A hiperactividade legislativa em contratos públicos
Esta hiperactividade legislativa é pautada pela absolutização do princípio da celeridade, ao qual ficam subordinadas as preocupações de concorrência, igualdade e imparcialidade nas compras públicas.
O Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de Novembro, determinou a 12.ª alteração ao Código dos Contratos Públicos (CCP), modificando também o regime especial de contratação pública aprovado em 2021. A circunstância de um diploma estruturante da actividade contratual pública que vigora há 14 anos já ter sofrido 12 alterações (algumas delas muitíssimo extensas) ilustra bem a incapacidade de manter a estabilidade num domínio em que é decisiva a consolidação dos quadros legais para que os operadores jurídicos sedimentem boas práticas e para que os Tribunais fixem uma interpretação mais segura dos regimes aplicáveis. Esta hiperactividade legislativa provoca, portanto, a multiplicação de erros por entes públicos e privados que não dispõem de tempo suficiente para se adequar a regimes em constante mutação, acabando por inutilizar procedimentos em virtude desses erros, prejudicando o propósito de aceleração procedimental que precisamente se invoca como motivo das alterações legislativas.
Mas será porventura mais preocupante o próprio sentido da evolução legislativa. Invocando preocupações quanto ao baixo nível de aproveitamento dos fundos europeus, a legislação de contratação pública apresenta os procedimentos concorrenciais (concursais) como os culpados pelo atraso na conclusão dos contratos públicos, sugerindo que a celeridade na actividade contratual pública só pode ser obtida através de procedimentos fechados ao mercado e restritivos da concorrência.
É por essa via que se alarga até 2026 a vigência de um regime especial de restrição da concorrência para um amplo leque de contratos públicos, que podem ser formados através de procedimentos de consulta fechada ao mercado até montantes que podem atingir €750.000, incluindo em contratos financiados por fundos europeus e contratos nos sectores da habitação pública, das tecnologias da informação, da saúde e do apoio social.
Desse modo, o valor da celeridade, que se tornou no princípio mais invocado pela legislação de contratação pública – muito mais invocado do qualquer dos princípios tradicionais da concorrência, da igualdade, da não discriminação, da imparcialidade ou da transparência, que se esperaria constituírem os pilares da actividade contratual pública –, surge elevado a motivo determinante de cada iniciativa legislativa no Direito dos Contratos Públicos.
Ademais, é paradoxal que não se aproveite sequer a oportunidade para corrigir integralmente o erro que realmente justificaria uma Revisão ao CCP: Portugal estava já em risco de sanções por incumprimento do Direito Europeu desde que, em 2021, aprovou medidas de favorecimento de empresas locais que chocavam com o princípio da não discriminação em razão do território. Agora, apesar de serem eliminadas algumas das medidas mais ostensivas de discriminação territorial visadas pela Comissão Europeia, a lei portuguesa insiste em manter em vigor regras de preferência local, nomeadamente ao dispensar empresas locais dos impedimentos à contratação reiterada por ajuste directo, o que implica que os entes autárquicos são incentivados pela lei a adoptar procedimentos violadores do Direito Europeu e cuja validade pode ser colocada em risco por qualquer interessado através de impugnação judicial.
Em suma, esta hiperactividade legislativa é pautada pela absolutização do princípio da celeridade, ao qual ficam subordinadas as preocupações de concorrência, igualdade e imparcialidade nas compras públicas.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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