Jovens ativistas reúnem-se com Costa Silva sem intenções de “negociar”: “A única coisa que vamos exigir é a sua demissão”

Depois de uma semana a ocupar escolas em nome da crise climática, os jovens ativistas do Movimento Fim ao Fóssil reuniram-se com Costa Silva para exigir a sua demissão. "Estamos fartos de conversar".

Os jovens que nos últimos dias ocuparam diversas escolas de Lisboa em defesa do clima, no âmbito do Movimento Fim ao Fóssil – Ocupa!, reuniram-se esta tarde, no ministério, com o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva.

Após reunião, que terminou pelas 17h30, os jovens ativistas recusaram-se a sair e sentaram-se à entrada do Ministério da Economia, colando as mãos ao chão da entrada do edifício. Em declarações à Sic Notícias, Alice Gato afirmou que os estudantes tinham intenções de ocupar o ministério até “à demissão do ministro”, mas os cinco jovens acabaram detidos pela PSP, presente no local.

Os porta-vozes Matilde Ventura e Noah Zino da Greve Climática Estudantil, garantem não ter “nada para argumentar com o ministro”, nem intenções de “negociar” medidas concretas, apesar de nesta última semana terem reivindicado a necessidade de um plano de transição energética justo e outro com um objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2030. “A única coisa que vamos exigir é o que temos exigido desde sempre, que é a sua demissão“, dizem, em declarações ao ECO/Capital Verde.

Para Matilde Ventura, o currículo de António Costa Silva coloca em causa a sua “legitimidade social” para governar, ao passo que o colega Noah Zino considera que o ministro “representa tudo o que está errado com este sistema económico que nos leva ao colapso”.

“Não podemos ter pessoas no Governo como António Costa Silva. Neste momento, não tem legitimidade social para governar. Foi o antigo Presidente do Conselho de Administração de uma petrolífera, a Partex Oil and Gas, e continua a ter relações estreitas com a indústria fóssil”, alerta, recordando que o governante com a pasta da Economia e do Mar incentivou a exploração de gás em Portugal. “É uma questão que avidamente defende”, argumenta a jovem ativista.

Em causa estão as declarações proferidas por António Costa Silva a 12 de maio, durante uma discussão na especialidade da proposta de Orçamento do Estado para 2022, onde admitiu que não teria quaisquer preconceitos em analisar projetos de exploração de gás que lhe fossem apresentados.

Perante os deputados, o governante disse que aquilo que o move “é olhar para o futuro, apostar no futuro e tentar desenvolver [o país e a economia]”, assegurando que não fecharia a porta a quem o contactasse com uma iniciativa dessa natureza. “Se as empresas vierem ter comigo e apresentarem projetos, eu não tenho parti pris [ideias pré-concebidas]; eu sou uma pessoa que não é que pense fora da caixa, penso mesmo sem caixa, e, portanto, o que tenho que ver é aquilo que é benéfico para o país”, cita o Público as declarações do ministro na Comissão de Orçamento e Finanças.

Os ativistas consideram que Portugal está a “falhar catastroficamente” no combate à crise climática, apontando que os avanços feitos até ao momento foram “totalmente insuficientes”. Nem o anúncio do primeiro-ministro, António Costa, sobre a antecipação da meta de neutralidade carbónica em cinco anos, para 2045, pareceu ser ir de encontro com as exigências dos ativistas: “Ter metas para 2050 ou 2045 é a mesma coisa de ter metas para 2100. É completamente insuficiente e é negacionismo puro. É contra a ciência climática“, rejeita Matilde Ventura.

Questionados sobre que medidas concretas devem ser apresentadas, a jovem ativista de 17 anos remete para os estudos científicos que têm sido divulgados nos últimos anos e que sugerem, diz, que será preciso “investir muito mais em empregos sustentáveis para termos uma transição energética justa”. “Não sou especialista, nem doutorada em alterações climáticas, mas esse trabalho está feito, pode ser implementado”, admite, rejeitando as críticas de que a falta de apresentação de medidas concretas coloque em causa a legitimidade da Greve Climática Estudantil: “A legitimidade está do nosso lado. O que [exigimos] é apenas o fim dos combustíveis fósseis”, diz.

Apesar das críticas, certo é que Portugal subiu dois lugares no Índice de Desempenho das Alterações Climáticas (CCPI). Segundo o relatório, Portugal chegou à 14ª posição graças ao fecho da central termoelétrica do Pego, em novembro de 2021, que eliminou totalmente o uso do carvão na produção de energia, e à criação da Lei de Bases do Clima, em vigor desde fevereiro de 2022, cujas metas estabelecem uma redução de 55% de emissões de gases com efeito de estufa até 2030 (em comparação com os níveis de 2005) e o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2045.

No estudo divulgado pela Associação Sistema Terrestre Sustentável (ZERO), é alertado, no entanto, que “ainda há muito por fazer”, ao apontar que existe uma falta ambição em algumas áreas, como nos subsídios aos combustíveis fósseis, que serão eliminados apenas em 2030.

Ocupação das escolas termina (por agora)

Os ativistas deram por terminada a ocupação das escolas esta segunda-feira, à noite, depois de ter sido concedida uma reunião com o ministro da Economia e do Mar e de quatro estudantes terem sido detidos na noite de sexta-feira para sábado, 11 e 12 de setembro, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL).

Os jovens faziam parte da ocupação da FLUL pelo clima e recusaram-se a sair do edifício depois de a Polícia de Segurança Pública (PSP) – chamada pela direção da instituição – ter exigido que saíssem, acabando por serem detidos. Nesta segunda-feira, os estudantes foram ouvidos pelo Ministério Público, no Campus de Justiça, mas recusaram a possibilidade da suspensão provisória do processo. O julgamento vai ocorrer no próximo dia 29 de novembro.

“Os meus colegas, os meus amigos, vão ser julgados por um crime que não cometeram”, diz Matilde Ventura, recontando ao ECO/Capital Verde que os jovens ativistas presentes na ocupação estavam apenas a “fazer barulho” e a “lutar pacificamente pela sua vida”. Já Noah Ziro deixa claro não existirem receios: “vamos a tribunal porque sabemos que estamos do lado certo da história”.

Mas mesmo este impasse não irá condicionar as manifestações nem abrandar o Movimento Fim ao Fóssil, que deverá voltar a ocupar escolas na próxima primavera “com mais força do que antes”. Esta nova “tática”, explicam, deixa para trás as marchas que marcaram os protestos da Greve Climática Estudantil, iniciativa que nasceu, em 2018, pela mão da jovem ativista sueca, Greta Thunberg, e que se espalharam pelos quatro cantos do mundo.

“Não podemos desistir, nem podemos voltar às marchas e manifestações às sextas-feiras, de mês em mês. Isso não tem resultado. Desde 2019 que temos marchado [em Portugal] e temos sido ignorados pelos nossos governantes. Dizem que concordam connosco, que a luta é justa e a causa nobre, mas temos sido ignorados. Não queremos isso. Temos de escalar as táticas porque a crise climática também está a escalar visivelmente”, frisa Matilde Ventura. “Estamos fartos de conversar. Exigimos já um plano de transição energética justa e diretamente relacionado com a nossa sobrevivência. Daqui a sete anos, vou ter 25 anos. Quero ter um futuro em que possa viver“, apelou.

Ao todo, desde o dia 7 de novembro, foram ocupadas seis escolas e faculdades pelos jovens do Movimento Fim ao Fóssil, organizado pelos ativistas da Greve Climática Estudantil: o Liceu Camões, a Escola Artística António Arroio; a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e o Instituto Superior Técnico. Apesar de as ações terem decorrido apenas em Lisboa, a intenção é “descentralizar”, à semelhança do que aconteceu com as marchas. “Quando voltarmos, na primavera, faremos todos o compromisso de tentar ao máximo chamar outras pessoas do país. Esta luta não pode estar centralizada na capital”, defendeu Matilde Ventura.

Esta terça-feira, além da reunião com o ministro da Economia e do Mar, os jovens voltam a reunir-se para uma última ação de protesto, desta vez no Largo do Camões, em Lisboa, pelas 16h00.

O pessimismo também se reflete quando questionados sobre as expectativas em relação à 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP 27), que termina esta sexta-feira, e da qual se antecipa um acordo assinado entre as partes presentes em Sharm el-Sheikh, no Egito. “O próprio número desta COP, 27, torna evidente o falhanço desta encenação. Estamos há quase 30 anos em COPs em que os líderes mundiais assinam acordos não vinculativos sobre as alterações climáticas. A COP é uma encenação e não resulta“, diz a jovem ativista.

(Notícia atualizada às 17h44 com mais informações)

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