O futuro da banca tem um nome. Chama-se Blockchain
Ninguém sabe quem inventou este sistema, mas tudo indica que poderá revolucionar o mundo financeiro nas próximas décadas. Afinal, o que é a blockchain, para que serve e como funciona?
Em matéria de economia é difícil reunir consensos. Por isso, no que toca ao futuro do dinheiro, as opiniões divergem. Alguns dão-lhe apenas mais 20 anos de vida, outros dez. Muitos, quiçá, nem creem que as moedas e notas alguma vez venham a desaparecer. Contudo, é difícil ignorar os avanços tecnológicos no setor financeiro que já estão a moldar as nossas vidas nos dias de hoje. E é mais ou menos consensual que o modelo económico atual vai sofrer alterações significativas ao longo dos próximos anos.
A tecnologia nunca evoluiu de forma tão acelerada e o digital nunca esteve tão entranhado na sociedade. Atualmente, para a maioria, fazer um pagamento digital com cartão de débito ou crédito é já um ato completamente natural. No século XIX, porém, ninguém imaginaria o mundo tal como ele é hoje, em que não arriscamos sair de casa sem duas coisas: a carteira e o telemóvel. Não deverão faltar muitos anos até podermos largar de vez um deles — a carteira, que, com todos os seus cartões físicos, será dispensável. Não o telemóvel: tudo se centrará neste autêntico computador de bolso, à distância de um toque no ecrã.
Mas foi em 2008 que nasceu uma das mais disruptivas tecnologias da área financeira, que talvez passou despercebida durante algum tempo. Tem um nome pomposo, blockchain, e já não precisa de provar nada a ninguém. Porquê? Porque é o sistema por detrás da mais badalada moeda virtual do mundo, a bitcoin, cujo valor está já acima da linha dos 1.000 dólares. O volume de transações diário rondará, por excesso, os 500 milhões de dólares. Ainda assim, na realidade, não é bem a divisa virtual que fascina grandes bancos como o Goldman Sachs, o JPMorgan, o Santander e por aí em diante. Nunca foi. É que o segredo não está no pão — está na massa.
Blockchain, um livro de registos
Vimos, portanto, que o dinheiro tende a ser cada vez mais digital e cada vez menos físico. Vimos igualmente que a bitcoin, ainda que muitos já contem os dias que lhe resta, tem vindo a funcionar sem problemas de maior. Pensemos agora o que é necessário para fazer uma moeda digital. O primeiro passo é criar algo transacionável, que possa ser trocado, negociado. Ora, no mundo digital, criar a moeda é o mais fácil: são apenas números.
O próximo passo é garantir a integridade dessa divisa. Este é o ponto mais importante, uma vez que é a razão de ser de toda a economia. O agente A tem algo que o agente B precisa; o agente B tem algo que o agente A também precisa; ambos trocam esses valores e cada um fica a ganhar de forma teoricamente equivalente. Se o agente B for capaz de criar, do nada, o que precisa do agente A, então não há razão para desencadear qualquer troca. Por outras palavras, se todos pudéssemos fazer nascer euros do nada, a moeda desvalorizaria ao ponto de se tornar inútil. Se a oferta é ilimitada, o valor tende a ser nulo.
É aqui que entra a blockchain, que é capaz de resolver o problema da integridade da nossa moeda virtual. Imagine uma longa corda em que lhe vão sendo feitos nós ao longo de toda a sua extensão. Imagine ainda que sempre que é feita uma transação, do agente A para o agente B, é dado um nó nessa corda, logo a seguir ao último nó já feito. Cada nó é um bloco (block) com informação sobre uma ou várias transações. O conjunto sucessivo desses blocks é, nem mais nem menos, o conceito de blockchain: o registo inviolável de todas as transações alguma vez feitas na história da divisa virtual. Fica assim garantido que a oferta é limitada e que não é perdido o rasto a cada uma das unidades.
Um modelo que dispensa a banca
À blockchain, o livro de registos das moedas virtuais, são-lhe associadas algumas características: dispensa de uma entidade central, as comissões tendem a ser baixas e as transações podem ser anónimas. Descarta mesmo qualquer recurso à banca, tal como a conhecemos. Muitos empreendedores viram nisto uma oportunidade e começaram a surgir as fintech, startups tecnológicas do setor financeiro. Muitas delas com a blockchain como menina dos olhos de ouro.
Um dos maiores projetos nesta área nem sequer é uma empresa: é uma organização sem fins lucrativos. Chama-se Fundação Ethereum e lançou, há pouco mais de um par de anos, uma nova moeda virtual com o mesmo nome. Uma unidade de Ethereum está a valer perto de 50 dólares e, mesmo assim, o volume de transações diário é tanto que por pouco ainda não igualou o da bitcoin. A principal diferença é que esta nova divisa virtual permite que um pagamento só seja feito no caso de preencher uma certa condição, numa lógica de “se… então…”, como explica o site Mashable. É só mais uma aplicação que recorre à blockchain para funcionar sem o controlo de uma entidade central.
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Ao olharem para tudo isto — e ao sentirem uma revolução a caminho –, muitas das grandes instituições financeiras perceberam que não podiam ficar para trás. Assim, ao invés de tentarem combater o progresso tecnológico, decidiram incorporá-lo. Não é de estranhar o número que Seamus Cushley, especialista da PwC, avançou ao jornal Silicon Republic: “Houve 1,4 mil milhões de dólares em investimento na [tecnologia de] blockchain nos últimos nove meses [de 2016]”, garantiu.
Em suma, a oferta de novos serviços financeiros assentes na tecnologia é já grande — e tudo indica que é só o início de algo ainda maior. Mas toda essa diversidade não é necessariamente positiva: uma moeda digital quer-se global, universal. Tem de ser largamente aceite em vários meios para poder funcionar efetivamente. O mesmo se aplica à generalidade dos novos métodos de pagamento. E se cada pessoa usar um sistema diferente e fechado, a evolução também não se produz.
Importa, por isso, tomar medidas para regulamentar esta transformação e permitir que os diferentes sistemas e tecnologias possam operar entre eles, de forma instantânea. Uma delas é a Diretiva Europeia dos Serviços de Pagamento, uma lei que terá de ser incorporada pelos Estados-Membros da União Europeia até 2018. É sobre ela que, por exemplo, assenta o sistema SEPA Instant Credit Transfer. Criado pelo Conselho Europeu de Pagamentos, deverá arrancar no final deste ano para permitir transferências internacionais até 15.000 euros em dez segundos.
A blockchain e o futuro do dinheiro são temas que estarão em discussão na primeira conferência temática promovida pelo ECO, dedicada às fintech. O evento decorrerá na manhã do próximo dia 3 de abril, no Museu do Dinheiro (Banco de Portugal). E embora as inscrições já estejam esgotadas, contará com transmissão em direto no site e redes sociais do ECO. Saiba mais aqui.
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