Indústria de moldes aposta na consolidação para equilibrar relação com grandes clientes. Nuno Silva pede ao Governo “instrumentos de recapitalização eficientes” e crédito para financiar encomendas.
Nos últimos cinco anos houve um “pequeno movimento de concentração” na indústria dos moldes, aproveitando uma altura em que várias empresas estão em transição geracional, mas Nuno Silva sublinha que essa consolidação tem ainda de ser acelerada para o setor conseguir equilibrar os argumentos negociais com os grandes clientes, sobretudo no ramo automóvel que assegura 80% das encomendas.
Em entrevista ao ECO, o vice-presidente da Associação Nacional da Indústria de Moldes (CEFAMOL), que na próxima semana vai realizar um congresso em Oliveira de Azeméis, reclama “instrumentos de recapitalização eficientes, que é algo que neste momento não está a acontecer”, assim como a abertura de linhas com garantia do Estado para financiar a tesouraria, numa fase de crescimento do negócio, após quatro anos em queda, e em que os clientes estão a alargar os prazos de pagamento.
A indústria portuguesa dos moldes tem perto de 500 empresas e está concentrada nas regiões da Marinha Grande e de Oliveira de Azeméis. Qual é o retrato em termos de dimensão das empresas?
Temos dois grupos grandes em Portugal, que se distinguem claramente em termos de dimensão e pela antiguidade: a Simoldes e a Iberomoldes. Depois temos um conjunto de grupos mais pequenos, mas a grande maioria são pequenas empresas, entre os 20 e os 60 colaboradores. Aí é que está o grosso do efetivo.
Tem havido algum movimento de consolidação no setor?
O setor nasceu nos anos 50 e 60 e está agora numa fase em que tem várias empresas que já fizeram ou que estão a fazer a transição geracional, dos fundadores. Acabou por acontecer que algumas empresas, não tendo sucessão ou os sócios não se entendendo, acabaram por mudar [de mãos] e ser transacionadas. Nos últimos cinco anos houve um pequeno movimento de concentração, mas continuam a existir muitas e muitas empresas de cariz essencialmente familiar.
Isso impossibilita o desenvolvimento de massa crítica nesta indústria?
Diria que é uma desvantagem para o setor. Considerando que trabalhamos maioritariamente para a indústria automóvel, estamos a falar de empresas que não são micro na conceção portuguesa, mas são muito pequenas empresas a trabalhar com gigantes. Temos um nível de poder baixíssimo sobre o nosso cliente. Esse é, aliás, um dos temas do nosso congresso.
Como é que se pode estimular essa concentração empresarial?
Temos vindo a fazê-lo através de algumas ações de dinamização de processos de cooperação, que depois pontualmente têm dado lugar a processos de aquisição ou fusão. Mas ainda de forma muito ténue. Temos vindo a incentivar e a passar um pouco esta mensagem para os nossos associados, para olharem para esta questão da dimensão e da escala como fatores críticos para o sucesso da nossa indústria.
No setor que é o nosso principal cliente [automóvel], mas também noutros, como o packaging [embalagem], os dispositivos médicos ou o alimentar, os clientes têm normalmente uma grande dimensão, comparativamente com as nossas empresas. E das duas, uma: ou as empresas se juntam, se fundem ou se compram; ou, pelo menos, criam processos de cooperação para conseguirem responder [às exigências desses grandes clientes].
Em que tipo de cooperação entre as empresas é que mais estão a insistir?
Até agora, e fruto da tipologia e da evolução do mercado, era possível que cada empresa desenvolvesse individualmente as suas técnicas, os seus modelos de funcionamento. Só que isso exige um investimento enorme. Então, é muito mais interessante agruparmos as empresas para podermos sistematizar processos e aplicar o mesmo investimento em várias empresas. Investimento de tempo, de recursos, de sistemas. Isto é um processo que tem de ser natural.
Está a falar de máquinas industriais, de investigação e desenvolvimento (I&D)?
Estamos a falar de tudo, incluindo de conhecimento de tecnologia. Por exemplo, hoje já existem algumas empresas do setor que operam tecnologia aditiva, que está muito na berra. E é muito mais interessante que, havendo alguém que se especializa nessa tecnologia – que não vai substituir a outra, é adicional no nosso processo –, outras empresas possam trabalhar com ela, desde que seja em colaboração, e comprar esse trabalho feito por outros, em vez de estarem também a desenvolvê-lo.
Mas o normal neste setor é cada um fazer o seu investimento nas tecnologias, nas pessoas, no conhecimento. É um esforço gigantesco. Esta é a prática habitual e estamos a tentar mudar isso.
Temos tido problemas nos projetos de capitalização, nomeadamente nas linhas que vêm do Banco de Fomento. Estão a custar a arrancar e os projetos exigem determinadas condições que não são fáceis de conseguir.
Nos últimos anos têm sido apresentados alguns instrumentos públicos para estimular esse movimento de consolidação de projetos empresariais, inclusive através do Banco Português de Fomento (BPF).
Exatamente. Já tivemos vários instrumentos e nos últimos tempos temos tido alguns dedicados à consolidação, à fusão entre empresas. E para a recapitalização, que é outro tema importante, quando estamos a falar de empresas de cariz familiar que normalmente tendem a não capitalizar muito a empresa.
E a resistir a abrir o capital a investidores externos?
Sim. E a [resistir a] gerir a empresa de forma que ela possa estar em condições de ser vendida. Não quer dizer que seja vendida, mas tem de ter uma estrutura económica sólida e uma gestão profissional. As empresas familiares em Portugal estão normalmente num patamar em que a gestão é feita pelos donos, pelos sócios, pelos acionistas, e depois a empresa é mais vista na função financeira do que económica. Normalmente, a robustez económica é menos importante.
Como avalia a performance do Banco de Fomento nessa vertente dos programas de capitalização?
Temos tido problemas nos projetos de capitalização, nomeadamente nas linhas que vêm do Banco de Fomento, em que não tem sido fácil a aplicação e que têm sido difíceis de trabalhar pelo setor. Estamos neste momento a trabalhar com eles, houve até uma reunião recente, exatamente sobre a aplicação das linhas de capitalização, que são mesmo muito importantes para nós.
Estão a custar a arrancar e os projetos exigem determinadas condições que não são fáceis de conseguir. Que tipo de condições? Numa das linhas, por exemplo, é preciso ter um investidor externo para entrar com até um terço do capital. Estamos a falar em incluir mais um operador na organização e não é assim tão fácil de integrar.
É esse o principal pedido que têm a fazer ao Ministério da Economia?
Precisávamos, acima de tudo, de instrumentos de recapitalização que fossem eficientes, que é uma coisa que neste momento não está a acontecer. E temos um problema de fundo de maneio. Estamos numa fase de crescimento e os nossos clientes impõe-nos regras de pagamento a prazos muito dilatados. E para nós era importantíssimo termos formas de financiar os projetos.
Já lançamos esse repto quer ao Banco de Fomento, quer ao ministro da Economia [António Costa Silva], para que – se não diretamente, indiretamente, através de garantias de Estado – os bancos nos financiassem as encomendas, que não têm risco. Estamos a falar de processos com risco baixíssimo porque são encomendas de clientes que são fornecedores de primeira linha da indústria automóvel. Para nós era fundamental conseguirmos financiar o fundo de maneio.
Esses prazos de pagamento sempre foram assim dilatados ou têm vindo a aumentar?
Mantêm-se ou são piores. Porque eles [construtores automóveis] têm mais capacidade de negociação e nós estamos mais necessitados das encomendas. Portanto, temos de aceitar as condições que nos impõem.
Financiamento bancário? O problema neste momento é o custo. E como as nossas empresas estão relativamente descapitalizadas e têm níveis de endividamento significativos, os bancos também não estão muito disponíveis para isso.
Há muitos investimentos em curso no setor dos moldes, seja a nível coletivo ou individual?
Há muitos milhões de euros de investimento para aumento de capacidade e para tecnologia. Muitas empresas de moldes estão envolvidas em diversas Agendas Mobilizadoras [para a Inovação Empresarial] no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que é uma oportunidade importante para nos posicionamos nas cadeias de fornecimento. Estamos a investir em tecnologia, em alguma capacidade [acrescentada de produção] e também na capacitação das pessoas também.
Qual é atualmente o panorama para as empresas no que toca ao financiamento bancário?
O problema neste momento é o custo. E como as nossas empresas estão relativamente descapitalizadas e têm níveis de endividamento significativos, os bancos também não estão muito disponíveis para isso.
Tal como outras indústrias, também nos moldes tiveram de lidar com a subida dos custos das matérias-primas, sobretudo do aço. Qual é agora a dimensão desse problema?
Também fomos muito penalizados por isso. Logicamente que não tem sido fácil. Agora, a vantagem do setor é que, como trabalha à medida, normalmente tem conseguido ir repassando os custos para os clientes. Nesta altura os custos das matérias-primas estão um pouco mais controlados. Vão descendo e subindo ligeiramente, mas não tem havido oscilações significativas nos últimos tempos. O aço é a matéria-prima principal, representa cerca de 30% a 40% dos nossos custos.
E qual é o peso da energia na estrutura de custos do setor?
Na indústria dos moldes tem algum peso, mas não é determinante. É mais significativa a fatura energética na indústria dos plásticos, que está logo a seguir a nós [na cadeia produtiva], e muitas vezes sofremos por causa disso.
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“Temos um nível de poder baixíssimo sobre os clientes da indústria automóvel”
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