Greve dos funcionários judiciais. DGAJ manda serviços marcarem falta a quem trabalha nos tribunais

Sindicato dos Funcionários Judiciais já entregouuma intimidação no tribunal administrativo para suspender a marcação de faltas a funcionários que estão em greve mas só por meio dia.

A Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) — cuja tutela pertence ao Ministério da Justiça — enviou um mail, a que o ECO teve acesso, a todos os tribunais para que sejam marcadas faltas a funcionários judiciais em serviço, e que estão em greve apenas em determinadas diligências. Mail esse enviado no dia 16 de fevereiro e em que constam mapas de códigos a atribuir no sistema, no que toca a faltas dos vários funcionários judiciais.

Perante este contexto, o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), António Marçal, garantiu ao ECO que já entregou uma ação no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de forma a que este possa suspender esta marcação de faltas.

O ECO tentou, sem sucesso, obter uma explicação por parte do gabinete de Catarina Sarmento e Castro.

“Andamos a receber queixas de inúmeros colegas que estão nesta situação de marcação ilegal de faltas. Imagine: uma pessoa emite um despacho de manhã (ato que não está no pré-aviso de greve) de manhã e às 12.00 falta a uma audiência de julgamento (que já está previsto como ato no pré aviso de greve) e é marcada falta em relação ao dia inteiro”, explicou Marçal.

António Marçal, disse que o sindicato ainda não contabilizou “o número exato” de funcionários “alvo de uma marcação ilegal de falta” com base numa ordem – da qual o SFJ tem conhecimento apenas através de um e-mail enviado aos serviços, ainda que já tenha solicitado oficialmente acesso ao despacho – que, defende o sindicato, representa “uma incitação a uma atitude criminosa”.

O SFJ deliberou apresentar “aviso prévio de greve aos atos, designadamente greve às audiências de julgamento/diligências de arguidos não privados da liberdade, greve aos atos contabilísticos e greve aos registos estatísticos no “Citius”.

“Na prática, ela consubstancia-se na falsificação de um documento autêntico. Isto é, os trabalhadores estão no local de trabalho, estão a trabalhar, estão a desempenhar funções, mas quando se declaram em greve aos atos de natureza contabilística, a senhora juiz de direito que está neste momento a desempenhar funções de subdiretora [Ana Cáceres] deu ordem para que seja cometida uma ilegalidade e seja registada falta”, explicou António Marçal.

António Marçal, presidente do sindicato dos funcionários judiciais, em entrevista ao ECO/Advocatus - 21DEZ21
António Marçal, presidente do sindicato dos funcionários judiciaisHugo Amaral/ECO

O SFJ já pediu à Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) a correção da situação e já alertou o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Alves Costa, a quem pediu “uma intervenção”, por ser “em última instância, o responsável por esta situação de ilegalidade e de incitação que está a ser feita ao cometimento de atividades criminosas dentro dos tribunais”, tendo recebido como resposta por parte da tutela que o assunto está a ser analisado.

“Esta manobra de intimidação não vai surtir efeito, pelo contrário, os trabalhadores estão cada vez mais revoltados com esta situação, estão a aderir à greve. Nós temos uma margem de crescimento. Hoje, a ideia que temos é que terá rondado na maior parte dos locais os 98% de adesão”, afirmou o presidente do SFJ, que no primeiro dia de greve apontou uma adesão na ordem dos 70%”, disse ainda António Marçal.

António Marçal disse que as “medidas de intimidação, de coação, de ilegalidade e de incitação à prática de atividades criminosas” estão a ter o respaldo da diretora-geral da Administração da Justiça, a juíza desembargadora Isabel Namora, e da subdiretora-geral Ana Cáceres, e acrescentou que se existem dúvidas sobre a legalidade da greve, devem ser esclarecidas pelos tribunais, não podendo “uma entidade administrativa substituir-se” a estes nesse papel.

Sobre o balanço da greve, o presidente do SFJ disse que na segunda-feira o sindicato estimou uma adesão global de 98%, com alguns serviços a aderirem a 100%, e diz que mais de 500 diligências foram adiadas só nesse dia, sendo essa contabilização na ordem dos “largos milhares” desde o início da greve.

Seriam necessários dois meses para recuperar todas as diligências já adiadas, segundo estimativas do SFJ, que mantém a abertura para negociar com o Governo, mas que admite suspender a greve apenas se a tutela se comprometer com a adoção imediata de um conjunto de medidas apresentadas pelo sindicato como prioritárias, que garanta, desde logo, “a pacificação” do sistema judiciário necessária para assegurar a negociação do Estatuto dos Funcionários Judiciais, com início agendado para Março, “num clima de paz social”.

O SFJ convocou uma greve entre as 00h de dia 15 de fevereiro e as 24h de 15 de março, para o qual foram definidos serviços mínimos.

Entre as principais reivindicações destacam-se o preenchimento dos lugares vagos na carreira dos oficiais de justiça, a abertura de procedimentos para o acesso a todas as categorias da carreira, a integração do suplemento de recuperação processual no vencimento, a inclusão num regime especial de aposentação e de acesso ao regime de pré-aposentação e a revisão do estatuto profissional.

Queixa ao Ministério Público por ‘coação’

No dia 14 de fevereiro, o SFJ já tinha entregue uma queixa ao Ministério Público, pelo crime de coação por parte da diretora-geral da Administração da Justiça. “Assinei um pedido, em nome do Sindicato dos Funcionários Judiciais, para que o senhor Procurador-Geral Adjunto averigue se este comportamento, por parte da senhora diretora geral, constitui um crime de coação sobre trabalhadores porque é nossa convicção que sim”, disse António Marçal, presidente do SFJ.

Em causa está um ofício da DGAJ, enviado por mail a todos os tribunais do país a 10 de fevereiro, na qual este organismo na dependência do Ministério da Justiça (MJ) alega que a greve “encerra uma configuração ilícita, nos termos em que é constitucionalmente o direito à greve”, o que suscitou junto dos serviços “fundadas dúvidas” e motivou um pedido ao gabinete do secretário de Estado Adjunto e da Justiça, “com nota de urgência, que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República tome posição sobre a licitude da greve decretada pelo SFJ”, assim como “as consequências para os trabalhadores que venham a invocar a respetiva adesão”.

Mas, apesar desta ser a posição oficial da DGAJ, ainda não é certo que esse pedido seja efetivamente feito, já que “o gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça está ainda a analisar a pertinência do pedido feito pela DGAJ”, conforme adiantou fonte do gabinete da ministra da Justiça ao ECO, na semana passada.

Os oficiais de justiça são os funcionários pertencentes aos quadros de pessoal de secretarias de tribunais ou de serviços do Ministério Público. E têm por função a investigação e o apoio à tramitação dos processos. Nos anos de 2019, 2020 e 2021, os quadros dos Oficiais de justiça estão deficitários, perdendo-se um total de 264 profissionais.

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