A 3 de abril, o mundo acordou com o escândalo dos Panama Papers nas notícias. Um ano depois, o que mudou? O ECO entrevistou um dos principais jornalistas envolvidos na investigação.
O nome Frederik Obermaier pode não lhe dizer nada, mas o mesmo não acontece com os Panama Papers. Um dos maiores leaks de informação sobre offshores foi divulgada em abril de 2016, uma investigação mundial liderada por dois jornalistas alemães do Süddeutsche Zeitung. Um ano depois, o ECO entrevistou via Skype um deles, Obermaier, que continua cético em relação a mudanças de regulação dentro da União Europeia. Apesar de reconhecer mudanças positivas no Panamá — o Estado que está no centro da investigação –, classifica-as de pequenos passos. Para o jornalista alemão há uma certeza: “Em muitos países europeus as autoridades tributárias têm falta de recursos”.
Uma das questões que mais o preocupa, principalmente enquanto jornalista, é a falta de proteção para os whistleblowers (delatores ou denunciantes, em português). No caso da investigação em conjunto com o ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) a fonte que deu acesso aos documentos foi anónima. Nem o próprio Frederik Obermaier o/a conhece. Mas existem casos de denúncias anteriores, como o dos Lux Leaks, em que os denunciantes estão a ser julgados em tribunal por terem revelado essa informação.
Um dos poucos elogios que o jornalista alemão deixa é à Comissão PANA, a comissão de inquérito constituída no Parlamento Europeu após a divulgação dos Panama Papers. Com um mandato reforçado face a comissões de inquérito anteriores (como a do Lux Leaks, a Tax 1 e a Tax 2), os eurodeputados têm feito missões a países, questionando os vários responsáveis dos esquemas à volta dos offshores e até tiveram a colaboração de jornalistas envolvidos nesta investigação jornalística. Antes do verão, esta mesma comissão virá a Portugal investigar as transferências que escaparam ao controlo do Fisco nos últimos anos.
Um ano depois, qual o balanço?O facto mais importante é que, mesmo agora, um ano depois das publicações da investigação dos Panama Papers, ainda temos um debate global sobre paraísos fiscais, transparência e este é um debate importante. Não é um debate apenas sobre os impostos que fogem aos Estados. É também a possibilidade de usar offshores para a corrupção. Por exemplo: na Europa, o que ainda está a decorrer, de forma mais visível, é a comissão de inquérito PANA, no Parlamento Europeu. É muito importante porque faz com que os cidadãos europeus fiquem alertados para o problema e mantém o tópico em discussão. Porém, falta a esta comissão a colaboração de alguns políticos e especialistas, dado que nem todos aceitaram o convite. Existem vários políticos que não foram à comissão. Por exemplo, um secretário de Estado do Luxemburgo não foi. Este tipo de bloqueios atrasa a investigação desta comissão.
É difícil responder porque não existe uma resposta geral e simples. Teríamos de fazer uma avaliação país a país. Mas do que eu vi, em conjunto com a ICIJ, quando tentámos fazer um sumário, há umas semanas, existem investigações a acontecer atualmente em 18 países. Existem várias empresas e indivíduos a serem investigados e já foram recuperados centenas de milhões de dólares no âmbito dos Panama Papers. Isso mostra que as autoridades estão a fazer alguma coisa, mas acho que se poderia estar a fazer mais. Mas a decisão do que fazem ou não é deles. As autoridades foram muito lentas não só na investigação dos Panama Papers, como em outras investigações de crimes financeiros.
As autoridades foram muito lentas não só na investigação dos Panama Papers, como em outras investigações de crimes financeiros.
Um ano depois, ainda é muito cedo para calcular o que já fizeram e o que não fizeram. Mas ao ver, por exemplo, que no Panamá existe uma comissão do Tribunal Supremo a investigar as relações entre a família do primeiro-ministro e as offshores… Na Argentina existe uma investigação em curso contra a família Macri [Presidente da República argentino]. É um bom sinal porque mostra que há autoridades dispostas a investigar pessoas poderosas que estão nos Panama Papers. Ainda assim, a região que tinha mais menções de políticos é o Médio Oriente e não existe nada. Em muitos desses países, os Panama Papers foram censurados e, por isso, o público nem os conhece. Como muitos destes países não são democráticos, é difícil para o público exigir transparência nesta área.
O Panamá foi o centro da vossa investigação fruto dos documentos da Mossack Fonseca. O país adotou algumas medidas de transparência. Foi suficiente?Para um país tão secreto como o Panamá foi um grande passo, mas não devemos ser confundidos. O Panamá implementou pequenos passos, mas existe muito mais que eles podem fazer em relação à transparência. Por exemplo, o Panamá continua a não ter um registo público de ultimate beneficial owners [os últimos a beneficiar de uma conta que não está em nomes deles]. O país ainda tem uma indústria financeira que, pelo menos do meu ponto de vista, não está tão regulada como poderia estar. Ainda vemos que a indústria offshore está muito ativa. Continuam a atrair milhões, se não mil milhões, de dólares todos os anos e, por isso, vejo os passos das autoridades panamenses como pequenos, mas na direção correta.
Na investigação que fizeram contactaram com várias autoridades tributárias europeias. Depois desse contacto e do feedback que tiveram, concluíram que existem dificuldades para as autoridades conseguirem fazer a investigação criminal?Sou um jornalista, não um ativista. O meu papel é reportar os acontecimentos, mas os ativistas e as ONG’s é que têm de pressionar os políticos e as autoridades. Mas o que tenho visto, tanto durante a investigação aos Panama Papers como outras anteriores (Swiss Leaks), é que em muitos países europeus as autoridades tributárias têm falta de recursos. Por exemplo, no caso das Offshore Leaks, em 2013, há quatro anos… só no ano passado é que houve uma acusação na Alemanha.
Não há falta de talento nem especialização, é simplesmente uma falta de recursos humanos.
Isto mostra o quão lentas as autoridades trabalham e, se falar com estes inspetores alemães, dizem sempre que querem ir atrás dos casos que foram tornados públicos, mas têm a secretária cheia de casos ou de potenciais casos. Acho que se os políticos querem mesmo mais transparência e se realmente quiserem lutar com a evasão fiscal e a minimização fiscal, há uma forma simples de o fazer: bastava colocarem mais pessoas a trabalhar e fazer investigação nas autoridades tributárias.
Mas em relação aos recursos informáticos, por exemplo, não existem dificuldades? É que estas estratégias fiscais são muitas vezes engenharia financeira, de alta complexidade...Acho que não tenho o conhecimento necessário. Tenho algum conhecimento sobre o que é que os investigadores alemães conseguem fazer: sei que são altamente especializados, têm os softwares certos para usar e sabem como decifrar mesmo os casos mais complicados. Mas, tal como tinha dito, faltam recursos humanos para ir atrás destes casos todos. Não há falta de talento nem especialização, é simplesmente uma falta de recursos humanos.
A responsabilidade, nesse caso, é dos governos que não fortalecem os recursos das autoridades tributárias?Para os políticos é sempre fácil, depois de um leak, enviarem press releases e estar à frente de câmaras surpreendidos a dizer que é uma coisa má, que temos de lutar por mais transparência, que temos de lutar contra os paraísos fiscais. Mas se depois olharmos para aquilo que acontece nos Parlamentos mostra que, em muitos casos, há uma grande diferença entre o que os políticos dizem em público e depois o que fazem e votam no Parlamento.
Este problema tem de ter uma solução global, mas há sinais que os Estados podem dar em frente de forma a implementar medidas que vão ajudar. Seriam passos pequenos, mas necessários. Por exemplo, criarem um registo oficial e aberto (público) de ultimate beneficial owners. Este é o tipo de medida que cada Estado, por si próprio, pode decidir estabelecer esse registo. Vemos isso em vários países atualmente. Mais uma vez, caímos na dicotomia entre o que os políticos prometem e o que eles fazem.
Na Alemanha, depois das revelações dos Panama Papers, tivemos a promessa de que haveria um registo desse tipo aberto ao público. Até agora, do que vimos sobre a lei que estão a planear, já não é para ser público, só pode aceder se provar que tens razões fortes para o fazer. Não é totalmente público, por exemplo para NGO’s e jornalistas. Terás sempre de provar o porquê de quereres ter acesso a essa informação. Isso mostra-me que há outra vez uma diferença entre o que os Governos estão a fazer em todo o mundo.
Duvido que existam mudanças neste tema na UE enquanto existirem Estados-membros que continuem a fazer parte deste negócio.
No que toca a uma solução europeia, o problema é que existem Estados-membros que fazem parte deste mundo das offshores. Se olharmos para o Chipre, Malta, Luxemburgo, são todos países que fazem parte do problema. Sobre a comissão de inquérito, tudo o que traga mais luz sobre esta indústria é útil uma vez que ajuda o público a entender estes assuntos. Contudo, duvido que existam mudanças neste tema na UE enquanto existirem Estados-membros que continuem a fazer parte deste negócio.
Dado que parte desta indústria passa pelos Estados Unidos, o novo presidente Donald Trump é uma barreira para maiores mudanças?Durante a presidência de Barack Obama, eu pelo menos vi alguns bons sinais. Por exemplo, Obama introduziu novas regras de transparência e também mencionou, em público, que os Estados Unidos fazem parte do problema, tendo os seus próprios paraísos fiscais. Isto foi um grande passo. Mas, do que já vimos, o novo presidente Donald Trump não irá querer mais transparência, especialmente no caso das estruturas empresariais. Isto porque o império dele lucra, em parte, de empresas que não são tão transparentes na sua estrutura como poderiam ser.
A pressão pública nos casos dos offshores costuma ser grande no início, mas depois desvanece. O tema acaba por não ser sexy para as massas?Como em muitas áreas da política, a pressão pública é necessária se o público quer mudança. A área de impostos, empresas offshore ou paraísos fiscais é, à primeira vista, uma área muito técnica. Não é emocional… Ainda assim, é um tópico muito importante e o público deveria estar consciente que afeta todos nós e que os Estados estão a perder dinheiro devido à evasão fiscal. Ou se a corrupção está a aumentar… Os paraísos fiscais são um tópico que nos afeta a todos e cabe a cada um de nós, se queremos mudança, colocar a pressão nos políticos: ‘O que já fez desde que prometeu fazer alguma coisa? Diga-me’. De outra forma, os políticos vão mudar o tema para se esquecer dos Panama Papers e os paraísos fiscais.
Numa altura em que a Europa se vê confrontada com vários movimentos populistas com peso nas eleições, o facto de existirem multinacionais a não pagarem os impostos que deviam não aumenta esse sentimento de desconfiança perante o poder político?Se a população tem o sentimento — e em muitos casos não é só o sentimento, é um facto — de que existe uma porção pequena da população que basicamente decide se quer pagar impostos, isto claro que alimenta sentimentos. Mas se os políticos querem lutar contra o populismo, a forma correta de o fazer não é irem contra os jornalistas que noticiam. Está nas mãos deles mudar as regras e mostrar a população: queremos mudar as regras para que todos paguem os seus impostos e que não existam regras especiais para os ricos e as grandes empresas.
Pode ser um player. Na minha opinião, as Nações Unidas são a instituição que deveria ser responsável por problemas globais. Fizeram isso no passado no setor da saúde e em outras áreas. Claro que a transparência e a luta contra os paraísos fiscais poderia ser um objetivo para as Nações Unidas. Mas devo admitir que sinto que muitos países que fazem parte da ONU não querem que nada mude porque têm lucros neste modelo empresarial. Os grandes países como os Estados Unidos também lucram do segredo dos paraísos fiscais. Tenho medo que a mudança possa ser lenta.
O que foi feita na União Europeia para proteger os whistleblowers?Eu diria que nada. Pelo contrário: vimos os whistleblowers corajosos dos Lux Leaks, que permitiram o acesso à informação, a serem subjugados em julgamento num Estado-membro da União Europeia. Não vejo nenhuns passos a serem tomados para proteger os whistleblowers na União Europeia. Esse é um problema enorme porque essas pessoas que expõem escândalos desta escala deviam ser aplaudidas e não perseguidas. Esta é uma indústria baseada no princípio de segredo.
Espero que existam mais whistleblowers que decidam divulgar documentos e informação para jornalistas.
Na perspetiva de um outsider (jornalistas, por exemplo) é muito difícil, se não impossível, compreender o que se está a passar. Nós basicamente dependemos de whistleblowers, pessoas internas da indústria dos offshores, que tornem a informação pública, mostrando ao público o que se está a passar neste mundo de segredo. Espero que existam mais whistleblowers que decidam divulgar documentos e informação para jornalistas, ONG’s ou as autoridades, caso vejam práticas dentro das suas empresas ou sociedade de advogados que achem que não são as corretas. Esta é uma forma de trazer mais transparência para esta área.
Já é difícil chegar à informação, mas também existe a dificuldade de decifrar esses documentos para os leitores. Qual foi a vossa abordagem?Esse foi o nosso desafio durante meses. Como explicar estas estruturas difíceis aos nossos leitores? Devo admitir que não sei se fomos bem-sucedidos. É algo que os leitores saberão. Mas claro que quisemos tentar explicar de forma simples e principalmente não com uma linguagem muito técnica. Toda a indústria à volta dos serviços financeiros usa termos que o público não está acostumado. São termos que, pelo menos na Alemanha, não são usados no quotidiano. Tentámos explicar de forma muito simples porque o nosso objetivo não era focar as reportagens num público que já está interessado no tópico. Queríamos atingir as pessoas que ainda não têm uma opinião definida sobre os paraísos fiscais e empresas offshore. Pelo menos do feedback que tivemos do nosso público, acho que em parte atingimos esse objetivo.
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