PS e PSD coincidem na possibilidade de isolar doentes e aceder a metadados
Os projetos de revisão constitucional do PS e PSD coincidem na possibilidade de isolar doentes graves e contagiosos e de permitir o acesso a metadados de telecomunicações com controlo judicial.
Os projetos de revisão constitucional de PS e PSD coincidem na possibilidade de isolar doentes graves e contagiosos e de permitir o acesso pelos serviços de informações a metadados de telecomunicações com controlo judicial.
O alargamento do acesso universal, gratuito e obrigatório ao ensino secundário e a modernização de alguma linguagem da lei fundamental são outros pontos semelhantes dos dois projetos, embora o PS pretenda apenas alterar 20 artigos da atual Constituição e o PSD mais de 70.
Na sexta-feira, terminou o prazo para apresentação de projetos de revisão constitucional, desencadeado após a apresentação de um texto pelo Chega, e todos os grupos parlamentares e dois deputados únicos entregaram iniciativas, num total de oito diplomas, que serão agora discutidos e votados numa comissão eventual a ser constituída. No entanto, as alterações da Constituição só podem ser aprovadas por maioria de dois terços dos deputados, o que, na atual composição parlamentar, implica o voto favorável de PS e PSD.
A Lusa comparou os projetos dos dois maiores partidos, e quer PS quer PSD tentam responder – com formulações semelhantes, mas não iguais – às duas questões que o Presidente da República apontou como essenciais num processo de revisão da lei fundamental: como permitir o acesso aos metadados para efeitos de investigação judicial, depois de o Tribunal Constitucional ter ‘chumbado’ a lei em vigor, e como decretar, com segurança jurídica, confinamentos em caso de uma nova pandemia, ainda que sem estado de emergência.
No caso da saúde, o PSD começa por adicionar às razões para decretar o estado de sítio ou emergência uma “emergência de saúde pública”, com os socialistas a manterem a atual formulação constitucional (que já inclui a calamidade publica entre os motivos para esta forma de suspensão de direitos).
Ambos os partidos optam por acrescentar no artigo que regula o direito à liberdade e segurança (27.º) uma nova exceção às atuais que já permitem a privação da liberdade.
Os socialistas determinam que a privação da liberdade possa decorrer também para “separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência de saúde pública, com garantia de recurso urgente à autoridade judicial”.
O PSD usa uma formulação diferente, mas com intenção semelhante: “Confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com grave doença infetocontagiosa, pelo tempo estritamente necessário, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.
Para resolver o problema do acesso aos metadados das comunicações (entre os quais se podem incluir informações como a origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização), o PSD opta por apenas introduzir uma nova alínea no artigo sobre a inviolabilidade do domicílio e da correspondência (34.º), determinando que “a lei pode autorizar o acesso do sistema de informações da República aos dados de contexto resultantes de telecomunicações, sujeito a decisão e controlo judiciais”.
O PS introduz mais alterações a este artigo, começando por acrescentar uma nova alínea que determina que “a vigilância eletrónica do domicílio só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei”.
Depois, mantendo a proibição de “toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”, introduz uma exceção a este princípio geral: “O acesso, mediante autorização judicial, pelos serviços de informações a dados de base, de tráfego e de localização de equipamento, bem como a sua conservação, para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna de prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada, nos termos a definir pela lei”.
À parte estas duas matérias, quer PS quer PSD introduzem algumas mudanças na linguagem da Constituição substituindo, por exemplo, direitos do homem por direitos humanos. Quanto à expressão atualmente usada “cidadãos portadores de deficiência”, o PS quer mudá-la para “cidadãos com deficiência” e o PSD para “pessoas com deficiência”.
Ambos os partidos acrescentam novas tarefas fundamentais ao Estado, mas não coincidentes: o PS quer inserir neste artigo a erradicação da pobreza, a defesa do ambiente ou os laços com as comunidades emigrantes, enquanto o PSD acrescenta no artigo 9.º a promoção da “coesão e equidade entre gerações”.
Nos direitos dos trabalhadores, há algumas preocupações semelhantes – o PSD quer incluir a proteção de menores, o PS proibir “o trabalho infantil” –, mas os socialistas querem ainda impedir um eventual corte de vencimentos.
“Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei, incluindo a salvaguarda do montante e condições de pagamento contratualmente acordados”, lê-se no texto do novo artigo proposto pelo PS.
Na saúde, os dois partidos mantêm que este direito é garantido por “um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”.
Os socialistas acrescentam no acesso universal a cuidados de saúde os de medicina reprodutiva e paliativa (esta última também referida por PSD), enquanto os sociais-democratas querem incluir na lei fundamental que o direito à proteção à saúde só se faz “com o acesso universal e em tempo e qualidade adequados aos cuidados de saúde necessários, aproveitando a complementaridade com os serviços privados e social”.
PS e PSD mexem também no artigo sobre habitação, mas em sentidos diferentes: os socialistas querem que fique na Constituição que cabe ao Estado assegurar as suas bases e que a habitação económica e social tem de ter uma “atribuição transparente e em condições de igualdade”, dando especial proteção a jovens, cidadãos com deficiência, idosos, família com menores, monoparentais ou numerosas, sem abrigo ou vítimas de violência doméstica, entre outros.
Já o PSD quer incluir na Constituição a necessidade de aproveitar os imóveis públicos devolutos e estimular a oferta privada e cooperativa de habitação própria e arrendada, bem como determinar que “o Estado promove o acesso a habitação própria e o mercado de arrendamento”.
Ambos fazem alterações ao artigo sobre ambiente, de forma a incluir preocupações com a economia circular e alterações climáticas, mas o PS quer ainda que fique inscrito que o acesso aos transportes públicos deve ser acessível e tendencialmente gratuito, bem como incluir entre os direitos na área ambiental a proteção do bem-estar animal, o acesso á agua potável e o saneamento básico “a um custo socialmente aceitável”.
No artigo sobre a família, o PS quer incluir entre as tarefas do Estado medidas de prevenção e combate a violência doméstica e de género, enquanto o PSD quer remover obstáculos à natalidade, proteção às famílias numerosas e consagrar na Constituição o estatuto de cuidador informal.
Finalmente, no ensino parece haver alguma margem de entendimento entre os dois partidos, já que quer PS quer PSD querem consagrar na Constituição que, além do ensino básico, também o ensino secundário deve ser universal, obrigatório e gratuito.
Os socialistas querem ainda atribuir estas três características ao ensino pré-escolar, enquanto os sociais-democratas apontam que o Estado tem de assegurar o acesso “universal e gratuito” às creches e educação pré-escolar, e colocam no artigo seguinte (no qual o PS não mexe) a necessidade de complementaridade com o ensino privado e cooperativo.
As semelhanças entre os dois projetos acabam no artigo 74.º da Constituição, já que o PS não mexe na organização económica, no sistema financeiro e fiscal, nem na organização do poder político ou dos tribunais, várias áreas em que os sociais-democratas pretendem numerosas mudanças.
O secretário-geral do PS, António Costa, já avisou que o partido vai recusar propostas de revisão da Constituição sobre matérias institucionais, alegando que essa discussão seria incompreensível para os cidadãos na atual conjuntura e um desrespeito pelas autonomias regionais.
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