Fundada em 2010, a Beta-i acompanhou - e transformou-se também - o ritmo do crescimento do ecossistema. Foi uma espécie de 'braço direito'.
Etapa 6: A sétima paragem desta Volta a Portugal em incubadoras traz-nos de volta ao início. E este regresso à origem é uma verdadeira viagem ao arranque do ecossistema empreendedor em Portugal. Pelo menos, tal como hoje o conhecemos: agendas cheias, eventos como cogumelos e fazedores aos molhos. Ora vejam a Beta-i.
O esquema está afixado na parede da receção. Sete pisos, um espaço de cowork com 40 lugares, 20 empresas em escritórios à medida delas, espaço de aceleração, dois auditórios, seis salas de reuniões e um terraço. Bem-vindos ao hub da Beta-i onde a história da aceleradora se confunde com a do ecossistema. Confuso? Já lá vamos.
Comecemos pelo princípio: fundada em 2010 por Pedro Rocha Vieira (CEO), Ricardo Marvão, Manuel Tânger e Tiago Pinto, entre outros — a equipa agora conta com 40 pessoas –, a Beta-i nasceu numa lógica startup para startups. A ideia era que, através de uma estrutura independente e autónoma, se acelerasse o processo de construção de um ecossistema empreendedor a dar os primeiros passos. “Acreditamos que é muito importante materializar aquilo que fazemos num espaço e numa comunidade viva. E, por isso, temos um edifício, um hub que acreditamos que, cada vez mais, vai ser o futuro de trabalho este tipo de ambientes. Acreditamos que é importante materializar a nossa cultura e lógica de trabalho num espaço. Toda a comunidade gravita aqui”, apresenta Pedro Rocha Vieira, co-fundador e CEO da organização.
Mas se a génese foi uma organização sem fins lucrativos, muito virada para construir awareness — mudar a perceção e fazer com que o país falasse e respirasse empreendedorismo — o caminho fez-se… a caminhar. E é difícil imaginar um empreendedor que nunca tenha ouvido falar num dos muitos braços da Beta-i.
“Vejo-a como uma cadeia de valor: mudança de ecossistema e de relação do país com o ecossistema. Queremos contribuir para encontrar startups com grande potencial de crescimento, que possam ter exits para fora. E, por outro lado, criar pilotos de sucesso, incorporação de inovação. projetos escaláveis: startups ou pilotos noutras empresas”, explica Rocha Vieira, em entrevista ao ECO.
O modelo passa muito por ser um ‘facilitador de matches’. O CEO explica: primeiro foram os eventos, depois o foco investimento. “Hoje sentimos que temos de ser bons a criar programas que contribuam para descobrir startups com alto potencial de investimento. Com isso, criamos uma massa crítica que faz com que o ecossistema vá avançando. Estamos a tentar acompanhar a evolução do ecossistema um nadinha atrás do que ele está. Centrados no que é early stage, pre seed e seed stages. Mas sentimos que o nosso modelo é mais rico se contribuirmos para conhecimento, pelo espaço. O nosso modelo assenta em competências chave de processos: gerir contactos, comunidade, saber integrar conhecimentos e pessoas-chave. E fazer matching dos dois lados usando metodologias-chave de inovação. Podemos aplicar isso a quase todas as áreas de negócio”, detalha.
Disse negócio?
O modelo funciona assim: em termos práticos, a Beta-i assegura a manutenção e limpeza do espaço e também o serviço de internet do hub. Mas esta é, explica Rodrigo Zwetsch, hub manager da aceleradora, apenas uma das dimensões, uma vez que o espaço é alugado a empresas por dias ou até meses. “Fomos alugando estes espaços para as grandes empresas que querem estar perto desses espaços cool, de inovação. Nestlé e Deloitte são alguns dos casos. Mas o intuito da Beta-i não é lucrar com essa parte do serviço: esta é a forma de mantermos o ecossistema unido, multiplicando a massa para além do que é a Beta-i”, diz.
Está a tornar-se atrativo para grandes empresas saírem dos espaços corporativos e estarem aqui connosco. E estar perto de inovação. Somos muito procurados por isso.
Por isso, analisando o modelo de negócio da aceleradora, é preciso sistematizar. “Somos uma data de coisas”, simplifica Pedro Rocha Vieira. “Há várias formas de ver as coisas mas vejo a Beta-i como uma organização que cria soluções de empreendedorismo para crescimento rápido. A explicação é simples: somos uma organização focada em ajudar empreendedores e grades empresas a acelerar os seus processos de crescimento baseados em inovação. E temos um modelo para fazer isso, que assenta nos programas de aceleração”, detalha.
Por isso, a Beta-i pode agora dividir-se em três grandes ramos de atuação:
- Acelerar startups que têm como estratégia de crescimento a necessidade de investimento e que, por isso, têm de encontrar uma go to market strategy. O Lisbon Challenge é um bom exemplo disso porque, independentemente de ter uma integração no corporate, o desafio é focado em boas startups que possam atingir o product market fit durante o programa e, por isso, muito focado nas estratégias de produto e para levantar capital. “Isso é o nosso eixo e, por isso, este ano pela primeira vez, o Lisbon Challenge vai ser um acelerador de base equity”, adianta Rocha Vieira.
- Promover inovação aberta. “Começámos a sentir que o que estávamos a fazer — sobretudo a nível europeu, em que o B2B e o B2B2C são modelos mais normais e mais fáceis de implementar para as startups do que os B2C –, levava a que muitos dos nossos parceiros corporate começassem a ver bastante valor na relação com as startups”. Esta perceção coincidiu com todas as questões relacionadas com a transformação digital e a indústria 4.0. “A inovação aberta começou a acelerar e os CEO das grandes empresas começaram a perceber que tinham de acelerar os processos de inovação e encontrar novas formas de abrir-se ao mundo”. Daí ao lançamento dos primeiros programas corporate, há dois anos, foi um instante. “Na génese destes processos está a criação de matching entre o roadmap e aquilo que são os desafios de inovação das grandes empresas. E na maneira como a inovação das startups pode integrar e integrar-se na oferta da grande empresa”, detalha. Exemplo deste são o Protechting, com a Fosun e a Fidelidade. “Fazer inovação é difícil, inovação aberta ainda mais difícil, e achamos que temos aqui um papel essencial para ocupar”, explica.
- Assegurar o processo de inovação interna. Complementares em termos de valor, os programas têm integração direta na cadeia de valor, no core business de cada parceiro. “Em certos setores, são modelos em que as soluções, os modelos, são feitos de forma integrada e complementar. Os programas têm três grandes níveis de impacto: acelerar a inovação, ter impacto na cultura organizacional — as empresas em Portugal estão muito fechadas nos mercados de cá e assim percebem que há outras formas de colaborar, de mexer com as dinâmicas internas –, e mudar o posicionamento da empresa e a postura no mercado. A ideia é alinhar a cultura e interesses das grandes empresas e desenhar todo o processo para que a criação dos pilotos seja mais rápida, aumentar o sentido de urgência, mobilizar as pessoas, e fazer com que as barreiras possam ser ultrapassadas de uma maneira muito mais rápida”, esclarece Pedro Rocha Vieira. Estes programas podem durar até 10 meses a implementar.
Neste momento, o modelo de negócio assenta em vários pilares, diz Pedro: é parecido com o de uma consultora, uma empresa de eventos, com a formação, por exemplo, nas universidades e também inclui uma componente de real estate. “Recebemos mais por prestação de serviços de inovação e faturação direta, com bilhetes para os eventos e patrocínios, por exemplo”, explica.
“Temo-nos posicionado como líderes de tier 1 dentro do nosso ecossistema e, por isso, vindo à Beta-i veem um tipo de realidade que, quero eu acreditar, é a mais cosmopolita, empreendedora, internacional. Há outros tipos de realidades. Não é preciso exagerar e achar que, só por ser internacional é bom. Há pessoas brutais, em incubadoras ou a trabalhar em casa, e que não têm o destaque que muitas vezes têm os que estão nestes aceleradores, e muitas vezes com soluções melhores. É preciso ter cuidado e valorizar a diversidade. Acho que representamos um tipo de realidade que é importantíssimo existir dentro de qualquer ecossistema, mas um ecossistema não precisa de ser aquilo que representamos na totalidade. Os internacionais que vêm cá passam cá e ficam bem impressionados, nesse sentido é um ótimo cartão-de-visita sobre o que Lisboa pode oferecer”, acrescenta.
Marca que marca o ecossistema
Podendo estabelecer uma linha paralela entre o ecossistema empreendedor nacional e a história da Beta-i, há muitos momentos comuns. Um dos pontos altos, considera Pedro Rocha Vieira, foi o Silicon Valley comes to Lisbon, “um momento fundamental” que levou, por exemplo, instituições como o Seedcamp a investir em startups portuguesas. “Fomos dos primeiros a ter uma postura verdadeiramente internacional, mais colaborativa e de fazer acontecer. Acho que teria demorado mais tempo, se não tivéssemos existido naquela altura. Conseguimos trazer estas pessoas a Portugal porque éramos uma non profit, uma comunidade de pessoas que se juntou. Esse espírito colaborativo também foi importante para criar massa crítica. Fomos rebeldes, mas o termos tido mais liberdade permitiu-nos irmos corrigindo a nossa estratégia e não ficarmos presos a nada. E essa liberdade é muito salutar”, diz o co-fundador da Beta-i.
Daí que, considera Pedro, o facto de serem independentes tenha funcionado como fator de atratividade para empreendedores, investidores e até empresas recém-criadas à procura do primeiro sítio para assentar arraiais. “A Beta-i é um conjunto de pessoas, já representa esse mindset. Temos sido capazes de nos reinventar mantendo-nos independentes, informal, internacional e ambiciosamente. Acompanhámos muito do que está a acontecer: é ótimo ver que hoje o ecossistema já não cabe numa sala. Por um lado mete um bocado de medo, as pessoas que estão cá há mais tempo desabituam-se. Mas concorrência é bom e é muito importante que os ecossistemas tenham densidade. O que é muito importante é continuar a ser promovido por players do ecossistema e não demasiado por governos, grandes empresas. É fundamental que eles existam mas é muito importante que continue a haver promotores independentes”, considera.
Por isso também, o CEO da Beta-i fala agora de uma “economia de talento” numa lógica de atração de investimento e de desenvolvimento de empresas e de países.
“A sorte dá trabalho mas temos tido muita sorte. Acho que ainda há um hype e, acredito, uma certa discrepância entre o real e o falado. Vivemos de uma perceção que é maior do que a realidade. Mas é certo que todas as histórias de sucesso tiveram de criar uma perceção um nada à frente. Agora, depois é preciso responder à altura. De repente temos de entregar muita coisa, muito rapidamente e com expectativas muito altas. É preciso neste momento termos exits, que as startups que têm levantado rondas continuem a conseguir levantar capital a seguir, internacionalizarem-se a sério. É importantíssimo conseguir consolidar uma rede de investidores muito maior, mais séria. Cada vez mais investidores locais e maior confiança dos que vêm de fora. Precisamos de nos tornar ainda mais atrativos para pessoas”.
Todas as sextas-feiras, a comunidade abre-se ao exterior e reúne-se no terraço do 2º piso. O motivo? Agradecer por ser sexta.
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Volta a Portugal em incubadoras: crescer e fazer crescer ao ritmo do ecossistema
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