Decisão instrutória do caso BES em risco devido a greve nos tribunais
A greve total e sem serviços mínimos de funcionários judiciais pode levar a que a decisão se Salgado vai ou não a julgamento, no âmbito do caso BES, seja adiada.
Está agendada para sexta-feira, dia 14 de julho, a leitura da decisão instrutória do processo BES/GES, ou seja, se Ricardo Salgado vai ou não a julgamento. Mas a greve total de funcionários judiciais pode levar a que essa decisão e centenas de outras diligências sejam adiadas. A semana passada o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) marcou uma greve total para o dia 14 de julho, sem serviços mínimos, que coincide com o último dia da greve atípica que decorre desde o final de maio.
De acordo com o pré-aviso de greve do SFJ, a paralisação vai “vigorar no dia 14 de julho de 2023, das 9h00 às 17h00, em todas as unidades orgânicas/juízos, para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos tribunais e serviços do Ministério Público, bem como noutros departamentos e serviços do Estado português”. A data de 14 de julho corresponde ao último dia de trabalho nos tribunais antes das férias judiciais, que decorrem entre 15 de julho e 31 de agosto.
Caso a greve não provoque o adiamento da leitura da decisão instrutória, a mesma decorrerá pelas 14h00 no tribunal de Monsanto, em Lisboa, e será levada a cabo pelo juiz de instrução Pedro Santos Correia.
A realização do debate instrutório ocorreu um ano após o arranque da fase de instrução no Tribunal Central de Instrução Criminal, no dia 26 de abril de 2022, então ainda nas mãos do juiz Ivo Rosa, que foi substituído por Pedro Santos Correia em setembro, por decisão do Conselho Superior da Magistratura, e quase três anos depois de ser conhecida a acusação do Ministério Público (MP).
No dia 14 de julho de 2020, a investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) traduziu-se na acusação a 25 arguidos (18 pessoas e sete empresas), entre os quais o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES), Ricardo Salgado.
Foram imputados 65 crimes ao ex-banqueiro, nomeadamente associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada, branqueamento, infidelidade e manipulação de mercado.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
O que reivindicam os funcionários judiciais?
O Sindicato dos Funcionários Judiciais está a levar a cabo uma série de greves por diversas razões. Em causa está “a atual situação socioprofissional e a falta do cumprimento dos compromissos assumidos e das deliberações da Assembleia da República”. Assim, no dia 14 de julho não haverá indicação de serviços mínimos, por se considerar que esta greve não colide com os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos.
“Não podem os trabalhadores em greve ser substituídos por trabalhadores não aderentes que, normalmente, não estejam afetos ao serviço materialmente competente”, diziam no pré-aviso dirigido ao primeiro-ministro, António Costa, à ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro.
O SFJ reclama no imediato a abertura de procedimento para acesso a todas as categorias profissionais (escrivão adjunto, técnico de justiça adjunto, escrivão de direito, técnico de justiça principal e secretário de justiça), bem como a inclusão no vencimento do suplemento de recuperação processual pago a 14 meses e com retroativos a janeiro de 2021.
Por outro lado, aponta à negociação coletiva os temas do preenchimento dos lugares vagos da carreira de oficial de justiça através de concurso plurianual, um regime especial de aposentação e acesso ao regime de pré-aposentação para os funcionários judiciais, a revisão da tabela salarial e, finalmente, a revisão do estatuto profissional da carreira.
A greve atípica atualmente em curso desde 29 de maio decorre “num formato criativo”, que não é coincidente em comarcas, horários ou jurisdições, ou seja, a greve pode decorrer de uma forma e horário num tribunal judicial e de outra diferente nos serviços do Ministério Público, ou dentro de uma mesma comarca decorrer de forma diferente nos diversos tribunais que a compõem.
Greve já causou mais adiamentos que no período da pandemia
São já mais de cinco milhões os atos processuais adiados nos tribunais e 60 mil diligências, na sequência da greve dos Funcionários Judiciais (SFJ), iniciada a 24 de maio e que foi prolongada até 14 de julho. Estes números de adiamentos e atrasos superam os existentes no período pandémico. Os julgamentos já começaram a ser reagendados para finais de 2024.
E mesmo depois do Governo ter já anunciado a abertura de 561 vagas para a promoção de carreiras dos oficiais de Justiça, os mais de sete mil funcionários judiciais não cedem e mantêm a paralisação a que chamaram com “características atípicas”.
Os funcionários que todos dias estão nas secretarias judiciais pedem o descongelamento das carreiras e a integração do suplemento de compensação na remuneração, com um aumento de 10%, a ser recebido 14 meses por ano, tal como já recebem os magistrados.
Desde 2019 que não se registavam promoções de trabalhadores pertencentes a esta carreira. Diz o Governo que este “é mais um sinal de que o Ministério da Justiça reconhece e partilha das legítimas preocupações que têm sido transmitidas pelas estruturas sindicais representativas do pessoal da carreira oficial de justiça, tendo até agora desenvolvido todos os esforços para encontrar soluções que permitam alcançar o regular funcionamento dos tribunais e a desejável paz social”.
O presidente do SFJ, António Marçal, sublinhou que Catarina Sarmento e Castro “está a faltar à verdade”, ao ter sinalizado a abertura destas vagas como “um grande passo” do Governo para ir ao encontro das reivindicações do setor. “Aquilo que está aqui em causa é que o governo não tinha outra opção senão fazer as promoções, porque a isso o obriga o facto de vivermos num estado de direito democrático. Existe uma decisão judicial transitada em julgado referente a 2021 que obriga a ministra a começar a cumprir esse procedimento”, afirmou.
“Não há aqui nenhuma benesse ou boa vontade do governo, aquilo que há concretamente é a execução de uma decisão dos tribunais, lembrando que falta ainda esperar pelo resultado do julgamento da inconstitucionalidade referente ao movimento de 2018, que terá mais consequências, designadamente nas categorias de chefia”, reforçou.
Julgamentos e diligências dos casos mediáticos adiados
- O julgamento do antigo presidente da Câmara de Caminha e ex-secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, e da empresária Manuela Couto foi adiado a 15 de junho. As novas sessões estão agendadas para 14 de setembro e 4 de outubro. Previsto para ter início em Viana do Castelo, esta é a terceira vez que este julgamento é adiado.
- A 9 de junho, o interrogatório do ex-ministro Eduardo Cabrita na fase de instrução do processo do atropelamento mortal na A6 foi interrompido e reagendado para o dia 30 de junho, devido à greve. O interrogatório do antigo governante chegou a iniciar-se, mas foi suspenso, às 15:30, quando a funcionária judicial que acompanhava os trabalhos iniciou a greve. O juiz de instrução ainda andou pelo tribunal a tentar arranjar uma funcionária que pudesse cumprir a diligência, mas não foi possível.
- O início do julgamento do ativista antirracista Mamadou Ba foi adiado a 23 de abril devido à primeira fase de greve dos funcionários judiciais. O ativista antirracista Mamadou Ba ia ser julgado por difamação, publicidade e calúnia, num processo colocado pelo militante neonazi Mário Machado e no qual Ba conta com a ex-ministra Francisca Van Dunem como testemunha;
- No mesmo dia, foi também adiado, pela mesma razão, uma sessão da repetição do julgamento do processo Aquiles, relacionado com tráfico de cocaína e em que são arguidos dois ex-inspetores da Polícia Judiciária;
- A continuação do julgamento do processo relacionado com a queda da árvore no Monte foi adiada, em maio, pela quarta vez, devido à greve convocada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais. São arguidos no caso a ex-presidente da Câmara do Funchal Idalina Perestrelo e o chefe de divisão Francisco Andrade. Pelo menos este último compareceu esta manhã no tribunal instalado no Edifício 2000, mas a falta de oficiais de justiça impediu a realização da audiência.
- O julgamento no Tribunal Judicial de Faro da mega burla, relacionado com a apropriação ilegal de prédios alheios, só começou depois das 10H00, no dia 14 de junho, por conta da greve dos funcionários judiciais. à porta do tribunal estavam vários oficiais de justiça envergaram t-shirt’s onde se lia: “justiça para quem nela trabalha”.
- A sessão de julgamento, do dia 6 de Junho, relativa ao homicídio de Jéssica, a menina de três anos morta em junho do ano passado, foi adiado. No banco dos réus estão cinco arguidos, a mãe da criança, a ama, o marido e a filha.
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