Aumento das portagens e divisão do mal pelas aldeias

  • Elsa Pizarro Pardal
  • 16 Janeiro 2023

O que talvez ainda não seja conhecido é o valor total da factura a pagar com os impostos de cada um de nós, o “contribuinte-pagador” que está sempre na 1.ª linha de fogo dos estilhaços das decisões.

Em Novembro passado, o Primeiro-Ministro de Portugal, afirmou – com a convicção que lhe é apanágio – que “nada justificaria” o aumento de 10% das portagens em 2023.

Tão veementes declarações foram proferidas poucos dias depois do fim do prazo concedido às concessionárias de auto-estradas para notificarem o Estado da proposta de actualização das portagens que, como é do domínio público, se realiza anualmente e com referência ao IPC, sem habitação, tal como determinado pelos contratos celebrados.

No discurso que proferiu, o PM argumentou que, dado que a elevada taxa de inflação registada em 2022 não se reflecte no custo final da actividade das concessionárias, uma actualização de tarifas na ordem dos 10% corresponderia a um “aproveitamento” de tão invulgar conjuntura económica por parte dos operadores do sector rodoviário.

Foi preciso mais de um mês para se conhecerem os detalhes das medidas que o Governo se propôs adoptar para impedir tão “injustificado” comportamento. No dia 22 de Dezembro, através de um lacónico comunicado, o Governo informou ter decretado um aumento de 4,9% na portagens para 2023 e aprovado um mecanismo de repartição de responsabilidades.

A inquietação provocada pela notícia foi grande: que teria o Governo na manga para reduzir em mais de metade o aumento que os utilizadores das vias iriam suportar e que as concessionárias contavam receber, por simples aplicação do princípio “pacta sunt servanda”, desta feita limitado por razões de interesse público? Perante a anunciada repartição de responsabilidades, como ficaria dividido o mal pelas aldeias?

A resposta chegou ao cair do pano: o plano do Governo prevê a atribuição de um apoio à utilização de infra-estruturas concessionadas, que em 2023 consiste no pagamento, às concessionárias, da diferença entre o valor das portagens que lhes é permitido cobrar aos utilizadores e o que cobrariam se a actualização fosse de 7,7%. Feitas as contas, à primeira vista, o diferencial de 2,8% corresponde ao encargo directamente suportado pelo Orçamento do Estado, ficando o remanescente a “cargo” das concessionárias.

Porém, o mecanismo de comparticipação do Estado vertido no Decreto-Lei n.º 87-A/2022, de 29/12, está longe de ser tão claro e linear como os nossos governantes o apresentaram.

Por um lado, resulta do diploma que o mecanismo está pensado para vigorar para além de 2023. E se do mesmo decorre com mediana clareza a forma de cálculo do apoio para o ano em curso, para os anos subsequentes dele dimanam mais dúvidas do que certezas.

Para além disso, apesar das intenções – certamente meritórias – subjacentes ao limite decretado ao aumento de portagens, feita uma análise mais fina da medida não se podem deixar de identificar outros impactos para o erário público.

A divisão do mal pelas aldeias, para ser inquestionável e inócua, pressupõe que os “aldeões” afectados se conformem com sacrifício acrescido que lhes é pedido. Mas, se este lhes for antes imposto “por decreto”, coisa que o Estado tem a legitimidade de fazer, não é de estranhar que existam válvulas de segurança no sistema jurídico para proteger os “aldeões” dos impactos negativos da divisão. É que Portugal é um Estado de direito.

Ao contrário do que se poderia pensar, essas válvulas de segurança são mecanismos simples vertidos em todos os contratos desta natureza, cuja existência o Governo não pode deixar de (re)conhecer. O que talvez ainda não seja conhecido é o valor total da factura a pagar com os impostos de cada um de nós, o “contribuinte-pagador” que está sempre na primeira linha de fogo dos estilhaços das decisões políticas, por mais bem intencionadas que elas sejam.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Elsa Pizarro Pardal
  • Consultora sénior da PLMJ

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