Oito anos depois, quem tem culpa na demora da Operação Marquês? MP ou advogados?

Apesar de já ter sido acusado por falsificação de documento e branqueamento de capitais, Sócrates ainda não foi a julgamento. Mas afinal quanto tempo demorou cada uma das fases processuais?

Já passaram oito anos desde o dia que José Sócrates, ex-primeiro ministro de Portugal, foi detido à saída do aeroporto de Lisboa, vindo de Paris. Foi a 24 de novembro de 2014 que o país e também o mundo ficaram a conhecer o início do que se viria a tornar num dos processos mais mediáticos da justiça portuguesa, a Operação Marquês. A Advocatus faz agora um resumo cronológico deste processo: do inquérito aos recursos da instrução.

Apesar de já ter sido acusado, pelos crimes de falsificação de documento e branqueamento de capitais, o ex primeiro-ministro ainda não foi a julgamento. Enquanto o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Ramos Soares, aponta a culpa pela morosidade aos advogados, a defesa de Sócrates e outros advogados mediáticos diz que é do Ministério Público (MP).

Para Manuel Ramos Soares não existe explicação para o processo ser tão longo e ainda para mais tendo a mediatização que tem. Em declarações à rádio Renascença, afirmou: “não sei se é o caso, mas quando olhamos para casos complexos e olhando para quando ele parou não encontrávamos apenas responsabilidade do lado do tribunal ou do ministério também vemos do lado da defesa que usam de forma abusiva os mecanismos concebidos para finalidades legítimas“.

Já o advogado Saragoça da Matta, um dos muitos advogados do processo, culpa o MP. “Ao contrário do que tem sido defendido por alguns magistrados na comunicação social de que são as defesas a empatar os processos, neste caso, foi o Ministério Público que gastou mais de 50% do tempo porque não sabia o que acusar“, sublinhou à Renascença.

Neste processo, o MP reclamava aos arguidos um total de 58 milhões de euros, tendo arrestado vários bens. Segundo as contas da acusação, José Sócrates teria dado cerca de 21 milhões de euros de prejuízo ao Estado, Zeinal Bava cerca de 16 milhões, Henrique Granadeiro cerca de 14 milhões, Carlos Santos Silva três milhões e 300 mil euros, Ricardo Salgado três milhões de euros e Armando Vara 1,4 milhões de euros. Mas afinal quanto tempo foi perdido em cada fase deste processo?

A fase de inquérito: três anos até a uma acusação

Foi em julho de 2013 que o empresário Carlos Santos Silva despertou a atenção das autoridades judiciárias numa investigação iniciada em 2011. Mas foi só a 21 de novembro de 2014 que a bolha rebentou. José Sócrates era detido em direto nas televisões, à saída do aeroporto de Lisboa, vindo de Paris. Com ele, foi também detido o amigo Carlos Santos Silva.

Nesse mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmava que Sócrates e outras três pessoas foram detidos num inquérito dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que investigava “suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção”.

A 22 de novembro, a PGR revela os restantes detidos: Carlos Santos Silva, o advogado Gonçalo Trindade Ferreira e o motorista João Perna. Sócrates acompanha as buscas feitas à sua residência e depois presta o primeiro interrogatório perante o juiz Carlos Alexandre, responsável pela fase de inquérito.

No dia 24 de novembro de 2014 foi decretada a prisão preventiva para Sócrates, a Carlos Santos Silva e a João Perna. Gonçalo Trindade Ferreira fica proibido de contactar com os restantes arguidos, de se ausentar para o estrangeiro, com a obrigação de entregar o passaporte e de se apresentar semanalmente no DCIAP.

A 25 de novembro o MP anuncia a abertura de um inquérito a uma eventual violação de segredo de justiça.

O ex-primeiro-ministro pediu ao Supremo Tribunal de Justiça três habeas corpus – entre novembro e dezembro -, e interpôs diversos recursos para reduzir a medida de coação, mas sem efeito. A 19 de dezembro, o advogado recorre da prisão preventiva de Sócrates. A 17 de março de 2015, o Tribunal da Relação rejeita o recurso das medidas de coação.

No dia 8 de junho de 2015, Sócrates recusa a proposta do MP para ficar a aguardar a decisão em prisão domiciliária, com vigilância eletrónica. Após dez meses e 42 dias, a 4 de setembro de 2015, Sócrates passa a ter a obrigação de permanência na habitação. E a 16 de outubro é libertado, mas sem poder contactar com os restantes arguidos e de viajar para fora do país.

A 30 de março de 2016, Amadeu Guerra, ex-diretor do DCIAP, aponta para o dia 15 de setembro a conclusão do inquérito. Mas a 14 de setembro, a PGR prolonga o prazo da investigação para dia 17 de março de 2017.

No dia 12 de abril de 2016, é retirada a medida de coação que impedia o ex-primeiro-ministro de se ausentar do país sem autorização judicial.

Em setembro, Sócrates apresenta queixa contra Carlos Alexandre junto do Conselho Superior da Magistratura (CSM). A 18 de outubro, o CSM abre um inquérito ao juiz. A 3 de fevereiro de 2017, Sócrates apresenta uma ação contra o Estado no Tribunal Administrativo de Lisboa por violação dos prazos máximos legais do inquérito.

Mais uma vez, a 17 de março, a PGR dá luz verde ao pedido dos procuradores e concede mais dois meses para concluir a investigação. São anunciados 28 arguidos. A 27 de março a PGR prorroga por mais três meses o prazo.

Em outubro de 2017, o MP arresta bens do ex-primeiro-ministro: três apartamentos, uma herdade em Montemor-o-Novo e uma casa em Paris, propriedade de Carlos Santos Silva, em que José Sócrates morou enquanto viveu em França.

Só a 11 de outubro de 2017 é que foi deduzida acusação contra 28 arguidos, entre os quais 19 pessoas singulares e nove pessoas coletivas, num total de 188 crimes. No leque de visados estavam o ex-primeiro-ministro José Sócrates, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Ricardo Salgado e Carlos Santos Silva.

O ex-primeiro-ministro foi acusado de 31 crimes, entre os quais três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

Na fase de inquérito foram realizadas mais de duas centenas de buscas, inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados bancários de 500 contas em Portugal e no estrangeiro.

Dois anos durou a fase de instrução

A fase de instrução, pedida por 19 dos arguidos a 7 de setembro de 2018, começou em 28 de janeiro de 2019, sob a direção do ex-juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal Ivo Rosa. Um ano e três meses depois, em março de 2020, teve início o debate instrutório, que terminou a 2 de julho do mesmo ano.

Já a fase de instrução, conta com mais de 4.895 folhas, 39 horas de alegações, 11 interrogatórias a arguidos, inquirição de 44 testemunhas e 133 horas de interrogatório.

Após dois anos e sete meses do início do debate instrutório, em abril de 2021, Ivo Rosa apresentou o veredicto desta fase processual que é facultativa e que decide se os arguidos vão ou não a julgamento.

Num despacho que conseguiu ultrapassar o volume da acusação – com 6.728 páginas e mais de um milhão de palavras -, o juiz Ivo Rosa anunciou a decisão instrutória que definiu quais os arguidos e por que crimes vão a julgamento.

Apenas cinco dos 28 arguidos foram pronunciados pelo juiz Ivo Rosa e, desta forma, levados a julgamento. Os restantes – com nomes sonantes como Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro – ficaram todos “pelo caminho” ao não serem pronunciados para ir a julgamento pelo juiz Ivo Rosa. Dos 189 crimes imputados a 28 arguidos pelo MP, apenas restaram 17 distribuídos por José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna, Armando Vara e Ricardo Salgado. Quer Vara, quer Salgado, já foram condenados em primeira instância.

Isto porque Ivo Rosa anunciou que os julgamentos dos cinco arguidos iram decorrer de forma autónoma, procedendo-se a uma separação de processos.

Da decisão instrutória aos recursos

Após a decisão do juiz Ivo Rosa, a 19 de abril de 2021, os procuradores do processo Operação Marquês pediram a nulidade da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, considerando que na pronúncia “houve alteração substancial dos factos”. O MP decidiu pedir a extensão do prazo para 120 dia, ou seja quatro meses.

Já a defesa de Sócrates alegou no pedido de recurso que a pronúncia do juiz Ivo Rosa alterou substancialmente os factos da acusação. Também o empresário Carlos Santos Silva pediu a nulidade da decisão, que o acusa de três crimes de branqueamento e três de falsificação de documento.

Pelo meio destes recursos, a 26 de abril de 2021, a distribuição do processo na fase de investigação, em 2014, deu origem a um inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, após o juiz Ivo Rosa ter mandado extrair uma certidão. Tendo o ex-primeiro-ministro José Sócrates manifestado à procuradora-geral da República a intenção de se constituir como assistente no inquérito.

Em maio de 2021, o juiz Ivo Rosa decide aceitar o pedido do MP e estendeu para 120 dias o prazo para o recurso da decisão instrutória no caso Operação Marquês.

Em junho de 2021, Ricardo Salgado começa a ser julgado por três crimes de abuso de confiança e Armando Vara por um crime de branqueamento de capitais, em processos separados.

Também em junho, o juiz Ivo Rosa recusou as pretensões da defesa dos arguidos e também o pedido de nulidade da pronúncia contra Sócrates e Santos Silva apresentada pelo MP.

A 13 de julho de 2021, o antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, Armando Vara, foi condenado a dois anos de prisão efetiva pelo crime de branqueamento de capitais.

No final de setembro de 2021, o Ministério Público entregou as quase 2.000 páginas de recurso, acusando Ivo Rosa de “menosprezar” a acusação feita em fase de inquérito, de não compreender “o trabalho de recolha de prova”, de forçar lacunas na tese da acusação e de distorcer o trabalho do DCIAP no processo Operação Marquês.

Em fevereiro de 2022, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Carlos Alexandre, foi constituído arguido no âmbito da distribuição manual da Operação Marquês. O desembargador Jorge Antunes decidiu aceitar o requerimento de abertura de instrução apresentado por José Sócrates. A escrivã Teresa Santos também foi constituída arguida.

A 7 de março de 2022, Ricardo Salgado foi condenado a uma pena total de prisão de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança de que estava acusado.

Ricardo SalgadoEPA/JOSE SENA GOULAO

Em junho de 2022, a juíza Margarida Alves, que estava mandatada para julgar José Sócrates, pediu transferência e deixou de ser a responsável pelo processo. Isto acontece após o ex-primeiro-ministro acusar a justiça portuguesa de abuso por exigir justificações sobre as viagens ao Brasil, que foram pedidas pela juíza.

Também em junho, a juíza desembargadora Margarida Vieira de Almeida declarou-se impedida de analisar um recurso da defesa do ex-primeiro-ministro José Sócrates no Tribunal da Relação de Lisboa, por ter participado em decisões anteriores ligadas ao processo.

No dia 29 de junho, o Ministério Público agendou um interrogatório (à porta fechada) para uma eventual revisão de medidas de coação de Sócrates, tendo em conta as viagens de Sócrates ao Brasil que não foram comunicadas ao tribunal. Mas o arguido adiou.

No dia a seguir, o MP pede um agravamento das atuais medidas de coação, passando do regime de Termo de Identidade e Residência (TIR) em que o arguido não pode ausentar-se do país sem comunicar morada ao tribunal, para a obrigação de apresentações periódicas na PSP.

Os crimes de José Sócrates

Uma das figuras centrais deste processo é o antigo primeiro-ministro José Sócrates, que estava inicialmente acusado de 31 crimes, mas apenas foi pronunciado por seis crimes: três por falsificação de documento e três por branqueamento de capitais.

Um dos crimes de branqueamento de capitais de Sócrates diz respeito à utilização de contas bancárias junto do Montepio Geral, em coautoria com Carlos Santos Silva. Outro dos crimes de branqueamento de capitais é também em coautoria com Carlos Santos Silva relativamente ao uso das contas bancárias de João Perna. Por fim um crime de branqueamento de capitais que envolveu 167.402,5 euros com origem no arguido Carlos Santos Silva no interesse de José Sócrates.

Já os três crimes de falsificação de documento de que Sócrates está pronunciado, todos em coautoria com Carlos Santos Silva, são relativos à produção de documentação do arrendamento de um apartamento em Paris, a contratos de prestação de serviços da RMF Consulting e envolvendo figuras como Domingos Farinho, e ainda a contratos de prestação de serviços da RMF Consulting e figuras como António Manuel Peixoto e António Mega Peixoto.

Juntamente com Sócrates, também Carlos Santos Silva e João Perna aguardam ainda pela marcação da primeira sessão de julgamento.

Carlos Santos SilvaRodrigo Antunes/Lusa

O empresário Carlos Santos Silva está também acusado por três por falsificação de documento e três por branqueamento de capitais, todos em coautoria com José Sócrates. Inicialmente estava acusado com o maior número de crimes 33 crimes, sendo 17 por branqueamento de capitais, dez por falsificação de documentos, três por fraude fiscal qualificada, um por corrupção passiva de titular de cargo político, um por corrupção ativa de titular de cargo político e um por fraude fiscal. Segundo o MP, Carlos Santos Silva era o testa-de-ferro de José Sócrates para controlar várias offshores.

Por fim, João Perna, ex-motorista de José Sócrates, vai a julgamento por um crime de posse de arma proibida. Não indo a julgamento por branqueamento de capitais.

Salgado e Vara já condenados

Atualmente, apenas Armando Vara e Ricardo Salgado já foram condenados, em dois e seis anos de prisão, respetivamente.

O primeiro a saber o desfecho no processo foi o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, Armando Vara. No dia 13 de julho de 2021, o antigo ministro foi condenado a dois anos de prisão efetiva pelo crime de branqueamento de capitais. O juiz Rui Coelho afirmou que o tribunal “deu como provado quase todos os factos” da acusação do Ministério Público e que ficou “demonstrado objetivamente o circuito de dinheiro” relacionado com os dois milhões de euros que Vara colocou em contas na Suíça e que depois trouxe para Portugal.

Armando Vara estava inicialmente acusado de crimes de corrupção, branqueamento e fraude fiscal qualificada, mas, por decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, a 9 de abril de 2021, foi apenas julgado, em processo separado unicamente, por um crime de branqueamento de capitais.

No âmbito da Operação Marquês, Armando Vara cumpriu a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, de 9 de julho a 16 de outubro de 2015, totalizando três meses e sete dias o período em que esteve com medida de coação privativa da liberdade.

Oito meses depois, a 7 de março de 2022, Ricardo Salgado foi condenado a uma pena total de prisão de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança de que estava acusado. Decisão que o advogado, Francisco Proença de Carvalho, disse que ia recorrer. A defesa tem um trunfo na manga: o facto do juiz Francisco Henriques, ter dado como provada a doença de Alzheimer do arguido.

O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas o magistrado diz que “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”. Quanto à doença de Alzheimer, o magistrado diz que ficou provada essa condição física de Ricardo Salgado, bem como as condições socioeconómicas do arguido.

O tribunal decidiu condenar Ricardo Salgado pela prática de um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 4.000.000 de euros, com origem em conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para conta da “Credit Suisse”, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp”; um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 2.750.000 euros, quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para conta titulada pela sociedade “Green Emerald Investments, Ltd.”, controlada por Hélder José Bataglia dos Santos – da conta da “Green Emerald Investments, Ltd.” para conta da “Crédit Suisse“, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp“, controlada pelo arguido.

O terceiro crime de abuso de confiança que Salgado foi condenado é relativo à transferência CHF 3.900.000,00 (3.967.611 euros) – quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para a conta da “Pictet & Cie, S.A.” titulada por Henrique Manuel Fusco Granadeiro – da conta da “Pictet & Cie, S.A.” e com destino a conta da “Lombard Odier Daries Hentsch and Cie” titulada pela sociedade em offshore “Begolino, S.A.”, controlada pelo arguido.

Em abril de 2021, o juiz Ivo Rosa pronunciou Ricardo Salgado por três crimes de abuso de confiança, caindo por terra o crime por corrupção ativa de titular de cargo político, os dois de corrupção ativa, nove de branqueamento de capitais, três de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada.

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