Proposta do Governo da semana de quatro dias de trabalho desagrada tanto a patrões como a sindicatos
Patrões lamentam que sejam as empresas a ter de suportar a possível perda de produtividade e preveem pouca adesão à medida. Sindicatos estão preocupados com o aumento da jornada laboral diária.
O Governo esteve reunido esta tarde com patrões e sindicatos, em sede de concertação social, para apresentar o projeto-piloto da semana de quatro dias de trabalho, cuja experiência deverá arrancar em junho de 2023 em empresas do setor privado. A proposta do Executivo não reuniu, contudo, o agrado dos parceiros sociais.
Patrões lamentam que sejas as empresas a ter de suportar a possível perda de 20% de produtividade e preveem pouca adesão à medida. Já os sindicatos estão preocupados com o aumento da jornada laboral diária dos colaboradores. Maioria das empresas que já sinalizaram interesse são do setor dos serviços, adianta ministra.
“O projeto começa mal. Quando nós falamos que há uma quebra de cinco para quatro dias, independentemente de, no futuro, haver ganhos de produtividade, estamos a falar de uma perda de 20%. Há três componentes aqui: trabalhadores, Estado e empresas. O início da conversa seria 7% de contributo dos trabalhadores, 7% do Estado e 7% das empresas. O que foi dito, clara e inequivocamente, foi que os colaboradores não podiam perder nem um cêntimo da sua remuneração. Tudo bem. Menos 7%, portanto”, começa por dizer Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), em declarações transmitidas pela RTP3.
“O Estado, contrariamente a outros países como, por exemplo, a vizinha Espanha, também não iria contribuir com rigorosamente nada. Portanto, nós começamos com as empresas a terem de levar com os 20% — que é esta diminuição — à espera de ganhos de produtividade”, continua.
O ponto de partida da proposta que chegou às mãos de patrões e sindicatos está, para Francisco Calheiros, errado. Além disso, o setor do turismo não é, a seu ver, um setor que beneficia desta medida. “Se eu tenho de passar para menos 20% de horas de trabalho, se calhar vou ter mais 20% de pessoas. Se eu tenho de ter uma receção aberta 24 horas, não há forma de o contornar”, explica.
O projeto começa mal. Nós começamos com as empresas a terem de levar com os 20% — que é esta diminuição — à espera de ganhos de produtividade.
Por outro lado, admite que a indústria do turismo pode – sim – beneficiar através do aumento do tempo de descanso das pessoas, podendo usá-lo nas atividades de lazer.
João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços (CCP), defende que o tema não é “prioritário” nem “conveniente”. E, por isso mesmo, não prevê “nenhuma adesão generalizada” à experiência. “Vejo como muito pouco provável que haja muitas empresas” [a aderir], disse, à saída da reunião.
O líder da CCP deixou ainda claro que não vê “qualquer inconveniente em que se façam experiências”, mas salientou que “não se justificava” uma reunião da Concertação Social “só para isso”, havendo questões “tão prioritárias como o problema da energia” ou a concretização do acordo de rendimentos assinado há poucas semanas.
CGTP preocupada com aumento de horas de trabalho diárias
Já a secretária-geral da CGTP realçou que “a questão da redução do horário de trabalho é uma reivindicação de há muito tempo” da intersindical, que defende um horário semanal de 35 horas para todos os trabalhadores. “[Sobre] esta questão da semana de quatro dias, não temos qualquer problema, desde que não tenha como condição o aumento da jornada diária de trabalho, que é uma conquista dos trabalhadores com mais de 100 anos”, afirmou Isabel Camarinha.
“Esta proposta que nos foi hoje apresentada coloca-nos uma preocupação, que é haver esta possibilidade de aumentar a jornada diária de trabalho dos colaboradores, que já é uma jornada pesadíssima. Oito horas de trabalho, a que se soma o tempo de intervalo para a refeição e o tempo de deslocação de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, defende. Em vez de um progresso, seria um “retrocesso”, salienta a secretária-geral da CGTP.
Para Isabel Camarinha, o Governo está em condições de reduzir a jornada laboral para 35 horas semanais. “Precisamos de garantir que há, por parte do Governo, uma atitude de ir ao encontro deste avanço civilizacional.”
Questionada sobre as preocupações de patrões e sindicatos à saída da concertação social, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, disse que é para isso que as experiências servem – para “avaliar” – e realçou que a base da adesão é “voluntária”, tanto para empresas como para colaboradores. Voltou a frisar que não haverá perda salarial – “essa é uma linha vermelha” – e, sobre o possível aumento das horas diárias de trabalho, afirmou apenas que será sempre garantida a diminuição da carga horária mensal.
Já sobre as preocupações dos patrões, a ministra remeteu para as experiências de “várias empresas noutros países”, que “mostraram um aumento da produtividade”. Lembrando que já “algumas empresas sinalizaram a sua vontade de participar neste projeto-piloto” – “empresas de diferentes setores” –, Ana Mendes Godinho avançou que a prevalência está nos serviços, sem detalhar o número ou os nomes das empresas interessadas.
O Governo apresentou na Concertação Social o projeto-piloto da semana de quatro dias de trabalho, cuja experiência deverá arrancar em junho de 2023 em empresas do setor privado, podendo mais tarde ser estendido à Administração Pública. Segundo o documento do Governo, a experiência-piloto em 2023 será aberta a todas as empresas do setor privado e terá a duração de seis meses, sendo voluntária e reversível e sem contrapartidas financeiras, providenciando o Estado o suporte técnico e administrativo para apoiar a transição.
Segundo o Executivo, a experiência “não pode envolver corte salarial e tem de implicar uma redução de horas semanais”. Uma vez que o Estado não oferece nenhuma contrapartida financeira, não será estipulado um número de horas semanais exatas, que “podem ser 32 horas, 34 horas, 36 horas, definidas por acordo entre a gestão e os trabalhadores”, mas a experiência tem de “envolver a grande maioria dos trabalhadores” da companhia, “exceto para grandes empresas, onde pode ser testado em apenas alguns estabelecimentos ou departamentos”.
A experiência-piloto da semana de quatro dias será coordenada por Pedro Gomes, autor do livro “Sexta-feira é o Novo Sábado”.
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