Finanças verdes são “apenas motor moderado de sustentabilidade”

Um relatório que se debruça sobre os pontos fulcrais a discutir na COP27 indica que é necessário um maior escrutínio das finanças sustentáveis, para que estas tenham um verdadeiro impacto.

“As práticas de finanças sustentáveis do setor privado não estão ainda a catalisar a profunda e rápida transformação que é necessária para atingir as metas climáticas”, lê-se no relatório 10 Novos Temas de Ciência Climática, que é apresentado esta quinta-feira, na 27.ª Conferência das Partes (COP27), e se debruça sobe os temas considerados “cruciais” para serem abordados na conferência do clima que está a decorrer no Egito.

As finanças verdes são um desses tópicos essenciais. Neste documento, os autores consideram que as finanças sustentáveis são para já “apenas motores moderados de sustentabilidade”, sendo que uma larga fatia das práticas financeiras “não tem um forte impacto” no redirecionamento de capitais para a causa climática. “Estão desenhadas para se encaixarem nos modelos de negócio existentes em vez de mudarem substancialmente a alocação de capital”, defendem os autores.

As iniciativas globais do setor financeiro, que são focadas no clima, estão “finalmente a ajudar a mudar a direção das atividades económicas”, mas “as finanças climáticas precisam de se mexer mais rapidamente”. Numa nota mais positiva, os cientistas registam alguma evolução: na última COP foi criada a Glasgow Financial Alliance for Net Zero, a maior coligação de instituições financeiras comprometida com a transição para uma economia de zero carbono, a qual gere 130 biliões de dólares em ativos. O número de signatários dos Princípios para o Investimento Sustentável aumentou de 63 em 2006 para os 1.715 em 2018 e a dívida sustentável chegou aos 1,6 mil milhões de dólares em 2021.

No entanto, os cientistas apontam para a “falta de evidências” que suportem as alegações no que toca às práticas de sustentabilidade das empresas. Neste sentido, deixam três recomendações de políticas dirigidas ao setor financeiro. Por um lado, deve-se “melhorar significativamente” a transparência e qualidade da medição dos impactos climáticos dos investimentos. Em segundo lugar, desenvolver estratégias para que os fluxos de capital estejam alinhados com as metas de Paris e, finalmente, que tenham “impactos reais” nas emissões e resiliência das economias, tanto no curto como no longo prazo.

Os apelos aos legisladores vão exatamente no mesmo sentido: que sejam desenvolvidas políticas que exijam altos níveis de transparência e correção nos relatórios de emissões associados aos investimentos e à atividade económica, especialmente no setor da banca e dos mercados de capitais, “tendo em conta o elo estreito entre concessão de crédito e atividade económica”. Consideram essencial prevenir o greenwashing e que também seja imposto o alinhamento do investimento com as metas do acordo de Paris, criando os incentivos necessários para que o financiamento recaia sobretudo sobre soluções climáticas.

Estas conclusões dizem apenas respeito a um dos 10 pontos cruciais que são destacados pelos autores, num estudo que foi encomendado por duas redes de cientistas, a Future Earth e a The Earth League, assim como pelo World Climate Research Programme (WCRP).

Além das falhas em termos de finanças sustentáveis, os cientistas que assinam o estudo alertam que “o potencial para nos adaptarmos às alterações climáticas não é ilimitado”, logo “os esforços de adaptação não podem substituir uma mitigação ambiciosa”. Contam 1,6 mil milhões de pessoas que vivem em regiões altamente vulneráveis às alterações climáticas, e dizem que este número pode duplicar até 2050. Ao mesmo tempo, a saúde global está ameaçada. Mortalidade relacionada com as temperaturas elevadas, incêndios (que ameaçam tanto a vertente física como a psicológica) e surtos de doenças infecciosas são agravados num contexto de aquecimento global. Na sequência de fenómenos climáticos vão verificar-se novos fluxos migratórios, e aqueles que não tiverem possibilidade de se deslocar serão especialmente prejudicados. Neste sentido, atuar nas perdas e danos é “urgente” e “um imperativo”, uma vez que já se verificam e têm tendência a aumentar.

Todas estas questões, que no fundo visam a segurança climática, estão ligadas à segurança dos territórios e populações, na medida em que as alterações climáticas podem aumentar o risco de conflito, ao afetar condições socioeconómicas, ressalvam ainda os autores. Defendem que são precisas decisões inclusivas, que abranjam atores de diferentes escalas e contexto e que se quebrem barreiras estruturais associadas à atual economia intensiva em recursos, sugerindo por exemplo a revisão de como o progresso é medido, no sentido de reforçar a ação climática.

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