Em entrevista ao ECO/Advocatus, o bastonário da Ordem dos Notários, Jorge Silva, fala sobre a revisão dos estatutos, que nasce da nova lei das Ordens Profissionais, prestes a ser aprovada na AR.
O atual bastonário da Ordem dos Notários, Jorge Silva, foi reeleito para um segundo mandato (2021/2025) à frente da instituição, em novembro de 2021.
O bastonário anunciou, à data da sua eleição, que a curto prazo pretende defender a atribuição de novas competências aos notários, nomeadamente, para o divórcio por mútuo consentimento sem filhos menores, casamento, apostila digital e certificado sucessório.
A Ordem dos Notários é a entidade representativa dos notários portugueses, foi criada em março de 2006 e tem atualmente 507 associados que são responsáveis por 438 Cartórios Notariais instalados em Portugal e que atendem mais de um milhão de cidadãos por ano. Em entrevista ao ECO/Advocatus, fala sobre a revisão dos estatutos, que nasce da nova lei das Ordens Profissionais, prestes a ser aprovada no Parlamento.
Chegados aqui, com a aprovação em Conselho de Ministros da proposta que altera a lei quadro das associações públicas profissionais e os estatutos da respetiva ordem profissional, no caso dos notários, como correu o processo negocial com o Governo?
O resultado final de um processo negocial equilibrado nunca agrada totalmente a nenhuma das partes e a atual proposta de Lei é um compromisso entre as propostas desreguladoras da OCDE e da Autoridade da Concorrência e o contraditório promovido pela Ordem dos Notários, em defesa de um sistema de notariado público capaz de servir todo o território nacional.
Neste primeiro balanço consideramos que existiu uma evolução positiva e a aceitação de propostas de alteração fulcrais.
O que critica, de forma resumida, no diploma que vai agora a votação no Parlamento?
O primeiro ponto diz respeito à ausência de uma clarificação que se impõe desde 2008 e que consiste na restrição da utilização da expressão “serviços notariais” para aqueles prestados unicamente por notários, pois esta é a única forma de os cidadãos poderem escolher de forma informada o prestador de serviços.
Em segundo lugar, consideramos que a competência de realizar escrituras públicas deveria estatutariamente estar apenas reservada a Notários, que é o que decorre da lei, e não faz sentido formalmente estar prevista a possibilidade de o autorizar a outras entidades. O legislador entre 2008 e 2010 já eliminou 99% dos atos próprios dos notários através da formalização de contratos por documento particular autenticado. A presente alteração legislativa não tem impacto em matéria de concorrência, mas poderá gerar alguma confusão nos cidadãos.
Por fim, entendemos que, neste processo legislativo, o Governo deveria ter ido mais longe e atribuído a competência para realizar divórcios por mútuo consentimento aos Notários pois isso iria beneficiar os cidadãos que passariam a ter mais 500 balcões espalhados por todo o país para realizar este procedimento.
A competência de realizar escrituras públicas deveria estatutariamente estar apenas reservada a Notários, que é o que decorre da lei, e não faz sentido formalmente estar prevista a possibilidade de o autorizar a outras entidades”
A Ordem dos Advogados teve um papel muito mais crítico do que a OSAE e a ON em relação a este diploma. Regra geral, acha que estas alterações fazem sentido?
A Ordem dos Notários sempre teve uma estratégia própria para a defesa do interesse público da atividade notarial num processo que já dura há mais de 4 anos. Entendemos que com alguns aperfeiçoamentos este diploma poderá constituir uma evolução positiva.
No caso dos estágios: considera positivo a redução de 18 para 12 meses?
Os estágios da Ordem dos Notários já admitiam a sua redução para 12 meses quando os candidatos possuíssem experiência relevante e julgamos que o quadro existente era o mais equilibrado, pois garantia notários mais preparados para servir os cidadãos. Mas, faremos o possível para que tal não tenha um impacto negativo nos serviços notariais através de formação complementar mais intensiva dos notários estagiários, mas sem aumentar os custos para estes.
E concorda com o argumento do Governo de tornar os estágios remunerados de forma obrigatória para acabar com a precariedade do mercado laboral?
Por uma questão de princípio da Ordem dos Notários sempre defendeu que quem trabalha durante o seu estágio deve ser remunerado, só assim será possível garantir a dignidade de quem tem de sobreviver economicamente enquanto se prepara para uma nova profissão.
Porém, a aplicação deste novo quadro legislativo terá de ser discutido com o Governo após a sua aprovação pois teremos de encontrar soluções equilibradas que defendam os interesses dos estagiários, mas com o pragmatismo necessário para continuarmos a ter estágios em qualidade e quantidade suficiente para a procura. Acho precipitado excluirmos a priori o financiamento de todos os estágios através de mecanismos públicos pois em alguns casos poderá fazer sentido.
Na questão polémica da participação de profissionais fora da classe nos órgãos de disciplina, preocupa-o?
A Ordem dos Notários desde a sua fundação sempre teve a participação de membros exteriores À Ordem ( Conservadores, Advogados, Professores de Direito, etc..) nomeadamente no seu órgão disciplinar e a competência para interdição definitiva de funções pertence à Ministrada Justiça.
Pela nossa parte o balanço tem sido positivo e por isso não nos preocupa especialmente este novo regime.
Vão existir cartórios em cada concelho do país?
Sim. Nos últimos anos abrimos mais de uma centena de cartórios notariais em todo o país e a maioria no interior e nas ilhas.
Somos a maior rede de balcões de serviço público do país, financiada exclusivamente pelos notários. E, mesmo nos sítios com reduzida atividade económica, vamos continuar a manter o atendimento presencial que achamos fundamental para a coesão nacional.
Enquanto for Bastonário defenderei sempre este princípio, pois a rede notarial foi a única que nunca fechou durante a pandemia. E, em alguns locais do país, é a última prestadora de alguns serviços essenciais para os cidadãos.
Quanto à declaração obrigatória no TC dos rendimentos dos bastonários, sente-se confortável com essa nova regra?
Sinto-me totalmente confortável, mas acho que em matéria de transparência precisamos de menos controlos formais, como este, e mais controlos efetivos quando os sinais exteriores de riqueza são incompatíveis com rendimentos declarados.
O Governo diz que um dos objetivos deste diploma é o de tornar as ordens profissionais mais transparentes. Sente-se atacado com essa afirmação?
Em matéria de transparência a minha Ordem sempre respondeu a tudo o que o Ministério da Justiça e demais ministérios lhe solicitou e em diversas matérias até optou por regulamentos publicados em Diário da República.
Os notários são umas das profissões destas 12 ordens profissionais que estão muito próximas dos advogados. Acha que as reivindicações da bastonária são válidas?
Conforme já referi entendo que a proposta legislativa enviada para o Parlamento pode e deve ser clarificada e melhorada relativamente a todas as Ordens e a dos Advogados não é exceção.
Com toda a certeza a senhora Bastonária da Ordem dos Advogados saberá o que é melhor para os Advogados Portugueses que a elegeram.
Em matéria de transparência precisamos de menos controlos formais, como este, e mais controlos efetivos quando os sinais exteriores de riqueza são incompatíveis com rendimentos declarados”
Os notários preveem algum tipo de protesto, em concreto, contra este diploma? Ou será tudo pela via do diálogo? Embora agora já não adiante muito…
Não. A Ordem dos Notários sem grande alarde público reuniu duas vezes em Assembleia-geral Universal para discutir este diploma e a Direção foi recentemente mandatada por unanimidade para prosseguir no Parlamento a negociação.
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“Ordem dos Notários sempre defendeu que estágio deve ser remunerado”
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