“É necessário garantir um verdadeiro acesso à consulta juridica”, diz Fernanda de Almeida Pinheiro
Fernanda de Almeida Pinheiro tomou posse esta segunda-feira. É a terceira mulher a ocupar o cargo. Acesso ao direito, formação dos estagiários e previdência foram alguns dos temas falados.
“É essencial que a justiça chegue aos cidadãos e às cidadãs, independentemente da sua origem, dos seus meios económicos e do seu estrato social. E, uma vez mais, é imprescindível a participação da advocacia neste acesso dos cidadãos e cidadãs à justiça”. As palavras são da nova bastonária da Ordem dos Advogados (OA), Fernanda de Almeida Pinheiro, no seu discurso da tomada de posse que decorreu esta segunda-feira, na sede da instituição, em Lisboa.
Fernanda de Almeida Pinheiro – aplaudida por várias vezes enquanto discursava – defendeu que é essencial “rever as condições de acesso ao sistema de acesso ao direito e aos tribunais, tal como é fundamental garantir um verdadeiro acesso à consulta jurídica em todo o território nacional e, por fim, mas não menos importante, garantir a remuneração digna aos profissionais inscritos no sistema”, sublinhou.
“Foi a missão de garantir que os advogados e as advogadas deste país não mais sejam privados de poder exercer os seus direitos inalienáveis de parentalidade. Que os seus filhos e as suas filhas não possam ser impedidos de receber os cuidados essenciais de que carecem quando nascem, porque uma justiça que, para por quase tudo e por quase nada, se recusa reconhecer esta obrigação dos profissionais liberais que nela operam de acudirem às suas crianças, que são também as crianças de todos e todas nós. E porque temos também de garantir que os profissionais não sejam obrigados a agendar sessões de quimioterapia entre diligências processuais, uma vez que não podem dar-se ao luxo de padecer de uma doença oncológica, grave e incapacitante, que os impeça de trabalhar. Enquanto não forem garantidos aos seus profissionais os seus mais básicos direitos humanos, a advocacia não é nem livre, nem autónoma, nem independente e isso não pode acontecer numa profissão que tem custódia constitucional e é essencial à boa aplicação da justiça“, disse a advogada, na cerimónia onde estava uma sala repleta de advogados, presidentes dos Tribunais Superiores, Ministra da Justiça, Procuradora-Geral da República, representantes dos grupos parlamentares e ainda bastonários de quase todas as ordens profissionais.
Fernanda de Almeida Pinheiro, com 53 anos, foi eleita como bastonária da Ordem dos Advogados para o triénio de 2023 a 2025, a 15 de dezembro. Tornando-se assim a terceira mulher a ocupar o cargo de líder dos advogados, depois de Maria de Jesus Serra Lopes, em 1990, e de Elina Fraga, eleita em 2013. A advogada contabilizou 59,6% dos votos. Ou seja: 10.539 do total de votos, contra os 7.245 de Paulo Pimenta. No total, votaram 17. 783 advogados, num universo de quase 37 mil.
A advogada exerce em prática individual e foi única mulher na corrida pelo título de bastonário da OA. Inscrita desde 2002, a candidata tem exercido a profissão como in house entre 2002 e 2007 e como diretora de Recursos Humanos, junto de sociedades da área das Tecnologias de Informação. É advogada em prática individual na Comarca de Lisboa desde junho de 2008, encontrando-se inscrita no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais desde 2010. Na tomada de posse, a bastonária não deixou de enaltecer as suas origens humildes: “Tenho a absoluta certeza que há cerca de 50 anos uma mulher, filha de uma humilde cozinheira – afastada da escola aos 6 anos de idade por ser menina – e de um modesto mecânico de automóveis – que começou a trabalhar aos 10 anos de idade – e ambos crescendo rodeados de uma pobreza severa, educada na escola pública, depois trabalhadora-estudante do pós-laboral, licenciada em direito no ensino cooperativo e sem quaisquer pergaminhos anteriores na profissão, exercendo a mesma em prática individual, jamais poderia ser eleita, como eu acabo de ser, Bastonária da Advocacia Portuguesa”.
A advogada foi uma das líderes do grupo de advogados que juntou mais de 3500 votos para realizar um referendo sobre o sistema de previdência da classe. Referendo esse que acabou por dar-lhe razão e defender a possibilidade de opção entre a CPAS e o regime geral de Segurança Social para os advogados. Apesar de alguns dos seus oponentes a terem apelidado da ‘candidata bloquista’, a advogada não milita em nenhum partido político. Irá exercer o mandato em exclusividade com o salário que o cargo de bastonário implica.
No seu discurso de tomada de posse, disse ainda “que garantir a formação adequada dos estagiários e das estagiárias que pretendem ingressar na profissão, a par da formação continua de todos os profissionais que advogam no nosso país, porque só assim conseguiremos assegurar a elevada competência técnica que é essencial para o bom exercício da profissão”, é outra das suas prioridades.
Disse ainda que outras das prioridades é a “de regular de forma adequada a relação existente entre sociedades e os seus e as suas associadas, e bem assim as relações de contratação de serviços entre pares. Não é possível que continue este vazio total de regras que mantém na terra de ninguém, principalmente, a jovem advocacia, a
quem não são garantidos os mais elementares direitos contratuais e que nos devem envergonhar a todos e a todas”.
Já aos jornalistas, no final da cerimónia de posse, Fernanda de Almeida Pinheiro, sublinhou que a profissão “tem de ter direitos”. Sobre questões éticas, Fernanda de Almeida Pinheiro corroborou o discurso do novo presidente do Conselho Superior da OA, Paulo de Sá e Cunha, que pediu “tolerância zero” para “advogados desonestos, que também os há”.
“Os advogados não existem para enganar os clientes ou para terem condutas não conformes ao direito. Nós estamos aqui para defender os cidadãos. Naturalmente que contam sempre connosco para combater esses pouquíssimos exemplos que existem de más práticas na profissão”, disse a bastonária.
Sobre o novo diploma de regulação das ordens profissionais e a muito criticada norma que permite a presença de elementos externos à profissão em órgãos disciplinares, a nova bastonária garantiu que este “não é um assunto encerrado, nem pode ser”.
“Como é que pode vir qualquer pessoa que não seja membro desta ordem profissional dizer o que é uma infração disciplinar? Quem diz dos advogados, diz dos médicos, dos engenheiros. É evidente que não podem nunca, em circunstância alguma, vir determinar o que são falha
Na agenda da nova bastonária segue-se um pedido de reunião à ministra da Justiça. “Temos estado a conversar e tenho a certeza de que este mandato, o meu e o da senhora ministra, vai ser muito profícuo em entendimentos e vamos conseguir chegar a bom porto em muitas coisas que precisamos de agilizar”, disse Fernanda de Almeida Pinheiro.
Fernanda Almeida Pinheiro apresentou oficialmente a sua candidatura em julho. Líder de uma campanha claramente mais ativista e de cariz social, Fernanda de Almeida juntou ao seu programa questões como adiamento de diligências em período pós parto, a defesa de vítimas de violência doméstica, a precariedade laboral dos advogados, criação de canais de denúncia para vítimas de assédio no exercício da profissão ou o apoio judiciário obrigatório para reclusos.
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