimentos tácitos, de forma gratuita e desmaterializada. Os interessados solicitam a uma entidade a designar a passagem de certidão que ateste a ocorrência de deferimento tácito, ou outro tipo de efeitos positivos associados à ausência de resposta. Estamos em crer que o regime ora proposto não terá os efeitos pretendidos. Se a entidade administrativa que se encontra em incumprimento do dever de decisão apresentar fundamentos suficientes para obstar ao reconhecimento da formação do deferimento tácito, a certidão não é emitida. Ora, antevê-se que as entidades administrativas optarão sempre por encontrar fundamentos que obstam a este reconhecimento, nem que seja do ponto de vista da insuficiência instrutória dos elementos.

  • Isabel Abalada Matos
  • Sócia fundadora da AMMC LEGAL

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