Patente Unitária é um entrave ou um impulso para as empresas portuguesas?

Advogados admitem que o impacto do novo sistema de patenteação unitária a nível europeu nas empresas portuguesas dependerá em grande parte de quão competitivas são essas empresas no mercado europeu.

A partir do dia 1 de junho é possível usar o novo sistema de patenteação unitária a nível europeu, que promete tornar o serviço “mais simples” e “uniformizado” para os países da União Europeia (UE).

A patente unitária consiste num sistema único de proteção de patentes a nível da UE e que funciona para os estados-membros que aderiram ao Acordo do Tribunal Unificado de Patentes.

“Este sistema unitário vai permitir que os inventores obtenham uma patente única com proteção e efeitos uniformes em 17 pelo menos estados-membros da UE – ao contrário do sistema atualmente em vigor, que permitia fazer um único pedido mas que resultava numa patente por estado-membro”, referiram Pedro Vidigal Monteiro, sócio coordenador da área de Propriedade Intelectual, e Francisco Burguete, associado da TELLES.

Foi em 2015 que Portugal assinou, juntamente com 25 estados-membros, o acordo respeitante ao Tribunal Unificado de Patente. Os únicos países da UE que decidiram não aderir foram a Croácia e Espanha.

Mas afinal o que é isto da Patente Unitária? À Advocatus, Cláudia Xara-Brasil, consultora sénior da CCA Law Firm, explicou que a Patente Unitária é uma “patente europeia com efeito unitário”, o que significa que “é uma patente europeia “tradicional”, concedida pelo Instituto Europeu de Patentes ao abrigo das regras e procedimentos da Convenção sobre a Patente Europeia”.

“Após ser concedido o registo, o requerente que solicita a patente unitária, é atribuído à patente um efeito unitário no território dos estados-membros da UE que fazem parte do Sistema de Patente Unitária e que ratificaram o Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes”, acrescentou.

A consultora sénior da CCA explicou ainda que, antes de 1 de junho, as patentes europeias concedidas tinham de ser validadas e mantidas individualmente em cada país onde entravam em vigor. “É um processo que, além de muito complexo, pois os requisitos de validação divergem de país para país, é também muito dispendioso, pois implica uma série de custos, como os de tradução, as taxas de validação (i.e., taxas devidas em alguns países para publicação das traduções), os honorários de advogado cobrados para validação e administração da patente (i.e., pagamento de taxas de renovação nacionais). Estes custos podem ser consideráveis e dependem do número de países onde o titular da patente pretenda validar a patente europeia”, disse.

Assim, a Patente Unitária, como opção adicional em relação à patente europeia e à patente nacional “vai eliminar a necessidade destes procedimentos de validação nacional complexos e dispendiosos que “caracterizam” a patente europeia e a sua manutenção em vigor”.

Para obter uma Patente Unitária o “inventor” deve apenas apresentar um requerimento junto do Instituto Europeu de Patentes, entidade competente pela emissão do certificado de patente unitária, no prazo de um mês após a decisão de concessão da patente europeia. João Pereira da Cruz, sócio administrador da J. Pereira da Cruz, sublinhou que é um processo administrativo “relativamente simples que não obriga ao pagamento de qualquer taxa”.

O advogado explicou também que durante um período transitório o titular da patente deverá juntar uma tradução da mesma, “que não produzirá efeitos legais”, numa língua da UE. “Se um pedido de patente tiver sido tramitado/concedido em alemão ou francês, a referida tradução será obrigatoriamente apresentada em inglês”, acrescentou.

Pedro Vidigal Monteiro e Francisco Burguete alertaram ainda que quanto às patentes que já concedidas não será possível a conversão em patente unitária.

“Para poder ser registada como Patente Unitária, a patente europeia deve ter sido concedida com o mesmo conjunto de reivindicações relativamente a todos os 25 estados-membros participantes”, acrescentou Cláudia Xara-Brasil.

Impacto nos interesses económicos das empresas portuguesas

O pacote legislativo da Patente Unitária consiste em dois regulamentos – o que cria a Patente Unitária e o que estabelece o regime linguístico aplicável – e um acordo – que estabelece uma jurisdição única, o Tribunal Unificado de Patentes, e que foi ratificado por 17 países da UE.

“O serviço de patente unitária é regulado pelo Regulamento (UE) n.º 1257/2012 e pelo Regulamento (UE) n.º 1260/2012, ambos de 17 de dezembro de 2012. Na verdade, não se verificou nenhuma alteração legislativa recente, mas estava previsto que o sistema da Patente Europeia com efeito unitário só funcionaria após a adesão do 13º Estado Membro ao Regulamento n.º 1260/2012, relativo ao Tribunal Unitário de Patentes – o que se verificou a 1 de janeiro de 2022 com a adesão da Áustria”, explicaram Pedro Vidigal Monteiro e Francisco Burguete da TELLES.

Mas países como Espanha, Polónia, Hungria e Croácia não aderiram a este sistema, em defesa dos interesses económicos das suas empresas. À Advocatus, os advogados admitem que o impacto do novo sistema nos interesses económicos das empresas portuguesas dependerá em grande parte de “quão competitivas são essas empresas no mercado europeu”.

“Por um lado, o novo sistema oferece vantagens significativas em termos de custo e eficiência às empresas nacionais que pretendam proteger a sua propriedade industrial a nível europeu. Por outro lado, a não adesão ao sistema unitário de alguns países – com especial relevância, o caso da Espanha – poderá conduzir a uma fragmentação no mercado de patentes dentro da UE, o que, a verificar-se, criará desafios adicionais para as empresas nacionais que operem em diversos países da UE”, notaram os advogados da TELLES.

Pedro Vidigal Monteiro e Francisco Burguete relembraram ainda a possibilidade de empresas estrangeiras, como as alemãs e francesas que são líderes europeias de pedidos de registo de patentes a nível mundial, serem equiparadas às empresas nacionais, no que à proteção de patentes diz respeito, “poderá constituir um entrave ao desenvolvimento de empresas portuguesas que ambicionem uma projeção a nível meramente nacional”.

É verdade, Croácia, Espanha e Polónia já afirmaram que não irão aderir a este sistema. Também correm rumores, e creio que não há fumo sem fogo, que também a Hungria não irá ratificar o Acordo do Tribunal Unificado de Patentes, fundamental para que a Patente Unitária possa ser aplicável nesse país. Caricato que o treino dos juízes do Tribunal Unitário de Patentes esteja a ser feito na Hungria. Vindo a confirmar-se estes rumores, certamente que a preparação dos juízes terá que passar a ser feita noutro Estado Membro”, notou João Pereira da Cruz.

Relembrando que o tecido empresarial português é constituído maioritariamente por pequenas e médias empresas, o sócio da J. Pereira da Cruz explicou que o número de patentes europeias de empresas nacionais é “ainda muito pequeno”. “Em 2022 apenas foram apresentados, no Instituto Europeu de Patentes, 312 pedidos de patente de origem portuguesa, o que corresponde a uma percentagem de apenas 0,16%. É um número muito baixo”, recordou.

“Por outro lado, também em 2022 foram validadas em Portugal cerca de 4.000 patentes europeias. Se, no futuro e no limite, todas as patentes europeias concedidas forem transformadas em Patentes Unitárias, Portugal será “invadido” anualmente por cerca de 90.000 novas patentes europeias, de titulares fundamentalmente dos EUA, Japão, Coreia do Sul, China, Suíça, Reino Unido, Alemanha, que representam aproximadamente 80% do total”, acrescentou.

Assim, João Pereira da Cruz acredita que isto seria “um mau sinal” para as pequenas empresas nacionais que irão ver, de um momento para o outro, “fechar-se o estado da técnica com os inerentes prejuízos económicos”. “Com efeito, as empresas nacionais ou passariam a pagar “royalties” aos titulares das patentes ou pior, a infringi-las”, disse.

“Sendo um sistema aberto, Portugal não tinha necessitado de aderir a este pacote da Patente Unitária. Acompanharia a Espanha, a Polónia, a Croácia e a Hungria e usaria o sistema como estes países o vão fazer. Por outras palavras, os empresários portugueses iriam usufruir das vantagens do sistema sem os inconvenientes. Espanha vai continuar a produzir os produtos não protegidos no seu território por patente, contrariamente a Portugal”, notou.

Já Cláudia Xara-Brasil acredita que este sistema pretende ser “verdadeiramente unitário e anular as ainda muitas heterogeneidades legislativas e administrativas de cada país”, como a nível de valor de taxas, de procedimentos de validação da patente e de renovação. Sublinha que se se não desvirtuar o sistema, a “Patente Unitária trará sem dúvida benefícios imensos para a sociedade e para o desenvolvimento económico do país”.

“É preciso acreditar que, por detrás de longo processo de construção do sistema da Patente Unitária, esteve sempre subjacente o animus coletivo dos seus participantes em incrementar o sistema, de alavancar a economia, de chegar a todos. As empresas portuguesas, os inventores podem ter aqui uma hipótese de escolha, ao pedirem o efeito unitário da sua patente europeia concedida, vai ser-lhes dada a oportunidade de, nomeadamente, poderem manter em vigor as suas patentes com custos de manutenção mais controlados e acessíveis”, defende.

O lado bom e mau do novo sistema

Simplificação, redução de custos, proteção da patente em toda a UE são algumas das vantagens deste novo serviço apontadas pelos advogados.

“A Patente Unitária terá vantagem de redução de custos, segundo os estudos preparatórios que foram efetuados se o titular de uma patente explorar a sua invenção em mais de quatro países. Outra vantagem é não ter de proceder à validação da Patente Europeia nos países que ratificaram o pacote da Patente Unitária e de passar a pagar apenas uma anuidade, junto do IEP em Munique”, referiu João Pereira da Cruz.

Já a consultora sénior da CCA Law Firm destacou positivamente o Instituto Europeu de Patentes, que assume diversas novas tarefas; o pedido simples de efeito unitário; a proteção uniforme e territorialmente vasta; haver um registo único; e a existência de uma taxa de renovação.

“Simplificação e, em certos casos, redução de custos no processo de registo, validação, licenciamento e renovação de patentes, bem como a garantia de proteção da patente em toda a UE através de um único pedido. Por outro lado, o Tribunal Unificado de Patentes irá assegurar uma interpretação e aplicação uniforme das normas aplicáveis”, apontaram Pedro Vidigal Monteiro e Francisco Burguete.

Mas também foram apontadas algumas desvantagens, como fragmentação do mercado de patentes na UE, aumento dos custos e necessidade de cumprimento de requisitos específicos.

Para João Pereira da Cruz, a principal desvantagem são mesmo os “altíssimos custos dos processos no Tribunal Unificado de Patentes”. O sócio administrador explicou que as custas judiciais em Portugal, no Tribunal da Propriedade Intelectual, rondam os 306 euros em cada instância, enquanto no Tribunal Unificado de Patentes rondam os 11.000 euros e as custas de uma ação de invalidação são de 20.000 euros. “Para além das custas judiciais há igualmente que pagar uma taxa que dependerá do valor da ação e que no limite poderá chegar aos 325.000 euros”, acrescentou.

“O outro grande inconveniente é a enorme possibilidade de os processos judiciais ocorrerem, na sua generalidade, fora de Portugal e numa língua que não seria o português. Ainda, e de muito maior importância a anulação em Tribunal de uma Patente Unitária determina a perda total do direito”, disse o sócio administrador da J. Pereira da Cruz.

Já para os advogados da TELLES, a “necessidade de cumprimento dos requisitos específicos do sistema de patentes unitárias”, bem como a “possível fragmentação do mercado de patentes na UE, em face da não adesão ao sistema unitário por parte de alguns Estados-membros” são algumas das desvantagens.

O papel do Tribunal Unitário de Patentes

Com este serviço foi também criado um novo tribunal, o Tribunal Unitário de Patentes. Este órgão judiciário central exclusivo para patentes irá aplicar um direito substantivo uniforme em matéria de patentes, na determinação do âmbito dos direitos conferidos e das suas limitações. Consiste em um Tribunal de Primeira Instância, de Recurso e de Registo, onde as decisões serão tomadas por painéis multinacionais.

Todas as decisões deste Tribunal têm efeitos em todos os estados-membros signatários.

“À semelhança dos tribunais portugueses, este será um Tribunal com a documentação desmaterializada e, portanto, a comunicação com os seus utilizadores será efetuada através do Case Management System”, disse à Advocatus Cláudia Xara-Brasil.

A consultora sénior da CCA explicou que o acesso a este sistema é feito através de “autenticação eletrónica forte”, em conjunto com uma assinatura digital qualificada. Assim, o certificado e a assinatura apenas podem ser fornecidos por entidades que preencham os requisitos técnicos estipulados pela UE.

“Além do enorme benefício de se traduzir num efetivo reforço por uma jurisprudência harmonizada na área da violação e validade de patentes e na simplificação e agilização de processos judiciais, encontramos também a previsão da existência de fórum que permite fazer cumprir e desafiar as patentes no espaço europeu”, sublinhou.

Já os advogados da TELLES, Pedro Vidigal Monteiro e Francisco Burguete, esperam que este Tribunal garanta um sistema “mais eficiente”. “Espera-se que o Tribunal seja capaz de garantir um sistema mais eficiente e eficaz para a resolução de litígios dentro da UE, seja mais consistente quanto ao sentido das decisões em sede de patentes, mas por outro lado existe uma apreensão generalizada pelo facto de ainda não se conhecer qual será a linha de jurisprudência do Tribunal. Será relevante por exemplo, perceber se se será mais tendencialmente mais protetor das empresas ou mais protetor do interesse público”, disseram.

Por outro lado, João Pereira da Cruz acredita que para as grandes empresas mundiais este Tribunal é “atrativo”, uma vez que podem pressionar as pequenas empresas sem grandes meios económicos e “fazê-las desistir de litigar pelos altíssimos custos que já conhecemos”.

Espera-se uma maior segurança jurídica, pela boa preparação dos juízes, mas no início haverá uma grande incerteza quanto à abordagem do Tribunal sobre a validade de uma patente. Irá permitir evitar que uma empresa tenha que acionar em todos os países quem alegadamente esteja a infringir, podendo fazê-lo centralmente”, concluiu.

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