Políticos a braços com a Justiça. Isto é tudo o que se sabe sobre a Operação “Tutti Frutti”
Em causa está uma investigação iniciada em 2016 sobre alegados favorecimentos de dirigentes políticos a militantes do PSD e do PS. Seis após o seu início, a investigação revela agora novos dados.
Seis após o seu início, a investigação da operação “Tutti Frutti” revela agora novos dados, depois da exibição da investigação da TVI, na passada terça-feira, que revela uma alegada conspiração entre dirigentes do PS e PSD para negociar lugares políticos entre juntas de freguesias e distribuição de cargos fictícios. Neste processo estão a ser investigados antigos responsáveis pela Câmara Municipal de Lisboa, como Fernando Medina e Duarte Cordeiro, atualmente ministros do Governo. Mas não há arguidos constituídos e, à data de hoje, a PGR não enviou comunicado sobre o processo, que se encontra em segredo de Justiça.
Em causa está uma investigação iniciada em 2016 e divulgada em 2018 sobre alegados favorecimentos de dirigentes políticos a militantes do PSD e do PS, envolvendo juntas de freguesia de Lisboa e várias câmaras municipais.
Neste processo a investigação está a cargo do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. Mas vamos, ponto a ponto, perceber em que consiste este processo.
O rebentar da “bolha”
Este processo só foi tornado público em 2018, com a “multiplicação de buscas” em várias juntas de freguesia de Lisboa e câmaras municipais, mas a investigação teve início anos antes. Tudo terá começado em 2016, após várias denúncias anónimas relacionadas com a contratação da empresa Ambigold, que tem como sócio-gerente Carlos Eduardo Reis, um dos principais visados desta operação, que na altura era conselheiro nacional do PSD.
Carlos Eduardo Rei controlava diversas empresas que ganharam várias adjudicações diretas de autarquias controladas pelo PSD e pelo PS. Este e outros militantes social-democratas são suspeitos de integrarem uma teia de influências que junta também as freguesias que foram alvo de buscas.
Outras das figuras deste processo é Sérgio Azevedo. O ex-deputado do PSD terá alegadamente ajudado a empresa Ambigold a conseguir os contratos públicos para a limpeza e conservação de jardins públicos de três juntas de freguesia lideradas pelo PSD – Areeiro, Estrela e Santo António. Em causa estarão contratos superiores a um milhão de euros.
Segundo noticiou o ECO na altura, a Junta do Areeiro, liderada por Fernando Braamcamp, terá estabelecido avenças de um total de 596.982 euros com militantes sociais-democratas. Já Luís Newton, que dirige a Junta de Freguesia da Estrela estabeleceu contratos de, pelo menos, 303.521 euros. E Vasco Morgado, o presidente da Junta de Santo António, fechou negócios no valor de 149.776 euros.
Em 2018, com as buscas, Fernando Medina entra em “cena” neste processo. Entre as visadas nas buscas estiveram os serviços centrais da Câmara de Lisboa, serviços de Urbanismo da autarquia, no Campo Grande, nas juntas de freguesias de Areeiro, Santo António e Estrela, e nas autarquias de Santa Maria da Feira, Golegã, Arruda dos Vinhos, Barcelos, Póvoa do Lanhoso, Loures, Faro, Cascais, Esposende, Gaia, Famalicão e Ponta Delgada.
Em causa está a alegada prática de crimes económico-financeiros decorrentes da contratação de pessoal e da adjudicação direta de serviços a empresas ligadas ou controladas por dirigentes políticos sobretudo do PSD. Isto no tempo em que Fernando Medina era presidente da Câmara de Lisboa e Duarte Cordeiro, atual ministro do Ambiente, era número dois de Medina na autarquia.
Na altura, a Procuradoria-Geral da República (PGR) indicou que estavam a ser investigados alegados crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, participação económica em negócio e financiamento proibido, por suspeitas do exercício de “influências destinadas a alcançar a celebração de contratos públicos, incluindo avenças com pessoas singulares e outras posições estratégicas”.
Ao todo foram efetuadas cerca de 70 buscas domiciliárias e não domiciliárias, incluindo buscas a escritórios de advogados, autarquias, sociedades e instalações partidárias, em diversas zonas do país. “Segundo os fortes indícios recolhidos apurou-se, no essencial, que um grupo de indivíduos ligados às estruturas de partido político, desenvolveram entre si influências destinadas a alcançar a celebração de contratos públicos, incluindo avenças com pessoas singulares e outras posições estratégicas”, referiu a PGR na altura. Segundo a TVI, nesta altura a Polícia Judiciária terá apreendido a caixa de correio eletrónico de Medina e onde foram encontradas centenas de emails “com relevância criminal”.
Mais buscas e novos desenvolvimentos
Ao longo destes últimos anos por várias vezes foram efetuadas novas buscas, tendo em 2022 sido noticiado pela CNN Portugal “mais 500 escutas telefónicas com relevância criminal a envolver altos dirigentes do PS e do PSD […], nomeadamente por esquemas de alegado conluio em pactos de bloco central, em que alguns dos suspeitos envolvidos são membros do atual Governo, como Fernando Medina ou Duarte Cordeiro”.
Nessa altura, a investigação tinha já detetado “situações suspeitas em 16 câmaras, 12 juntas e duas assembleias municipais” e foram-lhe apensados outros nove inquéritos, “todos por alegados crimes na Câmara de Lisboa”.
Manuel Salgado foi vereador do Urbanismo na capital entre 2007 e 2019, sob as presidências de António Costa e Fernando Medina. Em julho de 2019, anunciou a demissão do pelouro, tendo a sua saída sido efetivada em 7 de outubro do mesmo ano. Dias depois de ter abandonado o cargo, a câmara aprovou a reeleição do arquiteto como presidente do conselho de administração da empresa municipal de reabilitação urbana (SRU), da qual se demitiu em 2021, após ser constituído arguido num processo sobre a construção do Hospital CUF Tejo. Na altura, negou ilícitos e considerou que a atitude mais correta era afastar-se.
No início deste ano novas buscas foram levadas a cabo na Câmara Municipal de Lisboa pela Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária. Segundo voltou a avançar a CNN Portugal, os inspetores procuraram atas de reuniões relacionadas com processos urbanísticos apresentados pelo ex-vereador Manuel Salgado, durante a presidência de Medina.
O tema volta ao palco dos media após a investigação da TVI. Esta centra-se nos alegados troca de favores entre PS e PSD na preparação das listas para eleições autárquicas de 2017, de forma a garantir a manutenção de certas freguesias lisboetas. Entre os visados está o atual ministro das Finanças, Fernando Medina, o ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro, e o ex-deputado do PSD, Sérvio Azevedo.
Segundo diz a TVI, a procuradora Andrea Marques diz haver indícios de atos ilícitos, incluindo em escutas telefónicas e e-mails apreendidos do computador de Medina. Já uma inspetora da Polícia Judiciária, num relatório do processo, detalhou ainda os “acordos políticos entre Sérgio Azevedo, Duarte Cordeiro e Fernando Medina para a colocação de pessoas em lugares para avenças e posições estratégicas”, em 2017.
“Em causa a distribuição de dezenas de avenças para trabalhos fictícios e negócios de milhões celebrados com empresas de amigos em ajustes diretos. Estes esquemas só eram possíveis pelo controlo de determinadas juntas de freguesia da Capital – umas do PSD, como a Estrela, Santo António ou Areeiro; e outras do PS”, refere a TVI.
Ou seja, segundo a investigação, Medina terá alegadamente feito um acordo “secreto” com o PSD, seis meses antes das autárquicas de 2017, para apresentar “candidatos merdosos” às juntas ocupadas pelo PSD. Em troca, o PS tinha uma fraca oposição nas “suas juntas”.
A investigação da TVI revelou ainda que o ex-deputado do PSD, Sérvio Azevedo, diz telefonicamente que ficou “a dever favores ao Medina” pelos 200 mil euros que a Câmara deu ao Rugby do Belenenses, para a construção de um campo cuja adjudicação quer entregar à empresa de um amigo, Carlos Eduardo Reis, deputado do PSD.
Outro nome que surge envolvido neste processo é o de Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica. Alegadamente, os e-mails apreendidos a Medina tinham mensagens em que Luís Filipe Vieira pede uma “cunha” para garantir a isenção de IMI para um imóvel do filho. Pedido esse que foi aceite, de acordo com a investigação da TVI.
Após esta reportagem, o atual ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, afirmou que não foi “chamado ou ouvido pelo Ministério Público” sobre uma alegada troca de favores entre o PS e o PSD em Lisboa. E garantiu que não teve “qualquer responsabilidade nem intervenção no processo relacionado com o projeto Torre de Picoas”, outro tema alegadamente investigado pelo MP.
Também Medina nega qualquer tipo de ilegalidades no exercício das suas funções enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa e que não foi “notificado ou ouvido pelo Ministério Público, em qualquer condição, sobre qualquer processo”. “Não concedi qualquer tratamento de favor a qualquer pessoa, entidade ou instituição. A insinuação do contrário é falsa”, disse.
Esta quarta-feira, António Costa garantiu que mantém “toda a confiança política” no ministro das Finanças e no ministro do Ambiente e diz ter “a maior consideração pela idoneidade” destes dois governantes. “Obviamente mantenho toda a confiança política e tenho a maior consideração pela idoneidade do Dr. Fernando Medina e do Dr. Duarte Cordeiro”, afirmou durante o debate de política geral.
Carlos Eduardo Reis foi outro visado a reagir à reportagem e a negar qualquer tipo de relação com alegado esquema de corrupção. “Quero acrescentar que nunca corrompi ninguém no exercício da minha atividade profissional, e estou de consciência tranquila”, disse.
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