Uma nova vida para o Direito de Autor ou uma oportunidade perdida?
A transposição da Diretiva CDSM poderia ter sido uma oportunidade para ponderar uma revisão mais profunda do sistema de Direito de Autor.
Está para breve a transposição da Diretiva 2019/790, de 17 de abril — Diretiva CDSM (Copyright in the Digital Single Market). Depois da discussão em 2021, o Governo apresentou à Assembleia da República, em novembro passado, a Proposta de Lei n.º 52/XV, que visa obter uma autorização legislativa em matéria de direito de autor e direitos conexos.
O prazo limite de transposição era 7 de junho de 2021 e Portugal será um dos últimos países a realizar este exercício. A importância da Diretiva CDSM para a dinamização do setor cultural e intelectual nacional poderia e deveria ter justificado uma atenção especial.
A Diretiva CDSM vem reforçar a proteção das obras e dos titulares de direitos no mundo digital e procura equilibrar este objetivo com a liberdade de expressão e o desenvolvimento tecnológico. Pese embora a controvérsia em que esteve envolvida, é seguro que tem um lugar de destaque no acquis comunitário.
Numa boa medida de transparência legislativa, o Decreto-Lei autorizado consta já do anexo à referida Proposta de Lei, pelo que é possível avaliar desde já algumas das opções legislativas.
Em termos estruturais, o futuro Decreto-Lei envolve uma alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), à Lei n.º 122/2000, de 4 de julho (bases de dados) e à Lei n.º 26/2015, de 14 de abril (entidades de gestão coletiva). Em termos de conteúdo, este diploma segue de perto o texto da Diretiva CDSM. Neste sentido, as novidades são as já conhecidas e discutidas.
Assim, os artigos 75.º e 76.º do CDADC passam a prever novas utilizações livres relativas à prospeção de textos e dados, à utilização de obras em atividades pedagógicas e à reprodução de obras em atividades culturais. Introduz-se, ainda, uma utilização livre relativa à utilização de obras para efeitos de caricatura ou paródia, alinhando o regime português com outros sistemas jurídicos.
É consagrado um novo direito conexo dos editores no artigo 176.º do CDADC e os novos artigos 188.º-A e 188.º-B conferem a estes a prerrogativa de autorizar a utilização das suas publicações de imprensa em linha.
Como esperado, o artigo 17.º da Diretiva CDSM mereceu uma atenção especial. O novo regime de partilha de conteúdos em linha passa a constar da nova Secção XI do CDADC (artigos 175.º-A a 175.º-I). Prevê-se que os prestadores destes serviços possam ser responsabilizados pelos conteúdos carregados pelos seus utilizadores, salvo se obtiverem autorização dos titulares de direito ou fizerem prova da sua diligência, o que conduz a uma discussão interminável sobre a utilização de filtros automáticos.
Uma nota final para salientar que a transposição da Diretiva CDSM poderia ter sido uma oportunidade para ponderar uma revisão mais profunda do sistema de Direito de Autor.
Por um lado, o CDADC beneficiaria da correção de incoerências internas, de uma nova sistemática e de uma atualização das suas soluções à luz das decisões do TJUE. De resto, importaria ponderar uma nova codificação destes temas, que estão espartilhados por diversos diplomas sem uma lógica atendível. Por outro lado, poder-se-ia ter refletido as últimas discussões em torno do artigo 17.º da Diretiva CDSM, em especial as que dizem respeito à jurisprudência do TJUE e à interação com as regras de moderação de conteúdos constantes do chamado Digital Services Act, que já está em vigor.
Assim, embora a transposição sirva para revitalizar a matéria, ainda existe um longo caminho para concluir a mudança que o Direito de Autor precisa e merece.
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