Da redução do IVA ao acordo com a distribuição, como o Governo quer travar os preços da alimentação?

Primeiro-ministro reconheceu que a subida dos preços dos alimentos é uma “realidade muito grave” e abriu a porta a “um acordo com a distribuição” e com a produção, bem como a redução da fiscalidade.

O primeiro-ministro quer travar a escalada dos preços dos alimentos e, por isso, abriu a porta a um controlo dos preços através de “um acordo com a distribuição” e com a produção, assim como a uma redução da tributação. Mas, afinal, o que está em cima da mesa e o que fizeram outros países?

“O Conselho de Ministros da próxima quinta-feira terá condições para fazer um programa, que será confirmado sexta-feira, e terá apoios sociais, intervenção na área dos preços e a dimensão de valorização salarial”, revelou António Costa, durante o debate de política geral na Assembleia da República.

Numa altura em que a inflação abrandou para 8,2% em fevereiro, mas que a inflação produtos alimentares não transformados voltou a aumentar pelo terceiro mês consecutivo, fixando-se em 20,09%, o primeiro-ministro fez saber que os novos apoios serão decididos em função dos resultados da execução orçamental do ano passado, mas assumiu como “compromisso” “que toda a receita extraordinária que decorreu da inflação” seja ” redistribuída aos portugueses”.

No que toca especificamente ao setor alimentar, em resposta ao PCP, António Costa reconheceu que a subida dos preços é uma “realidade muito grave” e que o seu valor está “acima daquilo que é a média da inflação a nível nacional e mesmo acima do que acontece noutros países europeus”.

Nesse sentido, o primeiro-ministro abriu a porta a um “controlo de preços” através de “um acordo com a distribuição” e a um “acordo com a produção”. Neste âmbito, António Costa sinalizou que o Executivo vai “trabalhar com o setor para agir sobre preços em diversas dimensões”: por um lado, através de “ajudas de Estado à produção”, por forma a “diminuir os custos de produção” e, por outro, através da “redução da fiscalidade”.

E se anteriormente o primeiro-ministro dizia não estar convencido da “eficácia” da redução do IVA dos bens alimentares, agora admite que poderá fazer parte da solução. Para o governante, a redução do IVA tem uma “enorme vantagem para as famílias relativamente à redução do IRS: tem efeito imediato e não diferido”. Contudo, “só faz sentido haver redução do IVA se tiver correspondência na redução do preço”, afirmou Costa esta quinta-feira. Segundo o Observador, em cima da mesa estará a descida temporária num cabaz de produtos e para 0%. Além disso, o primeiro-ministro anunciou que vai avançar com apoios diretos às famílias vulneráveis.

Em declarações ao ECO, José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, vê com bons olhos que haja um acordo com a distribuição, dado que considera que há um “óbvio descontrolo” dos preços dos bens alimentares e uma “grande arrogância da parte daqueles que têm posições dominantes no mercado”, aludindo às declarações da CEO da Sonae que disse que “tentar fixar preços é querer prateleiras vazias”.

Nesse sentido, o economista defende que haja uma intervenção administrativa, admitindo que esta pode ser feita através do “congelamento, tabelamento”, ou até da redução de preços de alguns produtos alimentares. “A intervenção pode ser feita de diferentes maneiras”, diz, admitindo que “em alguns casos” pode ter que se “intervir na diminuição dos preços”, caso “se considere que estão puxados para cima”.

O professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra pede ainda que haja “uma fiscalização muito forte” e diz-se favorável à redução do IVA dos bens alimentares. “A descida dos preços para a taxa mínima tem justificação económica e de justiça social, que tem que ver com o facto de para as famílias, de menores rendimentos, o peso dos bens alimentares é muito maior do que para as de maiores rendimentos”, justifica.

Opinião diferente tem Pedro Brinca, professor associado da Nova SBE, que, apesar de admitir que “pode haver circunstâncias especiais” alerta que “a política de controlo de preços não tem bons resultados”, tal como já tinha sido sinalizado pelo ministro da Economia e do Mar. “O Governo ao ter uma política de preços máximos aquilo que pode estar a fazer é tornar menos apelativo à produção a produção desses bens, o que poderá fazer com que eles comecem a faltar nas prateleiras“.

Se, paralelamente a uma eventual fixação de preços, forem dadas ajudas à produção, Pedro Brinca considera que já não estará em causa a escassez de produtos, mas “põe-se um problema que tem que ver com as lógicas da eficiência económica”. “Se de facto a produção de determinados produtos está mais cara, o facto de o preço subir é um sinal que se dá ao mercado para que ele tenha alguma contenção na sua compra e, na medida do possível, o tente substituir”, assinala. “Claro que quando estamos a falar de bens essenciais esta substituição é mais difícil, mas pode sempre haver”, remata, ao ECO.

Por outro lado, sobre a redução do IVA em certos produtos alimentares, o economista lembra que os principais produtos já pagam IVA reduzido (6%) e que em Espanha, “os preços subiram na mesma”. “Poderá ajudar, mas não resolve problema das pessoas”, sinaliza. “Aquilo que nos diz a ciência económica é que quem vai ganhar mais com isso será a entidade que tem mais poder de mercado, que será muito provavelmente a distribuição”, avisa. “Obviamente que os produtos até podem ficar marginalmente mais baratos ou não subir tanto perante as pessoas, mas a perda de receita fiscal não compensa”, afirma. “Parece-me sempre melhor um apoio direto ao rendimento das famílias”, conclui.

No plano de Costa para enfrentar a alta de preços, enunciado no último debate parlamentar, também fazem parte “apoios diretos às famílias vulneráveis para fazerem face ao aumento do custo de vida” e, num outro segmento, a “atualização extraordinária dos salários dos trabalhadores do Estado, porque a inflação em 2022 foi mais alta do que o esperado – 7,8%, contra os 7,4% previstos pelo Governo”.

E lá fora?

Algumas destas medidas já foram tomadas por outros governos europeus. Em Espanha, o governo espanhol anunciou em dezembro do ano passado um reforço de 10.000 milhões de euros ao pacote de medidas para mitigar o impacto da inflação, elevando o total para 45 mil milhões de euros. Entre as medidas aprovadas a redução para 0%, durante seis meses, do IVA sobre produtos alimentares de primeira necessidade. Em fevereiro, a taxa de inflação em Espanha acelerou para 6%, face ao período homólogo, à boleia, sobretudo, do aumento histórico dos preços dos alimentos de 16,6%.

Já em França, no início deste mês o governo chegou a acordo com algumas das maiores cadeias de supermercado do país, tendo em vista o congelamentos de preços de alguns bens alimentares. A medida vai durar durante três meses, sendo que a escolha dos produtos é feita pelas próprias cadeias de distribuição. Em fevereiro, a taxa de inflação em França acelerou para 6,2%, face ao período homólogo, sendo que a inflação dos bens alimentares foi de 14,5%.

Certo é que a subida dos preços dos alimentos tem marcado a atualidade nacional dos últimos dias, apesar de o setor do retalho garantir que não há especulação dos preços. Na semana passada, a ministra da Agricultura anunciou que vai ser criado um selo que ateste que os produtos alimentares cheguem aos consumidores com um preço justo, refletido em todas as etapas da cadeia nacional.

Esta quinta-feira, o Governo reuniu-se com os representantes dos setores da produção, transformação e distribuição de bens alimentares para analisar a conjuntura inflacionista.

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