Imposto adicional sobre a banca é inconstitucional. E agora, quid iuris?
Desde 2020 que o Governo já arrecadou 100 milhões com o que chamou de Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, um imposto aplicado sobre o setor financeiro e criado na pandemia.
Desde 2020 que o Governo já arrecadou 100 milhões de euros com o que chamou de Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB), um imposto aplicado sobre o setor financeiro, criado para acomodar a pandemia da Covid-19 nas contas públicas.
Depois de, em 2022, o Tribunal Constitucional já ter declarado que este vai contra a lei fundamental do Estado, em março e abril deste ano juntaram-se mais duas decisões nesse sentido, ambas de tribunais arbitrais. A mais recente surge na sequência de um pedido de anulação do imposto pago por uma sucursal de uma instituição financeira estrangeira. O tribunal entendeu que o ASSB viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade, considerando que “o setor bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes setores de atividade económica”. Fala em “arbítrio legislativo” de uma medida que, diz, apenas visou obter mais receita.
A primeira decisão de inconstitucionalidade entendeu que era inconstitucional por violar a norma proibitiva da retroatividade dos impostos, pois incidia sobre factos tributários anteriores à data da entrada em vigor da norma.
Os vários especialistas contactados pelo ECO/Advocatus falam em “imposto persecutório, feito à pressa e impaciente”, “totalmente desproporcional” e não têm dúvidas sobre a sua inconstitucionalidade. E consideram que esta terceira decisão deve ser considerada como “um aviso sério ao legislador e ao Ministério das Finanças e ao da Segurança Social”. Mas, agora, só uma decisão final do Tribunal Constitucional poderá acabar de vez com esta tributação.
Mas estas novas decisões arbitrais de 2023 “dão um passo mais além, ao também julgarem inconstitucionais as próprias normas que criaram o imposto por violação dos princípios da igualdade tributária e da proporcionalidade, por violação da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva, para além de se poderem caracterizar como desproporcionais, pois entendeu-se que se poderia obter o mesmo efeito de uma forma menos onerosa, sem criar mais um novo imposto (poderia alterar-se o âmbito do imposto de selo aplicável às operações bancárias), não havendo até uma especial relação da banca (o âmbito subjetivo do imposto) com a segurança social (sendo este o fim da nova receita gerada)”, explica José Luís Moreira da Silva, advogado e sócio da SRS Legal.
“Não se pode criar um imposto que seja relativo a factos tributários ocorridos no passado, isto é, criar uma lei que incida sobre situações ou factos que os contribuintes não sabiam, nem poderiam saber, que estavam sujeitos a imposto”, explica o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, sócio da Caiado Guerreiro. “A Constituição obriga a que para não violar o princípio da segurança jurídica e confiança dos contribuintes não possam existir leis retroativas, a presente lei foi aplicada retroativamente e, portanto, o Tribunal arbitral considerou a lei, e bem, inconstitucional”.
O fiscalista diz ainda que esta solução legislativa arbitrária é totalmente “desproporcionada relativamente ao fim que o legislador afirma que com ela pretendeu obter (reforço do financiamento da Segurança Social). Acrescendo ainda que a questão que o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário pretendia resolver, a isenção de IVA no setor bancário, nem sequer se compreende uma vez que tal, em nada, constitui um benefício, visto que é sempre mais benéfico ser sujeito a IVA do que ter uma isenção simples, porquê? Porque apesar da Banca não liquidar IVA aos seus clientes, não pode deduzir o IVA de todos os seus custos e operações feitas com os seus fornecedores, o que cria uma situação de cascata de imposto altamente penalizadora para a banca”.
Pelo que, “a lei encontra-se também ferida de inconstitucionalidade por manifesta violação do princípio da proporcionalidade, tal como julga o Tribunal Arbitral”. A lei viola também o “princípio da generalidade pois a Constituição prevê que os impostos não possam ser aplicados especificamente a um conjunto de pessoas ou empresas em discriminação positiva ou negativa relativamente a outros setores de atividade ou contribuintes, procura com isto defender setores ou pessoas de tratamentos desiguais ou punitivos”.
A existência de já três decisões todas no mesmo sentido da inconstitucionalidade de normas fundamentais do imposto, “embora ainda não transitadas em julgado, pois delas cabe recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional em matéria de constitucionalidade, pode e deve ser considerado um aviso sério ao legislador e ao Ministério das Finanças e ao da Segurança Social. O Relator da decisão de março de 2023 foi até antigo Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional”, explica o advogado José Luís Moreira da Silva.
E adianta que a questão só ficará resolvida “com uma decisão final do Tribunal Constitucional, embora nos pareça que as decisões arbitrais até agora emitidas são fundamentadas e contêm argumentos sólidos. Para nós a questão da inconstitucionalidade da norma transitória parece evidente, por tributar matérias anteriores à vigência da norma (a norma é de julho 2020 e pretendeu aplicar-se logo ao primeiro semestre de 2020). Já a questão mais ampla da constitucionalidade do imposto, por violação da proporcionalidade e da igualdade tributária, pode merecer alguma discussão, não sendo líquida”.
Mas a questão de se tributar umas entidades em especial (a banca) para financiar a segurança social, pode realmente pôr em causa “a igualdade tributária e a proporcionalidade. Sendo que o argumento do Governo de se estar apenas a equilibrar a banca com outras empresas, por aquela não estar sujeita a IVA, esquece que isso não é sempre uma vantagem, pelo contrário, e que a banca está sujeita a um especial imposto de selo”, concluiu.
Nuno de Oliveira Garcia, fiscalista e sócio responsável pelo departamento Fiscal da Gómez-Acebo & Pombo defende que “em situações de crise, primeiro na recessão de 2008-2013 e, mais recentemente, na Pandemia COVID, existe sempre a tentação de criar-se contribuições ou adicionais, quase sempre verdadeiros impostos seletivos nos seus destinatários, geralmente setores de atividade em relação aos quais existe a perceção de liquidez crescente e até de lucros. Em muitos casos, esses tributos têm um propósito político e/ou financeiro”, que até pode ser “eventualmente louvável, mas são concebidos à margem do direito fiscal enquanto elemento garantístico dos particulares”. Em bom rigor, o ‘Adicional sobre o Banca’ trata-se de um “tributo seletivo (e até persecutório, se pensarmos que já existe uma contribuição, supostamente extraordinária, sobre o mesmo sector) cuja receita é, inesperadamente e sem sentido, dirigida ao financiamento da Segurança Social. É, como referi, um bom exemplo; e é o resultado de políticas que se baseiam na mera cobrança de tributos, criados à pressa e cobrados de forma impaciente”.
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