Governo estuda incentivos fiscais na eficiência energética

Lei de Bases do Clima serve de "chapéu" à fiscalidade verde e eficiência energética será uma das áreas de atuação. Ana Fontoura Gouveia, secretária de Estado da Energia, aponta mudanças no OE2024.

A secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura Gouveia, afirma que estão em cima da mesa mecanismos fiscais para incentivar a eficiência energética dos edifícios, no âmbito da Lei de Bases do Clima. “Estamos a olhar para mecanismos fiscais que possam criar os incentivos para que, por exemplo, as famílias ou as empresas continuem esse caminho de investimento (…) na promoção da eficiência energética nos edifícios“, revela Fontoura Gouveia, em entrevista ao ECO/Capital Verde. O Ministério está a fazer “um trabalho muito minucioso”, com o apoio técnico do Banco Europeu de Investimento (BEI), para perceber como usar a fiscalidade na área da eficiência energética, à luz “das melhores práticas internacionais”.

Na entrevista, com foco na Lei de Bases do Clima e que marca o Dia Mundial do Ambiente, a secretária de Estado admite ainda que o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) vai aumentar a ambição das metas em toda a linha do mix energético, no âmbito da revisão que decorre até ao final de junho.

Em que pontos a implementação da Lei de Bases do Clima já avançou?

Há muitos pontos em que já avançámos. A Lei de Bases do Clima vem dar um músculo estrutural àquilo que é a política climática em Portugal. Eu faria esta dupla leitura: temos documentos e relatórios que são importantes no contexto da Lei de Bases do Clima, mas temos depois também um conjunto de metas e de obrigações de políticas públicas previstos na Lei de Bases do Clima, e nos quais temos feito muito progresso. E é isso que se traduz em resultados concretos na vida das pessoas e na vida do país.

Terá sido mais nesse segundo grupo que se progrediu e não tanto no que toca à Lei de Bases em particular?

Eu diria que em ambos, e as políticas públicas são a Lei de Bases do Clima em particular. A Lei de Bases, mais do que um conjunto de relatórios ou documentos, é um enquadramento para as políticas públicas do país e, portanto, as políticas que daí emanam são o principal. Os documentos de trabalho são, na verdade, instrumentos para a definição dessas políticas.

Um dos documentos principais emanados na Lei de Bases do Clima são os planos municipais e os planos regionais, que têm como prazo de fevereiro 2024. O município de Loulé, que é um município exemplar nesta área da política climática, já apresentou o seu plano e creio que haverá sete em preparação noutros municípios. Além dos planos municipais, que será um documento que é evidentemente estruturante e importante, os municípios estão a fazer o seu caminho e estão muito envolvidos com aquilo que é a transição climática do país.

Quais são as prioridades na Lei do Clima?

Em termos de passos procedimentais, temos um momento muito importante que eu julgo que está na iminência de acontecer, que é a constituição do CAC [Conselho para a Ação Climática] pela Assembleia da República. Tivemos a aprovação na especialidade. A aprovação na generalidade ocorrerá por estes dias. O Conselho para a Ação Climática da Assembleia da República tem um papel de avaliação não só da concretização da Lei de Bases do Clima, mas também das políticas que estão alinhadas com a lei.

Mas, depois, há questões muito concretas e muito práticas, onde é a intervenção do CAC, por exemplo, para os orçamentos de carbono que estão previstos na Lei de Bases do Clima. Na verdade, já temos uma proposta desses orçamentos de carbono, mas os orçamentos carecem de um parecer deste CAC, que ainda não está constituído e, portanto, não podemos avançar nessa área. Mas eu diria que certamente, muito breve teremos o CAC em funcionamento.

Já está definido o nome que será indicado pelo Governo? Quando serão apontados os restantes membros?

Prefiro não indicar [o nome] neste momento. O passo final é esta aprovação, na generalidade, que acontecerá agora nos próximos dias. Depois o Governo fará a sua nomeação.

Quando será possível ter esse grupo formado?

O CAC estará operacional em janeiro de 2024, tendo em conta também as necessidades de recursos financeiros para a sua constituição. Do lado do Governo, o que faremos é estar totalmente disponíveis para encontrar as soluções para que o CAC esteja operacional o mais rapidamente possível. Até porque tem este caráter consultivo, independente, e de acrescento sobre o que são políticas climáticas em Portugal. É do interesse de todos que o órgão esteja o mais rapidamente possível para funcionar.

Disse que já tinha uma proposta para os orçamentos de carbono. Em que consiste essa proposta?

Ainda não apresentámos publicamente o documento dos orçamentos de carbono. Aguardarei por esse momento para apresentarmos esses valores.

Mas esses orçamentos vão apresentar um desafio significativo para os setores, pelo menos para os mais poluentes?

O que o país tem feito é aumentar a ambição das suas metas climáticas. E o que estamos a fazer neste momento é rever o Plano Nacional de Energia Clima (PNEC) que iremos enviar a Bruxelas em junho deste ano. Temos o documento dos orçamentos de carbono preparado que terá, caso seja necessário, de ser depois alinhado com esta revisão em curso do PNEC.

As metas do PNEC vão ser alteradas? Já ouvimos membros do Governo a dizer que vamos contar com metas mais ambiciosas. O que é que vai ser revisto e que metas é que vão ficar mais exigentes?

Não posso dar esta informação neste momento porque esse exercício está a decorrer.

Mas já admitiu, por exemplo, que a estratégia de hidrogénio vai ser reforçada. Portanto, pode-se esperar que pelo menos as metas do hidrogénio vão ser atualizadas.

Sem dúvida nenhuma. E não será a única alteração. O Governo já se comprometeu em antecipar os 80% de incorporação de energias renováveis na produção de eletricidade de 2030 para 2026 e, portanto, essa alteração estará refletida no PNEC. Mas, evidentemente, quando temos uma maior ambição do ponto de vista da incorporação de renováveis, isso traduz-se também numa revisão de tudo aquilo que são os objetivos para diferentes fases diferentes de produção de fontes renováveis.

Ou seja, aquilo que tínhamos de objetivo para o solar, para o vento e em particular para a produção eólica offshore, enfim, todo o mix energético, terá de refletir esta renovada ambição. Por exemplo, quando revisitamos os objetivos do hidrogénio verde — e aí estamos certos que vamos ter uma ambição bastante mais forte do que a que foi definida na estratégia inicial de hidrogénio — isso tem um impacto nas outras políticas, porque o hidrogénio verde é evidentemente uma indústria intensiva em energia, em particular, intensiva no consumo de eletricidade verde.

O documento que vamos preparar no âmbito da Lei de Bases do Clima para a indústria e para a indústria verde vem dar corpo, estrutura, a uma estratégia que, na verdade, já está em vigor. Obviamente não quero com isto dizer que não surgirão medidas novas, até porque temos algumas delas em estudo, designadamente no âmbito da fiscalidade verde.

Ana Fontoura Gouveia

Secretária de Estado da Energia

Na Lei de Bases do Clima fala-se numa Estratégia Industrial Verde. Estão definidas as linhas principais desta estratégia?

É um trabalho que tem que ser feito em conjunto com todas as áreas governativas e é isso que temos feito. Para uma estratégia industrial verde concorrerão políticas de várias áreas setoriais e que nos permitem depois assegurar os objetivos que pretendemos.

Alguma em preparação?

Quando falamos de uma Estratégia Industrial Verde no âmbito da Lei de Bases do Clima há um momento formal, que evidentemente iremos cumprir, e que é muito relevante do ponto de vista da visão estratégica. Mas depois há um conjunto de políticas que já estão a decorrer e que, na verdade, concorrem evidentemente para esse objetivo.

Independentemente de existir esse documento formal, a prática da ação governativa tem sido a atração de indústria e de cadeias de valor, portanto, que assegurem a maximização da incorporação de valor acrescentado nacional. O documento que vamos preparar no âmbito da Lei de Bases do Clima para a indústria e para a indústria verde vem dar corpo, estrutura, a uma estratégia que, na verdade, já está em vigor. Obviamente não quero com isto dizer que não surgirão medidas novas, até porque temos algumas delas em estudo, designadamente no âmbito da fiscalidade verde.

Consegue-nos dar uma data para a apresentação dessa estratégia?

O prazo é fevereiro de 2024.

Está a trabalhar nalguma medida em particular na área da fiscalidade verde?

É uma área que está prevista na Lei de Bases do Clima, onde o Ministério das Finanças terá a liderança, sendo que aquilo que é a reflexão estratégica do ponto de vista de política climática e política energética, o Ministério [do Ambiente] está evidentemente muitíssimo envolvido. Posso-lhe dar o exemplo das políticas para a eficiência energética. Temos tido linhas de apoio que permitem, tanto a famílias como a empresas, acederem a incentivos para a adaptação dos edifícios ou para a aquisição de equipamento.

O que pretendemos fazer agora é, por um lado, no REPowerEU, reforçar essas linhas, dotar de recursos adicionais. Mas, além disso, queremos garantir que mesmo quando já não tivermos REPowerEU, temos os instrumentos que são necessários para a concretização de alterações de eficiência energética que são necessárias nos nossos edifícios. E, portanto, estamos a olhar para mecanismos fiscais que possam criar os incentivos para, por exemplo, as famílias ou as empresas continuem esse caminho de investimento naquilo que é o aumento da promoção da eficiência energética nos edifícios. Que, como sabemos, são grandes consumidores de energia e, portanto, se queremos um processo de transição climática eficaz, as intervenções nos edifícios são absolutamente essenciais.

Ana Fontoura Gouveia, Secretária de Estado da Energia e Clima, em entrevista ao ECO/Capital Verde - 02JUN23
Ana Fontoura Gouveia, Secretária de Estado da Energia e Clima, em entrevista ao ECO/Capital Verde Hugo Amaral/ECO

Portanto, à partida, vão surgir medidas de fiscalidade verde na área da eficiência energética.

Estamos a olhar para essas medidas. Ou seja, estamos a perceber como o seu desenho pode servir as necessidades das famílias, tendo em conta também as suas condições socioeconómicas. Evidentemente, aquilo que sabemos é que os instrumentos têm de se adaptar aos públicos a que se destinam.

Por exemplo, tivemos a experiência do Vale Eficiência no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], em que percebemos que, de facto, o vale destina-se a famílias em situação de carência socioeconómica e, portanto, não podem muitas vezes fazer os adiantamentos necessários para o investimento na eficiência energética das suas casas. Percebemos que a solução encontrada era de um montante muito reduzido, e não permitia às famílias fazer as intervenções de que necessitavam, percebemos que havia também problemas de informação, de acesso a estes instrumentos, e que a tipologia das intervenções não era a mais adequada. O que estamos a fazer no Vale Eficiência é ajustar esse mecanismo para que se adapte às necessidades destas famílias.

Outras famílias, com mais recursos financeiros, e que podem elas adiantar os valores que necessitam para as intervenções nas suas habitações, podem ter respostas diferenciadas. É neste contexto, de oferecer um conjunto de instrumentos que se adaptem àquilo que são as necessidades das famílias e das empresas, e dentro destes grupos às especificidades de cada um, que estamos a olhar para instrumentos fiscais, designadamente.

Quando podem surgir essas medidas (fiscalidade verde)? Na altura do Orçamento do Estado?

O Orçamento do Estado é o momento para apresentar estas medidas.

Também podem incidir sobre outras áreas?

Sim. A área da eficiência energética foi um exemplo que quis dar designadamente para mostrar que as políticas públicas são políticas integradas. A dimensão fiscal tem de ser pensada em conjunto com os outros incentivos que existem e sempre tendo em conta qual é o objetivo final. Daí ser um trabalho muito minucioso e que estamos a fazer, por exemplo, na área da eficiência energética, que estamos a fazer também em conjunto com o apoio técnico do BEI [Banco Europeu de Investimento], que nos está a ajudar a olhar para estes instrumentos e a olhar para aquilo que são as melhores práticas internacionais.

O atraso na implementação da Lei de Bases do Clima compromete, de alguma forma, as metas que foram antecipadas, tanto de incorporação de renováveis como neutralidade carbónica?

Não existe um atraso na concretização da Lei de Bases do Clima. É uma mensagem muito relevante e fidedigna quanto àquilo que tem sido a atuação do Governo. Nós temos metas climáticas e todas as políticas públicas têm sido concretizadas no sentido de garantir o cumprimento dessas metas. Temos aspetos procedimentais que estão também a avançar.

Há instrumentos na Lei de Bases do Clima que serão absolutamente essenciais depois para o sucesso das políticas que estamos a tomar, designadamente os planos municipais, que estão totalmente enquadrados com o calendário. Há aqui ou ali alguns relatórios, algumas avaliações, que teriam tido de ser feitas no primeiro ano de implementação da Lei de Bases do Clima, e que não foram, mas que não são elementos centrais e não comprometem de todo. O relevante tem sido de facto a ação das políticas públicas e essas têm acelerado. Portanto estou confiante que vamos cumprir os objetivos climáticos, e é isso que importa no final do dia, dentro dos calendários propostos.

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