PGR convicta de que casos mediáticos não têm um fim “previsível”

Lucília Gago falava na cerimónia de abertura do ano judicial. Discurso centrado na autonomia financeira do MP e ainda nos casos mediáticos, assumindo que atrasos nos inquéritos são "insustentáveis".

A Procuradora-Geral da República admitiu que existe um desprestígio e erosão no mundo judiciário, “em especial sobressaindo, com aquilo que também já designámos de ofuscante, e até dolorosa, nitidez, no quadro de volumosos e arrastados casos mediáticos“. Acrescentando que o Ministério Público (MP), que tutela, tem a convicção de que estes não vão ter um desfecho “num horizonte temporal minimamente previsível sequer”.

A chefe máxima do MP discursava na cerimónia de abertura do ano judicial deste ano, que marca pela diferença, desde logo, pela presença da nova bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro e pelo protesto dos funcionários judiciais em frente ao Supremo Tribunal de Justiça, onde decorre a cerimónia.

Lucília Gago diz então que uma das soluções para a Justiça poderá ser a de apostar numa “reformulação, em particular no domínio da organização judiciária e do direito penal e processual penal”, de forma a “restaurar a imagem e a confiança nela depositada pelos cidadãos. Parece-nos incontestável que o tempo urge neste domínio”.

As intervenções das principais figuras do setor – ministra da Justiça, Procuradora-geral da República, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, bastonária dos Advogados -, bem como dos mais altos representes do Estado (Presidente da República e presidente da Assembleia da República) verificam-se numa altura em que há uma onda de protestos sindicais por parte dos guardas prisionais, funcionários judiciais e trabalhadores dos registos e notariado, relacionados com problemas remuneratórios, questões de carreira e condições de trabalho, entre outras.

A PGR disse ainda que, para muitos, é “conveniente e estratégico”, apontar o dedo exclusivamente ao MP pelos atrasos em processos mediáticos. “Não essencialmente mas também porque, no momento de assacar responsabilidades pelas demoras e pelos atrasos registados, designadamente no encerramento de inquéritos fortemente mediatizados e por cujo desfecho se aguarda muitas vezes demasiados anos – atrasos esses, em uníssono, apontados como, a todos os títulos, insustentáveis –, se torna fácil – e muito cómodo e estrategicamente conveniente para muitos – apontar o dedo, em exclusivo, ao Ministério Público que dirige as investigações”, disse.

E critica aqueles que muitas vezes acusam a magistratura do MP de corporativista, apelidando-os de hipócritas: “ao propalado corporativismo desta magistratura, de recorrente invocação quando é visada a razoabilidade das afirmações ou reivindicações dela provenientes, bem como à alegada detenção de um poder excessivo e de atropelos aos direitos fundamentais dos cidadãos, tudo se inscrevendo numa lógica mais ampla que inclui a invocação de privilégios de classe. A hipocrisia não parece ausente nalgumas dessas invocações, não o estando igualmente na postura, também discursiva, de responsáveis de algumas estruturas organizativas que se movimentam no amplo território da Justiça ou que sobre ele se debruçam”.

Lucília Gago não deixou de, mais uma vez, referir a necessidade “de afetação de recursos materiais e humanos vitais à prossecução daquelas – mormente no que respeita à investigação criminal – e à não consagração, em plenitude, da sua autonomia financeira, a singela proclamação de autonomia face ao poder executivo peca por insuficiente, insatisfatória e até ilusória”. Dizendo que não basta haver o que chama de “proclamação da autonomia do MP face ao poder executivo”.

Pegando ainda no tema dos Fundos Europeus recebidos por Portugal, critica o que chama de “impensável e imperdoável” desperdício da “oportunidade que ao país é dada de aproveitar Fundos Europeus para que o mundo do judiciário, em particular o Ministério Público, ganhe efetivo e imperdível avanço no domínio das tecnologias e sistemas de informação de que tão carenciado sempre se encontrou e se encontra”, referindo-se, em concreto, à necessidade de mudar e rever “o acervo de equipamentos e ferramentas da área digital ao dispor da Procuradoria-Geral da República e da magistratura do Ministério Público” que” não se mostra compatível com as exigências que os tempos modernos colocam, tendo também por referência objetivos de tratamento ágil, célere e capaz dos processos a seu cargo”. O PRR da Justiça conta com cerca de 76 milhões de euros de investimento qualificado.

E apela para que este diagnóstico feito em mais uma sessão solene de abertura do ano judicial que “ressoará no espaço mediático” não caia em saco roto.” Este não pode constituir apenas mais uma tarde em que os sound bites da Justiça ecoam com particular sonoridade para logo esmorecerem, enquanto os principais problemas, há muito identificados, subsistem ou se agravam, corroendo um dos pilares essenciais da estrutura do Estado”.

Em conclusão, a titular do inquérito sublinha e relembra que “a Justiça não tem vocação auto-reparadora nem dispõe de margem para permanecer enredada numa extensa teia de múltiplos nós que a estrangulam e asfixiam, enquanto se multiplicam diagnósticos, protocolos e grupos de trabalho desenquadrados de uma estratégia global e que substantivamente pouco acrescentam de valioso, avolumando ou repetindo visões parcelares ou labirínticas justificações autofágicas“.

Relativamente à corrupção e criminalidade económico-financeira, a procuradora-geral da República destacou a importância de o MP alcançar “uma intervenção especializada” para “garantir que os agentes do crime são privados de todos os benefícios económicos obtidos, sem contemplações e sem exceções”.

Por último, a procuradora-geral da República não esqueceu a polémica sobre a lei dos metadados, ao aludir aos “sobressaltos de natureza técnico-jurídica que puseram em causa a prova eletrónica em investigações já realizadas e em todas as investigações presentes e futuras”. Nesse sentido, exigiu o esclarecimento da questão, lembrando as “grandes convulsões, geradoras de muitas dúvidas e incertezas que não estão resolvidas”.

“A investigação criminal sofreu o impacto de tais sobressaltos, carecendo a atividade do Ministério Público de que o poder legislativo defina quais são as regras legais que deve observar e quais os procedimentos que pode adotar na investigação, tendo nós a esperança de que 2023 seja o ano da clarificação”, concluiu.

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