Marcelo avisa Governo: “Atenção à estabilidade fiscal”
Na semana da entrega da proposta do Orçamento para 2017, o Presidente da República pede rigor orçamental, mas isso não é tudo. Estabilidade fiscal e mais crescimento. E afasta crise política.
“Atenção à estabilidade fiscal” — o pedido é de Marcelo Rebelo de Sousa e foi deixado na semana em que o Governo apresenta a proposta de Orçamento do Estado para 2017. O Presidente da República defende que este é um fator “importante em termos de investimento”, um dos desafios que Portugal tem pela frente para recuperar o crescimento e atender à justiça social.
Na semana em que o Executivo se prepara para entregar o orçamento à Assembleia da República, o ECO desafiou o Presidente a enunciar as prioridades que gostaria de ver respondidas no documento. Marcelo frisou, desde logo, a importância de “continuar a manter o rigor, o rigor para que se aponta este ano e no ano que vem, a nível orçamental”. Este é “o primeiro desafio”, defende.
Mas para atender a este rigor, explica o Presidente, será preciso estabelecer um equilíbrio “entre uma contenção apreciável de despesas e uma atenção à estabilidade fiscal, que é uma estabilidade importante em termos de investimento”.
Tanto o primeiro-ministro, António Costa, como o ministro das Finanças, Mário Centeno, já garantiram que o Orçamento do Estado não trará nenhum aumento da carga fiscal direta, mas ambos assumiram que estão em cima da mesa alterações para reforçar a tributação indireta. E nas últimas semanas sucederam-se anúncios ‘soltos’ de agravamentos de impostos.
Uma das potenciais novidades — e que já suscitou a contestação por parte dos setores da construção e do imobiliário precisamente pelo potencial impacto no investimento — é o reforço dos impostos sobre o património. O chamado “imposto Mortágua”, cujos detalhes estão ainda a ser ultimados, poderá aplicar-se ao património total superior a 500 mil euros. A ideia é substituir o anterior imposto do selo, considerado inconstitucional, que se queria aplicar a imóveis acima de um milhão de euros.
Outra alteração fiscal que poderá estar na calha é a introdução de “fat tax”, ou seja impostos sobre produtos alimentares com sal, açúcar e gordura.
É que o desafio de cumprir o rigor orçamental não é simples, sobretudo tendo em conta as promessas que já foram feitas pelo Governo. Para acabar, na totalidade, com a sobretaxa de IRS em 2017 é preciso encontrar medidas que compensem 380 milhões de euros a menos na receita orçamental. Uma alternativa é acabar com a sobretaxa mas de forma faseada, ao longo do próximo ano, avançou no sábado o Público.
Soma-se o impacto do pagamento dos salários por inteiro aos funcionários públicos durante um ano completo, o equivalente a mais 257 milhões de euros na despesa, assumindo as contas inscritas pelo Executivo no Programa de Estabilidade. Falta ainda contar com a aplicação do IVA reduzido ao setor da restauração também durante um ano inteiro, que são menos 175 milhões de euros na receita.
Além disso, o governo está ainda em negociações com o BE e com o PCP para acertar o aumento das pensões. O PCP pôs em cima da mesa um aumento de 10 euros para todas as pensões. Já o BE começou por identificar as reformas até 628 euros, mas nos últimos dias acabou por se aproximar da estratégia dos comunistas: em entrevista à SIC, Catarina Martins subiu a parada para os 845 euros. Ambas as propostas têm custos em torno dos 400 milhões de euros — a dos comunistas fica ligeiramente acima, a dos bloquistas um pouco abaixo.
Fazendo as contas às medidas que estão na calha, estão em causa mais de 1,2 mil milhões de euros:
- O fim da sobretaxa de IRS em 2017 custa 380 milhões de euros.
- O efeito da devolução de salários na Função Pública na totalidade do ano custa mais 257 milhões de euros.
- A redução do IVA na restauração ao longo de 12 meses custa 175 milhões de euros.
- O aumento de todas as pensões até 845 euros em 10 euros por mês custa cerca de 400 milhões de euros.
E o problema é que não basta manter o número do défice: é preciso melhorá-lo. Segundo as contas do Conselho de Finanças Públicas, num cenário de políticas invariantes, o saldo estrutural degrada-se 0,5 pontos percentuais do PIB em 2017. Para Portugal cumprir as metas comunitárias, tem de encontrar forma, pelo contrário, de melhorá-lo em 0,6 pontos — o equivalente a 1.100 milhões de euros.
Prioridades: justiça social, crescimento e emprego
Além do rigor orçamental, Marcelo argumenta que é preciso somar outras três preocupações: a da “justiça social, a do crescimento económico e da criação de emprego”.
O estudo “Portugal Desigual“, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicado no final de setembro, mostrou os impactos da crise económica que Portugal atravessou nos últimos anos. Apesar de muitas das medidas de austeridade terem sido calibradas de forma a afetar menos a fatia mais pobre da população, não deixou de ser este o grupo que mais sofreu: 13% contra 25%, no corte de rendimentos. Marcelo também já tinha tocado esta tecla no seu primeiro discurso de um 5 de outubro, o feriado que celebra a implantação da República: “A liberdade em pobreza é condicionada, menos livre”, disse.
Na frente do crescimento económico, o país atravessa um período de recuperação muito lenta. Na sexta-feira passada, o Banco de Portugal reviu em baixa a sua previsão de crescimento para 2016, que se fixam agora em 1,1%. A concretizar-se, este número representa um abrandamento face a 2015, quando Portugal cresceu 1,6%.
Também o mercado de trabalho, apesar de estar em recuperação face ao ano passado, enfrenta ainda fortes dificuldades. O Banco de Portugal prevê que a taxa de desemprego recue em 2016 para 11,2% (dos anteriores 12,4%), mas avisa que há ainda uma fatia muito significativa de desempregados de muito longa duração que não estão a encontrar soluções. São cerca de 300 mil pessoas nestas circunstâncias.
Ora, para atender a estas três prioridades, defende o Presidente, é preciso “o fomento das exportações e a confiança necessária para mais investimento interno e externo”. Voltamos ao início: para haver investimento, é preciso a tal estabilidade fiscal, sem prescindir do rigor orçamental.
Chega de crises: é tempo de estabilidade política
Mas Marcelo vai mais longe. A atual situação da economia portuguesa “convida a uma preocupação que tem sido minha desde o início do mandato”, frisa. E continua: “É a da estabilidade política, da estabilidade institucional, da inexistência de crises, da descrispação, da distensão, do diálogo entre partidos e parceiros económicos e sociais“.
Já no discurso do 5 de outubro o Presidente tinha sublinhado a importância de o poder político se aproximar da fonte da sua legitimação. Até porque o poder “não é propriedade de ninguém, pessoa, família, classe, partido, grupo cívico, cultural ou económico”. A recomendação é particularmente premente num momento em que o país, pela primeira vez, tem um governo socialista suportado por dois acordos parlamentares, um entre o PS e o Bloco de Esquerda e outro entre os socialistas e o PCP.
No quadro internacional, Marcelo destacou a “encruzilhada” em que se encontra a Europa. Por um lado, tem ainda que concretizar “projetos do passado no domínio da união bancária, no domínio da própria união monetária e económica, no domínio da união digital”. Mas por outro porque tem de ser capaz de conjugar estes esforços com “respostas a problemas como as migrações, os refugiados, a circulação interna, Schengen e a própria afirmação externa da União”, argumentou.
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