Advogados oficiosos recebem 389 euros por caso. Apoio judiciário custa ao Estado 47 milhões de euros

Em 2021 foram gastos 47 milhões de euros com advogados oficiosos. Cerca de 40 % dos advogados inscritos na Ordem dos Advogados estão inscritos também no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais.

Em altura de campanha eleitoral, em que os debates e entrevistas aos sete candidatos se multiplicam, há um tema que é recorrente no discurso dos candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados (OA): o Sistema de Acesso ao Direito e Tribunais, com os respetivos advogados oficiosos e suas tabelas de honorários.

Mas, afinal, o que é o Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT)? É o sistema que permite que os cidadãos com pouco poder económico tenham acesso aos tribunais para defender os seus direitos, uma vez que a justiça não pode ser negada a ninguém. Desta forma, foi criado um sistema sustentado pelo Estado que paga a advogados, os chamados advogados oficiosos, para defender estes tipos de casos. Mas que não deixa de estar no centro das críticas já que quase que só indigentes podem ter acesso a estes advogados oficiosos e pelo facto da tabela remuneratória estar quase na mesma há vários anos.

Dados do Ministério da Justiça, avançados ao ECO/Advocatus, revelam que em 2021, foram gastos pelo Estado 47 milhões de euros em apoio judiciário, “correspondendo a quase totalidade a honorários e despesas processados a advogados”, diz a mesma fonte.

Segundo o Relatório Justiça 2015-2021 do Ministério da Justiça, o número de advogados a que se procedeu ao pagamento de honorários no âmbito do apoio judiciário tem vindo a aumentar ligeiramente nos últimos seis anos, existindo apenas um decréscimo de 2019 (13.607) para 2020 (13.564). Em 2021, houve um ligeiro aumento do número de advogados, tendo sido contabilizados 13.795 advogados. No total, em 2021, cerca de 40% da classe estava inscrita no sistema de apoio judiciário.

Relativamente ao pagamento dos serviços prestados por advogados e solicitadores no quadro do atual regime de acesso ao direito e aos tribunais, o montante tem vindo a diminuir desde 2016, tendo aumentado ligeiramente em 2021. Já que em 2016 eram quase 60 milhões que eram pagos a estes advogados, mais 13 milhões que em 2021.

O mesmo relatório demonstra também que um advogado oficioso em Portugal recebe, em média, 389 euros por cada apoio. Relativamente ao número de apoios judiciários por 100.000 habitantes, em Portugal são feitos cerca de 1.503 apoios. Os países com um maior número de apoios são Escócia, com 3.535, Lituânia, com 3.002, Reino Unido, com 2.340, Países Baixos, com 2.159, e Mónaco, com 2.149. Marrocos (9), Hungria (139) e Turquia (177) são os países com menor número de casos.

Por outro lado, o valor médio pago por cada apoio judiciário é mais alto no Reino Unido, com um montante a rondar os 1.325 euros, o triplo do que é pago em Portugal. Entre os países que pagam mais aos advogados oficiosos estão ainda os Países Baixos (1.270 euros), a Irlanda (1.107 euros) e a Áustria (963 euros). Já a Ucrânia (20 euros), Moldávia (22 euros) e Marrocos (49 euros) são os países que menos pagam aos advogados oficiosos.

Reforma do sistema a caminho?

Em setembro, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, admitiu uma reformulação do apoio judiciário e o aumento da remuneração dos advogados oficiosos em Portugal já que “o Estado tem o dever de garantir uma adequada compensação dos advogados”. “Contudo, esta garantia de compensação terá de evoluir sempre a par com as condições sociais concretas, designadamente económicas, do país. De notar que, entre 2015 e 2022, o Ministério da Justiça investiu quase mil milhões de euros, entre apoio judiciário e encargos relacionados”, garantiu fonte do gabinete da ministra.

“O Estado tem o dever de garantir uma adequada compensação dos advogados, cumprindo o princípio da justa remuneração e o estabelecido no n.º 3 do artigo 23.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos”, explicou a mesma fonte.

Em julho, a tabela de honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores, pelos serviços que prestem no âmbito do apoio judiciário, foi atualizada. O diploma atualiza o valor da unidade de referência com base no índice de preços no consumidor (IPC) relativo ao ano de 2021, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2022. Um aumento de 1,24%, que significa na prática que passa de 25,58 para 25,90 euros.

Durante dez anos, a Unidade de Referência (UR) para calcular o valor dos honorários era de 1/4 de UC, isto é, 25,50 euros. Em 2020 passou para 25,58 euros.

O valor da unidade de referência aplica-se ao apoio judiciário para nomeação e pagamento da compensação do advogado patrono, pagamento da compensação de advogado oficioso, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e pagamento faseado da compensação do advogado oficioso.

“O programa do governo prevê a implementação de um sistema de apoio judiciário efetivo, que abranja as pessoas e as empresas que efetivamente necessitam dele e que, simultaneamente, assegure a boa gestão dos recursos públicos, com garantia da qualidade dos profissionais que prestam esse serviço. Trata-se de uma matéria em análise, que deverá contar com a participação de todos os intervenientes e de todos os contributos, no sentido de se realizarem ajustamentos necessários”, disse ainda a titular da pasta, através do gabinete de imprensa.

Mas afinal como funciona o SADT?

Atualmente, o SADT possui duas modalidades principais: informação jurídica, que é prestada pelo Ministério da Justiça através de ações destinadas a tornar conhecido o direito; e proteção jurídica, que é concedida para questões judiciais concretas em que o cidadão tenha interesse próprio e versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados.

Este sistema de apoio está previsto tanto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na Constituição da República Portuguesa.

Mas quem pode usufruiu desta proteção paga pelo Estado? Segundo a lei, a decisão de atribuição compete à Segurança Social, que avalia as condições económicas do cidadão que pede o apoio. O SADT destina-se a pessoas singulares e coletivas sem fins lucrativos e pode ser solicitado para processos que corram em qualquer tribunal, julgado de paz, meios alternativos de resolução de litígios, processos que corram na conservatória, inventários que corram nos cartórios notariais e processos de contraordenação, segundo a Lei nº 34/2004.

Caso a Segurança Social decida aprovar a atribuição de apoio judiciário, cabe de seguida à Ordem dos Advogados (OA) nomear os advogados. Ao Estado cabe o financiamento de todo o sistema através do orçamento do Ministério da Justiça.

Este apoio judiciário pode ser prestado de várias formas:

  • Dispensa da taxa de justiça e demais encargos;
  • Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
  • Pagamento e compensação do defensor da justiça;
  • Pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos;
  • Nomeação e pagamento faseado da compensação do patrono;
  • Pagamento faseado da compensação do defensor oficioso;
  • Atribuição de agente de execução.

O apoio judiciário comporta também as despesas decorrentes de um eventual recurso.

E quais são os advogados que podem ser nomeados pela Ordem dos Advogados? Todos os que se inscrevem no SADT. A inscrição está dependente de certos requisitos. Até julho deste ano bastava que estivessem as quotas regularizadas e com inscrição definitiva na OA, mas as condições mudaram.

A OA aprovou, por maioria, em Assembleia Geral Extraordinária, uma alteração às regras dos advogados oficiosos. Agora, a lista de requisitos diz que os oficiosos terão de estar “com inscrição definitiva e em vigor na Ordem dos Advogados, que residam habitualmente em Portugal, que tenham a advocacia como sua profissão principal, nomeadamente cuja atividade não seja prestada em regime de subordinação e em exclusividade ao serviço de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, que tenham concluído o seu estágio em Portugal, ou, não tendo concluído o estágio em Portugal, que se encontrem inscritos há, pelo menos, dezoito meses, com efetiva atividade forense, em Portugal, durante tal período e com as quotas regularizadas”.

“Para a Ordem dos Advogados, as novas regras de inscrição no SADT reforçam a credibilidade dos advogados oficiosos e dos serviços por eles prestados aos cidadãos que a eles recorrem”, referiu a instituição.

O que defendem os candidatos a bastonário?

No final do mês, entre 28 e 30 de novembro, os 33.937 advogados do país vão eleger o próximo candidato a bastonário da Ordem dos Advogados e todos os candidatos já assumiram que o valor dos honorários dos advogados oficiosos também vai estar nas suas agendas.

Para António Jaime Martins, esta revisão da tabela de honorários será ao nível do aumento dos honorários dos atos previstos na tabela para valores justos, quer ao nível da previsão de atos que, sendo praticados, o seu pagamento não se encontra previsto na tabela. “Também será uma preocupação prioritária, o pagamento das despesas dos advogados com a prestação dos serviços no âmbito do SADT, as quais as mais das vezes, não são pagas. E, mesmo, não raras vezes, estas despesas são de montante superior aos honorários pagos. Tudo isto tem mesmo que ser revisto”, notou.

Já Luís Menezes Leitão explicou que esta questão sempre esteve na sua agenda mas que não houve abertura para fazer alterações. Ainda assim, salientou que com os novos titulares da Justiça e das Finanças tem encontrado maior abertura para realizar uma reforma do sistema. “Já entregámos ao Governo e aos Grupos Parlamentares uma proposta de alteração da tabela de honorários no SADT, em ordem a terminar com várias omissões e injustiças atualmente existentes”, referiu em entrevista à Advocatus.

“Uma tabela de honorários inalterada desde 2004 estará seguramente desfasada e impõe-se uma revisão. Mas esse é somente um dos aspetos da questão. A reflexão deve ser feita de modo mais abrangente e nestes pressupostos: assegurar a exclusividade da Ordem dos Advogados na gestão do apoio judiciário; reequacionar o modelo de funcionamento do sistema do apoio judiciário; encontrar soluções remuneratórias mais atrativas e estáveis para os advogados oficiosos; reforçar a confiança dos cidadãos na vertente técnica e deontológica desta forma de patrocínio”, considerou Paulo Pimenta.

Para Paulo Valério, a sua candidatura distingue-se por uma “completa alteração de paradigma” no que respeita ao apoio judiciário. “Infelizmente, o SADT que deveria enquadrar uma missão de serviço público, quase graciosa, para a generalidade dos advogados, transformou-se no único cliente para muitos e isso é um problema. Neste contexto, preferimos que o patrocínio dos cidadãos mais desfavorecidos seja feito através de um corpo profissional de defensores públicos, escolhidos por concurso e em regime de exclusividade. Dessa forma, será possível remunerar dignamente os profissionais que participam no sistema e dar maiores garantias de qualidade aos beneficiários“, defendeu.

Também o candidato Rui da Silva Leal defende que a tabela de honorários tem de ser atualizada. “Quanto ao valor da UR, que deverá ser atualizada em função da inflação de forma automática e anual, não havendo redução do seu valor em caso de deflação, à semelhança do que sucede noutras situações. Quanto ao número de UR´s por cada ato, que deverá ser aumentado, atualização que não tem lugar desde 2009. E o Estado tem que deixar de afirmar que paga aos advogados oficiosos 30 milhões de euros anuais, passando a referir o número correto e a declarar também o enorme volume de receitas que daí retira”, considerou.

Varela de Matos considera que este é um dos principais problemas que se coloca nos dias de hoje na advocacia portuguesa. “Mais de 14.000 advogados prestam apoio judiciário e fazem-no praticamente de graça com uma tabela que não é atualizada há quase 18 anos. Nenhuma classe profissional trabalha de graça, exceto os advogados. Ora, isso tem que acabar. E como é que vai acabar? O conselho geral tem que convocar assembleia distrital de advogados que deliberarão se eventualmente – de forma secreta – se continuam ou não a prestar apoio judiciário. E se deliberarem não o fazer, o sistema judiciário paralisa“, notou.

“A esmagadora maioria dos advogados que fazem parte das nossas listas candidatas aos órgãos são profissionais que exercem em prática individual, muitos deles inscritos no SADT, conhecendo bem as injustiças da referida tabela e os seus valores exíguos, que não remuneram de forma adequada e digna o trabalho, a complexidade técnica, a responsabilidade e as despesas que acarretam cada uma das prestações de serviços que são asseguradas por estes profissionais”, relembrou a candidata Fernanda de Almeida Pinheiro

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