"Não é um 'reclame' que puxa a carroça das marcas", dizem Lourenço Thomaz e Tomás Froes, fundadores da Partners e CCO e CEO da agora Dentsu Creative Portugal. Ajudar a mudar a sociedade é o objetivo.
“Não temos esse perfil de «receber aqui uns briefing, faz uns anúncios»… Tentamos sempre intervir até ao máximo que nos deixarem, com o máximo do talento que tivermos. Se for para fazer, como se dizia antigamente, um ‘reclame’… já fizemos, mas vai acabar por correr mal porque não temos esse perfil de agência”, resume Tomás Froes, um dos quatro fundadores, há 20 anos, da Partners, que na noite de terça-feira deu lugar à Dentsu Creative Portugal, agência que integra a network global Denstu Criative, lançada em junho no Festival de Criatividade de Cannes.
E se na Partners “nunca fomos os gajos dos bonecos”, agora a ambição é superior. “Num novo grupo criado em 2022, a ideia está por trás de tudo – e a ideia vem do talento -, mas é tudo o que se pode oferecer aos clientes em termos de tecnologia e novas maneiras de comunicar, de resolver problemas, produtos e tudo mais”, prossegue Lourenço Thomaz, também fundador da Partners e chief creative officer (CCO) da agência. “O que interessa a um grupo como a Dentsu já não é só o patamar das ideias e das criatividades. Quando se muda uma sociedade é quando se inova, se muda o mundo, é quando se muda uma cultura. Aí é que já se começa a entrar num patamar de coisas que começam a ser relevantes para todos”, prossegue. Em conversa com o +M/ECO, os dois responsáveis traçam objetivos e dizem como veem o papel das agências, marcas e clientes.
A Dentsu Creative surge este ano, enquanto network para a área criativa do grupo Dentsu. O que tem de diferente uma network lançada em 2022 e o que pode oferecer de diferenciador aos clientes? Até por oposição às multinacionais que já existem?
Lourenço Thomaz (LT): Temos a sorte de estar num grupo que veio da media, mas também tem muita tecnologia, é muito inovador. Num novo grupo criado em 2022, a ideia está por trás de tudo — e a ideia vem do talento –, mas é tudo o que se pode oferecer aos clientes em termos de tecnologia e novas maneiras de comunicar, de resolver problemas, produtos e tudo mais. Temos a sorte de estar num grupo em que é muito importante isso existir. Por exemplo, fizeram um dispositivo, o Revoice, que ajuda as pessoas que não conseguiam falar, diagnosticas com ELA.
Tomás Froes (TF): Apresentámos [na terça-feira] o conceito Modern Creativity, a Criatividade Moderna. Acho que responde bem a essa pergunta. Hoje as agências de publicidade estão e querer, no caso da Denstu muito vincadamente, assumir aquilo que já foram nos anos 50 e 60, em que tinham uma intervenção muito grande nas empresas e na sociedade. Nesta Criatividade Moderna até temos uma escala e sempre que pensamos nos projetos olhamos para ela. Há um ponto importante, as agências hoje têm capacidade, ou têm de ter a capacidade, o talento e os meios, para ajudar a mudar o mundo, a mudar a sociedade. Porque as marcas estão a assumir esse papel. Hoje vemos a exigência do consumidor, olha para as marcas, para a sua sustentabilidade, para aquilo que fazem na sociedade, para as suas causas. Se as marcas estão hoje com esse desígnio e esse peso positivo às costas, porque de facto podem mudar as sociedades, a vida das pessoas, as agências, como parceiras dessas marcas, têm de assumir esse papel também.
A função de uma agência criativa já não é a criatividade publicitária?
LT: Nessa escala de que o Tomás está a falar há vários patamares. Os que interessam a um grupo como a Dentsu já não é só o das ideias e das criatividades. Quando muda uma sociedade é quando se inova, se muda o mundo, é quando se muda uma cultura. Aí é que já se começa a entrar num patamar de ideias, que as agências e os clientes querem, de coisas que começam a ser relevantes para todos.
E os clientes querem mesmo? Dou como exemplo o artigo de opinião que escreveu para o +M/ECO sobre o Qatar e também a campanha do Meo, que foi a exceção, ao falar de direitos humanos.
TF: As marcas líderes têm de levar as outras. O Meo é uma marca líder e assumiu que, como patrocinador, este era um tema pelo qual de devia bater, falar e dar voz. Não é gratuito, é uma marca que nos últimos três ou quatro anos tem falado de causas e percebeu que isto era uma causa importante e relevante. Agora, se todas as marcas são assim? Não. Se as marcas líderes estão a tomar essa responsabilidade e a liderar? Sim. Se daqui a muitos anos estão todas e as líderes já estão a fazer outra coisa? Também. Acompanhamos e sabemos que há marcas que estão mais preparadas, legitimamente, para falar do tema, outras que não. Isso, enfim, tem a ver com a marca em si e com a ajuda que podemos dar nesse caminho de propósito, de visão, de valores.
Quando uma agência em conjunto com uma marca consegue desenvolver um produto que melhora a vida das pessoas, isso muda a sociedade. Quando falava da escala, não falava nem de sustentabilidade nem de responsabilidade social. É na vida das pessoas, é tentar melhorá-la.
LT: Mas isso em tudo. Não temos de ir para a sustentabilidade. Quando uma agência em conjunto com uma marca consegue desenvolver um produto que melhora a vida das pessoas, isso muda a sociedade. Quando falava da escala, não falava nem de sustentabilidade nem de responsabilidade social. É na vida das pessoas, é tentar melhorá-la.
TF: Dou um exemplo que não tem nem produto nem nada para vender, mas que mudou a vida das pessoas, ou a cabeça das pessoas naquele momento da vida, a campanha do Turismo de Portugal na pandemia. Foi o primeiro destino turístico a fazer uma campanha e fez-se uma campanha a dizer “estamos a viver tempos difíceis, mas vamos viver tempos bons. As paisagens, os monumentos, não vão a lado nenhum, ficam à sua espera, para quando puder viajar”. Isto faz bem às pessoas. Em casa, fechadas, com as máscaras e de repente vê-se um filme a dar esperança. Não tem produto, não tem causa, não tem sustentabilidade. Tem uma mensagem de esperança num momento difícil, que um país deu e que viajou pelo mundo todo.
Quando diz não tem produto, não tem mesmo? O produto foi Portugal.
LT: Claro que acaba por ter, mas é um produto muito altruísta, em primeiro lugar pensa nas pessoas, em segundo lugar diz “quando as coisas melhorarem, não tenha pressa, depois estamos aqui”. Ao ver uma campanha dessas, depois, quando puder viajar, a pessoa lembra-se e vai estar no top of mind. Este novo anúncio da Apple, The Greatest, é uma coisa extraordinária. Vê-se as pessoas com vários tipos de incapacidade e os programas que isto tem, que com certeza vendem muito mais telemóveis, que os ajuda no dia-a-dia. Esse filme mostra de uma maneira muito espetacular e muito direta o que é que a publicidade deve ser nos próximos anos e o que é que as marcas podem fazer. A Apple é um líder, é verdade. Como o Meo ou o Turismo. Os líderes têm que ser sempre assim.
Susana Albuquerque, presidente do Clube de Criativos, dizia-nos em entrevista que criatividade não é só um assunto dos criativos. Quem são os vossos interlocutores?
LT: Concordo plenamente com essa frase da Susana, vem depois no contexto de chamar ao Clube de Criativos Clube de Criatividade. E as pessoas, em qualquer área, têm de ser criativas senão o seu negócio é uma réplica dos outros, é preciso inovar. Com quem é que nos gostamos de dar? Com toda a gente, de alto a baixo. Agora, que às vezes é preciso dar-nos com os decisores ao mais alto nível, porque são eles que vão validar as coisas, e sobretudo arriscar? Às vezes. Em Portugal, em algumas marcas, acho que falta uma coisa que existe muito lá fora, que é o CMO (chief marketing officer).
TF: Oiço muito essa conversa no mercado, no outro dia até houve uma reunião para discutir o acesso aos decisores e tudo isso… Damo-nos com a cadeia toda no cliente, da pessoa mais júnior à mais sénior. Mas os clientes, que temos sempre na cabeça, são os que têm um líder que valoriza a marca, e esse é um líder que gosta de criatividade e estratégia. E temos tido a sorte, desde o início, de ter clientes que valorizam a sua marca, por isso temos muito acesso, e gostamos muito de ter esse acesso, ao número um da empresa. São pessoas que valorizam a marca, que gostam de estar sentados connosco a ouvir, a debater, a partilhar, a discutir.
E podem assumir riscos.
TF: E podem assumir riscos. E isto valoriza muito a indústria. Depois há outro tema que também não escondemos, já temos 50 anos e os CEO de hoje são da nossa geração. Se quando entrámos na publicidade não havia nenhum CEO com a nossa idade, hoje subiram nas carreiras e já têm. E isso é bom. Há empatia, há confiança, há trajeto, há percurso, o que nos permite sentar e discutir a marca, a valorização, a estratégia, e ajudar a marca nisto. Se queremos de facto ter um papel a ajudar a marca na sociedade, temos de falar de facto com quem decide, depois seguimos a cadeia toda até cá abaixo. É um ponto importante para que não sejamos, e nunca fomos nem seremos, os gajos dos bonecos.
LT: Estes CEO, e depois vai do topo até baixo, sabem a importância que a marca em si tem de ter. Amanhã posso fazer uma grande empresa, mandar vir telemóveis do mundo inteiro e ter os melhores telemóveis, que não vou vender nada. São os consumidores que fazem as marcas, são os consumidores que fazem aquilo funcionar ou não, é a relação com os consumidores. Claro que a marca tem ainda mais importância do que tinha há 20 anos, não há a menor dúvida.
O marketing não está a perder importância?
TF: Não sentimos, pelo contrário. Talvez porque o tenhamos defendido desde início. Quando procurávamos o nome, Partners tinha a ver com isso, dizíamos que as consultoras estavam a ocupar o espaço das agências de publicidade, dos Mad Men da altura, que se sentavam a fumar charuto e a beber uísque com o CEO. As consultoras estavam a ocupar esse espaço e questionámos: mas porquê? Porque é que não somos nós? A forma de pensar de um criativo é totalmente diferente da de um consultor. Achávamos, achamos, e este foi o percurso, que devíamos estar sempre o mais perto possível de quem decidia, com aquilo que podíamos trazer e aportar à marca. E acho que fomos conseguindo. Ouço muito isso, mas não sentimos, pelo contrário. Pela sorte que tivemos nos clientes, pelos clientes que são, também pela nossa postura.
LT: Também é verdade que há 20 anos dizíamos “este tipo é muito criativo, mas não pode ir ao cliente, não sabe falar com o cliente”. Hoje não há nenhum criativo, nenhum designer, que não vá ao cliente, isso acabou. É essa proximidade ao cliente que faz com que depois não sejam as pessoas do boneco e sejam as pessoas da estratégia. A estratégia é o ponto fulcral para se ter uma boa ideia. Nasce tudo da estratégia.
TF: Também tem a ver com o posicionamento das diferentes agências e da maneira de pensar e liderar. Não vou dizer que não temos clientes diferentes, temos. Mas se há clientes que estão na agência e que não há uma valorização da marca, não nos querem ouvir, normalmente não ficam muito tempo. Porque não há fit. Não tem mal nenhum. Mas não temos esse perfil de “receber aqui uns briefing, faz uns anúncios”... Tentamos sempre intervir até ao máximo que nos deixarem, com o máximo do talento que tivermos. Mas se for para fazer, como se dizia antigamente, um reclame… já fizemos, mas vai acabar por correr mal porque não temos esse perfil de agência.
LT: Porque não é um reclame que vai resolver um problema. “Ah, esta é uma ideia gira”… Porreiro, pode-se fazer. Mas não é isso que vai puxar carroça para as marcas.
Se queremos de facto ter um papel a ajudar a marca na sociedade, temos de falar de facto com quem decide, depois seguimos a cadeia toda até cá abaixo. Acho que é um ponto importante para que não sejamos, e nunca fomos nem seremos, os gajos dos bonecos.
O que é que vai puxar carroça? Quais são os grandes desafios?
LT: Os desafios deles são exatamente os mesmos do que os nossos. Eles têm os seus clientes, têm os seus consumidores, têm o seu negócio e têm de perguntar o que é que vai melhorar a vida dos seus consumidores. Assim como nós temos de pensar exatamente a mesma coisa. O que que é que vai melhorar o mundo? O que é que vai melhorar a sociedade? O que é que vai melhorar a vida dos consumidores deste nosso cliente? Acho que o pensamento que está nas agências é o que está nos clientes.
Quando em 2019 ganhou o Prémio Personalidade de Publicidade M&P, referia termos o melhor jogador do mundo, o melhor destino do mundo, os melhores chefs… Também temos os melhores criativos e os melhores clientes? Ou ainda há alguma preguiça?
TF: Este ano foi um bom exemplo de enorme criatividade portuguesa internacionalmente, com o que se passou em Cannes. Está aí uma prova de que não nos podemos estar sempre a queixar que somos pequeninos, ou que não temos escala, ou que não temos isto e aquilo. Pegando nessa pergunta e juntando à outra, e acrescentando ao que o Lourenço disse, acho que o grande desafio das marcas, das agências e dos criativos, para mim é um: ideias. Ideias e diferenciação, porque com isso consegue-se reputação, consegue-se relação com os consumidores, consegue-se mudar. Acho que as marcas têm de estar permanentemente a inovar, para manter a sua reputação, a sua relação com os clientes, o seu mercado, o seu negócio. Inovar, o mundo é feito de inovação, de diferenciação e ideias. A criatividade portuguesa tem altos e baixos, este foi um ótimo ano.
Este ano não concorreram a Cannes?
LT: Concorremos e não nos correu bem, mas é mesmo assim, isso não nos deixa mais tristes pelo bom ano que Portugal teve em Cannes. Mas, como ainda no outro dia dizia à Ana Paula Costa , este ano não pode ser uma lança em África, temos de melhorar e ser consistentes todos os anos para ser assim.
Os resultados deste ano em Cannes potencia-vos, agora na network? Fortalece a marca Portugal?
LT: Nós Partners, agora Dentsu Creative Portugal, tivemos de trilhar o nosso caminho dentro do grupo. Mas é sempre bom, porque as pessoas lá foram olham para isso.
TF: E vamos ver factos práticos, ganhas prémios tens mais jurados, tens mais jurados é mais fácil defender projetos. É normal, estão sentados a uma mesa, se na mesa há mais jurados portugueses ingleses ou americanos… É assim a vida. E, pela primeira vez, também vai ser um desafio interessante e chegamo-nos à frente sem medo, vamos inscrever em Cannes peças como Dentsu Creative. Já somos uma global network, que também tem mais ‘visibilidade’, vou chamar-lhe assim. Vamos ver como corre. Mas, prémios que saem de Portugal só fazem bem a Portugal, ao mercado todo, à indústria e até a estimular clientes a estar presentes. Temos dito a clientes, vemos muitos CMO e CEO de grandes empresas no palco de Cannes a dar palestras. Isto é que é valorizar a sua marca. Prémios portugueses de marcas portuguesas, acho que devem estimular CMO e CEO a irem a Cannes, porque é uma fonte de inspiração, de ideias, de criatividade, de estratégia. É muito importante e temos conseguido levar líderes de algumas marcas a Cannes, para verem, sentirem, respirarem, beberem, e isto faz bem à marca, à agência e à relação.
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