Pedro Pombo, managing director da Accenture Song, defende que o metaverso é muito mais do que realidade virtual imersiva. "É uma conjugação de diferentes tecnologias", diz. E "vai ter sucesso".
O que é o metaverso? Para muitos, é uma realidade alternativa, virtual e digital. Mas ainda não há consenso absoluto em torno do que pode ou não pode ser considerado metaverso, ao contrário do que acontece com outras tecnologias, como é o caso da internet. “Existem diferentes definições”, reconhece Pedro Pombo, managing director da Accenture Song, para quem o metaverso é muito mais do que realidade virtual.
Numa entrevista feita durante a Web Summit, Pedro Pombo, que se tem dedicado a estas tecnologias dentro da consultora, explicou alguns casos de uso do metaverso, incluindo aplicações na indústria. E defendeu porque é que está convicto de que o metaverso pode vir a ser tão ubíquo como é atualmente a própria internet.
Há interesse nas pessoas, há interesse no mercado, há casos de uso que levam a que isto efetivamente tenha uma tração de tal forma que vai ter sucesso.
Porque é que estamos aqui na Web Summit cara a cara e não através do metaverso? O que é que isso nos diz sobre a necessidade humana de nos relacionarmos fisicamente?
Enquanto seres humanos, somos seres especiais. A própria internet começou por ser muito vocacionada para dados e acesso a informação, mas rapidamente se transformou numa internet social, onde conseguimos comunicar. Com o advento da tecnologia, para além de termos ligado pessoas, ligámos pessoas a máquinas e a coisas. Esta nova evolução a que chamamos de metaverso é também uma forma de nos colocarmos cada vez mais num local onde possamos ser mais humanos.
Durante a pandemia tínhamos reuniões intermináveis no Teams e no Zoom, mas o acaso não existia. Continuamos a necessitar de nos vermos cara a cara, porque vamos também com a promessa do desconhecido e daquilo que pode acontecer e não está já planeado. Penso que o metaverso vai ter um papel, por certo, na Web Summit no futuro. Ainda há algumas barreiras de entrada para a massificação e isso talvez seja a razão para estarmos aqui. Até isso acontecer, vamos viver neste híbrido.
O metaverso vai substituir totalmente a experiência humana, o contacto físico?
Penso que vai aumentar a experiência humana. Substituir a experiência humana, creio que ainda não chegou aí, para ser sincero.
Mas caminhamos para lá ou não é o objetivo da tecnologia?
Não consigo dizer isso. Ninguém neste momento consegue dizer como vai estar a evolução do metaverso daqui a dez anos.
O conceito de metaverso é muito elástico: cabe lá tudo. Há quem diga que o Twitter é um metaverso, que o Clubhouse é um metaverso. O Second Life também era um metaverso. Parece que ainda ninguém sabe ao certo o que é o metaverso. Tem essa sensação?
Como todas as tecnologias emergentes, é difícil de definir.
Será mesmo uma tecnologia emergente?
É uma conjugação de diferentes tecnologias que agora atingiram um determinado nível de maturidade que nos permite fazer coisas diferentes. Mas, enquanto conceito, as possibilidades e as aplicações deste confluir tecnológico ainda estão a aterrar. Algumas aplicações tecnológicas já mais desenvolvidas, outras em que ainda estamos a dar os primeiros passos. Por isso, existem diferentes definições. Se perguntarmos, vamos ter uma opinião de um lado, uma opinião do outro.
A visão da Accenture – e por isso é que lhe chamamos Metaverse Continuum – é que o metaverso não são só capacetes de realidade virtual e mundos imersivos. É também eu conseguir utilizar realidade aumentada e estar, por exemplo, a passear por Lisboa, apontar o telemóvel a uma rua e ver que naquele prédio há três casas à venda, ser calculado automaticamente o spread para mim, carregar num botão e, à noite, numa experiência imersiva, poder fazer uma visita virtual à casa.
É a isso que chamam de Metaverse Continuum?
Vai desde as tecnologias como realidade aumentada, realidade virtual e mixed reality, até mundos virtuais, como, por exemplo, o Roblox e o Fortnite, que se calhar não são imersivos do ponto de vista tridimensional, mas que fazem parte de uma experiência digital que nos coloca a nós, pessoas, no centro de tudo isso. Portanto, julgo que é limitador dizer que o metaverso é igual a realidade virtual. Realidade virtual já existe há muito tempo.
Em 2006, a revista Business Week fez uma capa com um avatar que ganhava dinheiro real no Second Life. O artigo referia também que uma pessoa tinha criado a Bolsa de Valores do Metaverso. O conceito tem muitos anos. Porque é que lhe chama tecnologia emergente?
Podemos andar ainda mais para trás, até ao Neal Stephenson, que escreveu Snow Crash e que já aí dava algumas pistas. Os termos e os conceitos existem. A evolução tecnológica é que não estava no estado em que se encontra agora. Porque é que lhe chamo emergente? Vou dar um exemplo. Não existe portabilidade no metaverso. Existem, na verdade, milhares de metaversos. Não há garantia de que eu consiga, por exemplo, portar algo que eu criei num mundo e levar para o outro. Não estamos aí. Com outras tecnologias da internet já se consegue fazer isso, porque há standards, interoperabilidade e portabilidade. No metaverso ainda não – é uma característica de ser efetivamente emergente.
Os dados do Google Trends mostram que começámos realmente a falar de metaverso quando o Facebook mudou de nome para Meta. Desde então, já perdeu 800 mil milhões de dólares em valor de mercado. Foi uma queda de 75% desde setembro de 2021. A Meta já investiu 36 mil milhões de dólares no metaverso e o metaverso da Meta terá menos de 200 mil utilizadores. O que é que isto lhe diz?
Não gosto de comentar dados particulares de empresas. Esses dados são conhecidos, mas a estratégia por detrás desse investimento existe, por certo, e espera-se que dê fruto.
Os investidores parecem não concordar.
Há condições que fazem com que a massificação de determinadas opções ou visões do metaverso demorem algum tempo até se mostrar que vão dar frutos. Quando a Netflix apareceu, ou quando a Apple lançou o iPhone, também tínhamos o mercado a dizer “isto não faz sentido, vai ser um delírio”. E, depois, de um momento para o outro, explodiu.
Mas algumas ideias não deram mesmo em nada. Não teme que daqui a 20 anos estejamos a olhar para esta entrevista e sentir que tudo isto não aconteceu?
Não creio. Estou confiante, porque a capacidade que esta nova tecnologia está a dar é de tal forma abrangente que eu acho que vão aparecer casos de uso. Já existem.
Falando nas barreiras, que desafios se colocam à massificação do metaverso? Uma é o preço…
Não é um tema que me preocupe muito. Do ponto de vista de aparelhos imersivos, e uma vez mais estamos a focar apenas a realidade virtual, com a evolução tecnológica que vai haver, o custo de fabrico destes dispositivos vai baixar e quebrar a barreira de acesso do preço.
Os novos Oculus são muito mais cómodos, consegue-se utilizar durante bastante mais tempo. São temas que estão a ser resolvidos automaticamente porque há interesse nas pessoas, há interesse no mercado, há casos de uso que levam a que isto efetivamente tenha uma tração de tal forma que vai ter sucesso. Se vão ser da marca A, B ou C…
Então fale-me dos casos de uso do metaverso no setor industrial.
Na indústria tem várias implicações. Por exemplo, os digital twins. São réplicas digitais de processos de fabrico. É interessante, não só porque nos permite ver em tempo real em ambientes simulados qual é o estado de uma fábrica, ver os indicadores…
… e fazer formação?
Fazer formação também, especialmente em ambientes complicados ou perigosos. Mas mais do que fazer formação e mostrar o que está a ser feito, podemos mostrar o impacto se as coisas não forem bem feitas. Vamos imaginar um trabalhador numa indústria petrolífera, que pode ver o impacto que uma má decisão pode ter ao nível do ambiente. Isso também ajuda a criar mentalidades.
Consigo também simular do ponto de vista de formação mas ter em tempo real os dados que vêm de diferentes sensores e componentes de uma fábrica, ou diferentes componentes de um laboratório. Consigo testar novas soluções e produtos sem ter de gastar matéria-prima para o fazer. Isto é tanto mais importante quanto mais cara for a matéria-prima ou perigoso for o tipo de teste que se vai fazer.
É mais uma forma de se inovar, porque temos essa capacidade de obtenção de dados em grande escala. Temos capacidade de processamento de dados, temos a algoritmia, os modelos preditivos. Tudo isso, juntamente com estes ambientes imersivos, permite-nos estudar o futuro no digital sem que ele exista no físico. Já está a ser feito.
Acredita que o metaverso está a viver uma fase equiparável à da internet nos anos 90?
Acredito que está nesta fase, porque estamos a descobrir a cada dia novas aplicações para esta combinação tecnológica, mas que vão necessitar também da forma como estas novas experiências vão ser feitas. Especialmente em ambientes virtuais e imersivos.
Não é apenas copiar o mundo físico e oferecer isso às pessoas. Não me apetece estar numa réplica de um hipermercado a fazer compras em realidade virtual, a andar para ver as diferentes prateleiras. Isso não faz sentido. É mais rápido, se calhar, usar o e-commerce. É preciso propósito, é preciso entender o que é que estas tecnologias nos permitem fazer, que propósito é que lhes vamos dar, de forma a tirarmos o máximo partido delas para criar experiências que sejam relevantes para as pessoas.
Se calhar faz mais sentido, nesse caso, o meu telemóvel ter capacidade de realidade aumentada e a minha cozinha ser o meu hipermercado. Eu entender que não tenho determinadas coisas e poder, automaticamente, adicioná-las. Eu entender que só tenho dois pacotes de leite da marca X e, por esta altura da semana, costumo precisar de mais. É pensar as experiências e os produtos e serviços pela nova lente que esta tecnologia nos oferece e dar, aí, novas soluções para as pessoas com um propósito.
Pelo meio vai haver muita experimentação, mas a experimentação é importante. Por isso é que vemos casos que, se calhar, falham no início, mas falham porque estamos a experimentar. E isso acontece em todas as novas vagas tecnológicas. Aconteceu nos anos 90 também. Aconteceu no das criptomoedas. Como está a acontecer agora no metaverso. É normal.
O seu colega Bruno Bernardes, numa entrevista, mostrou-se convencido de que o metaverso é “a next big thing no mundo dos negócios” e o seu colega Rui Barros diz que todos os gestores “devem estar preparados para esta nova realidade”. Conhece algum gestor que, neste momento, esteja preocupado com a chegada do metaverso?
O que eu ouço dos nossos clientes é que todos eles estão a pensar qual é o papel que querem tomar no metaverso. Como é que tiram o máximo partido desta tecnologia. Como estavam há alguns anos se calhar com outros paradigmas tecnológicos que existiam na altura. É normal, é algo que pode romper a forma como criamos novos produtos, como criamos novos serviços, como contactamos com os nossos clientes, como gerimos as nossas empresas, como damos conteúdos às nossas pessoas.
Se pensarmos que o metaverso pode ser tudo isto, é normal que os gestores das empresas tenham essa necessidade de entender que aplicabilidade é que isto pode ter porque efetivamente pode tocar tudo o que tem a ver com uma empresa, os seus clientes e a forma como trabalha. Acho muito salutar esse interesse e essa vontade de explorar.
Mas ele existe? Neste momento, para muitos gestores, a preocupação é sobreviver, especialmente neste novo ciclo económico.
Da nossa experiência, esse interesse existe. Estamos a senti-lo cada vez nos clientes com que falamos. Seja globalmente, seja em Portugal; seja em grandes empresas, seja em empresas de média dimensão. Estas tecnologias não são propriedade exclusiva de alguns. Se calhar a vertente “cripto” do metaverso é um grande democratizador. É descentralizado. Não acredito que seja uma tecnologia que esteja apenas ao alcance de cada um.
Quanto tempo passa por semana no metaverso?
… passo cerca de uma hora por dia.
Profissionalmente?
Profissionalmente, e se calhar passo um bocadinho mais do ponto de vista lúdico. Então agora que os meus filhos ficaram fãs da tecnologia também, passamos mais algum tempo. A jogar, que é uma parte muito relevante da nossa exploração tecnológica. Jogar é salutar, porque nos ajuda a inovar e a pensar novas aplicações para o mundo dos negócios. Às vezes, acaba por ser pensado nos jogos e depois aparece na vida real. Jogar é uma componente importante.
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