36 perguntas que não passam de “letra morta”
Os candidatos a governantes terão de fazer uma cruz no “sim” ou “não” em 36 perguntas sobre a situação profissional e fiscal, a participação em empresas, atividades dos familiares e outras questões.
O novo questionário que os candidatos a governantes vão ter de preencher já foi publicado em Diário da República, no mesmo dia em foi oficializada a exoneração de Carla Alves, secretária de Estado da Agricultura por apenas um dia. Os governantes terão de fazer uma cruz no “sim” ou “não” em 36 perguntas sobre a situação profissional e fiscal, a participação em empresas, atividades dos familiares, conflitos de interesse e envolvimento em processos judiciais. Um caminho que, na análise de dois advogados contactados pelo ECO Advocatus, suscita dúvidas sobre os resultados efetivos e limita o leque de escolhas possíveis.
José Moreira da Silva, sócio da SRS Legal, considera que esta solução “só vai tornar ainda mais difícil a escolha de personalidades da sociedade civil”. Assim, “o Governo vai cada vez mais ficar restrito a funcionários partidários ou da Administração Pública”, afirma ao ECO Advocatus.
O advogado afirma ainda que este mecanismo não é muito diferente do documento que já têm de preencher para o Tribunal Constitucional, “mas após a nomeação”, explica. “Resta ver como este novo processo mais formal se compatibiliza com a urgência na indigitação de pessoas, se tem diferenças entre a indigitação para ministro ou para secretário de Estado e quem será o órgão que procederá à fiscalização do inquérito”. Uma questão que tem “maior acuidade no momento da formação inicial do Governo, quando ainda só há o primeiro-ministro. E se a fiscalização for entregue a um órgão administrativo, pode haver problemas de fugas de informação, especialmente graves se o nome for reprovado, ficando clara a existência de segundas escolhas”.
Concluindo, Moreira da Silva defende que “ainda fica muito para esclarecer sobre o processo” e duvida que não passe “de letra morta, apenas para acalmar a pressão sobre o Governo que existe hoje”.
Esta solução, que o Governo diz ser “um mecanismo adicional de escrutínio que visa robustecer o processo de verificação” das condições das pessoas nomeadas, no texto que antecede a Resolução do Conselho de Ministros, entra em vigor no dia seguinte à publicação, pelo que o próximo secretário de Estado da Agricultura, ainda por anunciar, já deverá ser sujeito ao questionário, tal como Marcelo Rebelo de Sousa antecipou na quinta-feira.
É o caso da questão em que se pergunta ao candidato se “exerceu, nos últimos três anos, funções em entidades públicas ou em que o Estado tenha posição relevante?”, onde, no caso de a resposta ser afirmativa, se deve “indicar (i) qual a função que exerceu e em que entidade; (ii) qual a causa da cessação da função, e se, por força dessa cessação, recebeu qualquer tipo de compensação que, atenta a nomeação para o cargo que é proposta/o, deva devolver, total ou parcialmente)”.
A pergunta, que é feita também para os membros do agregado familiar, surge no seguimento do caso da ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, que terá violado o estatuto do gestor público quando foi para a administração da NAV e não devolveu parte da indemnização de 500 mil euros que recebeu quando deixou a TAP.
Também o advogado Dantas Rodrigues revela algum ceticismo perante esta solução: “Parece-nos que estamos perante um instrumento interno do próprio Governo que responsabiliza o indigitado, mas não é um verdadeiro mecanismo de prevenção. Em primeiro lugar, o candidato responde ao questionário, sob compromisso de honra, nada nos garantindo que está a responder de forma séria e verdadeira. Mais, caso, posteriormente, após nomeação, se venha a descobrir que existiu alguma situação de omissão ou falsidade, qual é consequência?”, interroga.
“Para ser eficaz na prevenção, deve-se estabelecer políticas e procedimentos claros, instruindo inequivocamente quais os requisitos de integridade e transparência exigidos para ser-se um futuro governante. Falta uma grelha de requisitos que abranjam o candidato e os seus familiares próximos. Será aceitável que um escolhido para governante venda a sua posição social na empresa, que negoceia com o Estado, uma semana antes de assumir funções públicas? Será aceitável, levar consigo para empregos tutelados pela governação os seus familiares? Onde está o Código de Conduta para os governantes lembrarem-se como devem agir e o que devem fazer, para estarem em sintonia com os mecanismos de integridade e transparência?”.
Neste contexto, Dantas Rodrigues sinaliza o que considera ser a questão central: “Este é um verdadeiro mecanismo de transparência e prevenção ou, então, estaremos perante uma manobra de distração para retirar o foco dos últimos escândalos e, por outro lado, desresponsabilizar o Governo em situações futuras?“, acrescenta.
As respostas ao questionário serão cobertas pela classificação “Nacional Secreto”, sendo que o documento será destruído “caso a personalidade que o preencheu não seja nomeada membro do Governo ou no momento em que cesse funções”.
O Governo assegura também que este mecanismo “não substitui nem antecipa o cumprimento das obrigações declarativas previstas na lei, as quais visam assegurar a declaração, em regra pública, do património, rendimentos, interesses e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que fica sujeita ao escrutínio das entidades legalmente competentes”.
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