Estes são os crimes possíveis no caso TAP
O Ministério Público poderá estar a avaliar crimes como a gestão danosa na TAP, apropriação ilegítima, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poder e tráfico de influências.
Na investigação que o Ministério Público (MP) abriu ao caso TAP e ao pagamento de uma indemnização a Alexandra Reis pela saída da companhia, podem estar em causa suspeitas de crimes como gestão danosa, apropriação ilegítima, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poder por titular de cargo público, participação económica em negócio, tráfico de influências e corrupção. E que podem envolver a administração da TAP, a própria Alexandra Reis e membros do Governo que, à data, tiveram conhecimento do acordo de indemnização.
Depois de ter sido tornada pública a compensação de 500 mil euros bruto paga a Alexandra Reis pela demissão da TAP, em fevereiro de 2022, o Ministério Público decidiu abrir um inquérito para averiguar a legalidade da indemnização e esclarecer se estará aqui em causa a prática de algum crime. Mas sem explicar quem poderão ser os arguidos – a Administração da TAP liderada por Manuel Beja e Christine Ourmiére-Widener, Alexandra Reis ou as respetivas tutelas (Infraestruturas ou Finanças) ou os crimes em causa.
Porém, ao ECO/Advocatus, fonte do Ministério Público explicou que podem estar em causa vários crimes: Apropriação ilegítima, gestão danosa, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poder por titular de cargo público, participação económica em negócio, tráfico de influências e corrupção. E vários arguidos: desde Alexandra Reis, passando pela administração da TAP e parando apenas nos titulares de cargos do Governo. Mas tudo vai depender de como decorreu todo este processo de renúncia e respetiva atribuição de uma indemnização de meio milhão de euros, numa empresa cujas dificuldades financeiras são públicas, notórias e assumidas.
O ECO/Advocatus questionou vários advogados para perceber que crimes poderão estar em cima da mesa. Para Alexandra Mota Gomes, advogada e sócia da Antas da Cunha ECIJA e Beatriz Eusébio da Costa, advogada associada do mesmo escritório, em causa podem estar vários crimes. No caso da gestão da TAP e de Alexandra Reis:
- Caso a indemnização que recebeu não lhe seja devida, Alexandra Reis poderá ser suspeita de ter praticado um crime de recebimento indevido de vantagem, enquanto a TAP e/ou membros da sua administração poderão ser investigados pela prática de um crime de oferta indevida de vantagem. Crime punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
- Alexandra Reis poderá também ser investigada pela prática de um crime de abuso de poder, “caso se demonstre que tenha abusado de poderes ou violado deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter um benefício ilegítimo”. Crime punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber.
- Caso se verifique que “houve uma infração intencional das normas de controlo ou das regras económicas de uma gestão racional, por parte da administração da TAP, que provocou dano patrimonial importante na TAP, poderá ser investigada a prática do crime de administração danosa”. Crime punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
A TAP e ou os membros da administração podem ainda ser investigados, pela CMVM, pela prática de uma contraordenação muito grave por comunicação ou prestação de informação que não seja completa e verdadeira, dizem as advogadas.
Já no que toca aos governantes, “caso algum membro do governo, no exercício das suas funções, tenha conscientemente conduzido ou tomado decisões contra direito no processo de demissão de Alexandra Reis da TAP ou de contratação de Alexandra Reis para a NAV, com a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, poderá ser investigado pela prática de um crime de prevaricação, por titular de cargo político”. Caso algum membro do governo tenha tido “intervenção na entrega a Alexandra Reis de uma indemnização que lhe era indevida, pode ser investigado pela prática um crime de oferta indevida de vantagem, por titular de cargo político”. Crime punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
Por outro lado, se algum membro do governo abusou dos seus poderes ou violou os deveres inerentes às suas funções, com a intenção de dar a Alexandra Reis um benefício ilegítimo, poderá ser investigado pela prática de um crime de abuso de poder por titular de cargo político. Crime punido com prisão de seis meses a três anos ou multa de 50 a 100 dias, se pena mais grave lhe não couber.
Para o advogado Dantas Rodrigues, na saída de Alexandra Reis da TAP, por não ser uma rescisão por parte da companhia aérea, não haveria lugar a indemnização. O Estatuto do Gestor Público refere mesmo que, entre outros postos, o conselho de administração pode ser “livremente dissolvido” ou o “gestor público livremente demitido”, sendo que neste caso, o “gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de um ano”, segundo o artigo 26º.
“Mas, no presente caso, não se trata de uma demissão, mas sim da renúncia ao cargo, logo, tratando-se de dinheiro público, o Ministério Público abriu inquérito para investigar e aferir se estamos ou não perante a prática de algum crime, nomeadamente apropriação ilegítima”, sublinhou.
Este tipo de crime é público e é imputado a quem, “por força do cargo que desempenha, detiver a administração, gerência ou simples capacidade de dispor de bens do setor público ou cooperativo, e por qualquer forma deles se apropriar ilegitimamente ou permitir intencionalmente que outra pessoa ilegitimamente se aproprie”, lê-se no artigo 234º do Código Penal (CP).
“Por outro lado, caso esta indemnização seja suscetível de provocar um dano patrimonial importante poderemos discutir, em relação à TAP, se haverá a prática do crime de administração danosa, crime previsto no artigo 235º do CP“, acrescentou o advogado.
O crime de administração ou gestão danosa recai sobre “quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do setor público ou cooperativo”.
“Caso existam indícios da prática de crime e factos e provas que o justifiquem, o que, na presente data, com a falta de informação e detalhes sobre o caso, não é fácil de identificar, poderá o MP estar a investigar a prática de outros crimes ligados ao exercício de funções públicas, como é o caso de recebimento indevido de vantagem e abuso de poder”, referiu o advogado.
Já Raquel Caniço, advogada da Caniço Advogados, deixou a nota de que, por uma questão de transparência e equidade, todas as indemnizações no âmbito da saída de administradores da Administração Pública devem ser esclarecidas. Para a advogada, é importante saber os motivos justificativos do acordo de revogação. Caso não haja justificação legal, Raquel Caniço acredita que podem estar em causa a prática de crimes contra o Estado, designadamente aqueles que se cometem no exercício das funções públicas.
“Refiro-me ao recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção e participação económica em negócio, que se encontram previstos nos artigos 372º, 373º, 374º e 377º do Código Penal, respetivamente”, enumerou. As molduras penais destes tipos de crimes variam entre um e oito anos ou multa até 600 dias.
A advogada alertou também que, para haver tutela penal, é preciso “concretizar se houve vantagem económica indevida” e porventura, a “prática de um ato ou omissão que seja contrário aos deveres que lhe estejam adstritos pelo cargo e se aqueles que o praticaram em conluio, agiram intencionalmente prejudicando patrimonialmente o Estado”.
Sofia de Castro Caldeira, associada coordenadora de Penal da PARES Advogados, e Margarida Marques Pereira, associada, afirmam que o processo encontra-se em segredo de justiça, “desconhecendo-se, ainda, se a mesma foi ou não constituída arguida e quais os crimes potencialmente em causa. É difícil, nesta fase, antecipar quais os possíveis ilícitos criminais em que as entidades e sujeitos envolvidos – TAP, Alexandra Reis, membros do Governo – poderão eventualmente incorrer. Contudo, em termos abstratos, poder-se-á equacionar que em causa esteja a eventual suspeita da prática dos crimes de administração danosa, prevaricação ou até tráfico de influências”.
O rebentar da bolha
O caso TAP provocou a demissão de Alexandra Reis no dia 27 de dezembro e de Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes e uma crise política que ainda não terminou. Tudo começou quando o Correio da Manhã noticiou no dia 24 de dezembro que Alexandra Reis recebeu uma indemnização no valor de 500 mil euros por sair antecipadamente do cargo de administradora executiva da companhia aérea.
Dois dias depois da polémica “rebentar”, no dia 26 de dezembro, o ministro das Finanças, Fernando Medina, e o ex-ministro da Infraestrutura e Habitação, Pedro Nuno Santos, pediram à administração da TAP “informações sobre o enquadramento jurídico do acordo” celebrado com Alexandra Reis, incluindo a indemnização paga.
A TAP veio explicar a saída de Alexandra Reis e respetiva indemnização. Segundo a companhia aérea, a indemnização de 500 mil euros brutos é cerca de um terço do valor pedido inicialmente por Alexandra Reis, e divide-se em várias fatias. Como os 107 mil euros para o pagamento de férias não gozadas. “Como contrapartida pela cessação de todas as referidas funções contratuais, e não obstante a pretensão inicial de AR [Alexandra Reis] se cifrar em 1.479.250 euros, foi possível reduzir e acordar um valor global agregado ilíquido de 500.000 euros a pagar” à atual governante, lê-se no documento da TAP divulgado.
No dia 27 de dezembro, Alexandra Reis apresentou o pedido de demissão, solicitado pelo ministro das Finanças. A ex-secretária de Estado do Tesouro assegurou que devolveria “de imediato” qualquer quantia que lhe tivesse sido paga e que acreditasse não estar no “estrito cumprimento da lei” na sua saída da companhia aérea.
O ministro das Finanças já garantiu não ter tido conhecimento prévio da atribuição da indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis. Fernando Medina garantiu também que, enquanto ministro da tutela, cumpriu com a sua “obrigação” quando pediu à ex-secretária de Estado do Tesouro para abandonar o cargo por considerar que foi “posta em causa a autoridade política do Ministério das Finanças”.
Dois dias depois da demissão de Alexandra Reis, foi a vez do ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, e o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos, – que admitiu ter conhecimento do pagamento da indemnização – apresentarem as suas demissões.
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