Banco de Portugal pode dar mais dinheiro ao Estado? O caminho do PS e BE
O grupo de trabalho do PS/BE quer tirar ao Banco de Portugal a definição da política de provisões, passando-a para o acionista Estado. O objetivo é dar mais dividendos para ajudar as contas públicas.
Depois de retirar poderes ao Banco de Portugal, o Governo poderá vir a apertar a política de provisões do banco central português para que este dê mais dinheiro ao Estado. A proposta surgiu do grupo de trabalho sobre a sustentabilidade da dívida e conta com o apoio do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda no Parlamento, além de ter a concordância do Executivo. Os partidos querem que Carlos Costa faça menos provisões e distribua mais dividendos para ajudar a consolidação orçamental. As estimativas do grupo de trabalho apontam para um efeito favorável de cerca de 900 milhões de euros por ano a partir de 2018.
Na passada sexta-feira, na conferência de imprensa de apresentação das conclusões do grupo de trabalho, João Galamba considerou que é possível mudar a política de provisões e de dividendos sem fazer uma alteração legislativa (tal como o Governo fez no OE2017), mas o deputado socialista disse também que uma mudança na lei orgânica do Banco de Portugal (BdP) poderia ajudar a clarificar esse enquadramento legislativo. Essa foi uma das três propostas sobre as quais o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, revelou haver consenso com o Governo.
Na mesma conferência de imprensa, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, foi confrontado com o tema e disse estar disponível para alterar essa lei. “Não podemos aceitar que seja banal que o Banco de Portugal tenha uma política de provisões que seja contra cíclica, prejudicando as contas públicas”, respondeu. O discurso foi acompanhado por Galamba que disse que o BdP está “sobrecapitalizado de forma injustificada”, “uma matéria que nunca tinha sido tratada nem questionada”.
Um dia depois, Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou-se sobre o tema, em declarações às televisões, defendendo ser positivo que o Banco de Portugal tenha “uma almofada”. Nessa ocasião o Presidente da República alertou que a previsão de uma situação de crescimento da economia europeia e de aumento de juros deve “levar o Banco de Portugal a ter uma almofada financeira que proteja [Portugal] contra esse aumento de juros”.
Quais seriam essas clarificações? O relatório dá algumas pistas sobre o que poderá ser uma alteração dos procedimentos e dos critérios para a constituição de provisões pelo BdP.
O que mudaria?
O principal argumento dos autores é o de que o banco central português não deu fundamentação suficiente para constituir as provisões adicionais (‘colocar de lado’ dinheiro para fazer face a riscos futuros) por causa do programa de compra de dívida pública (PSPP) do BCE. Por isso, o grupo de trabalho recomenda que no Relatório de Contas, “para efeitos de constituição de provisões para riscos gerais, o Banco de Portugal passe a estar obrigado a uma fundamentação detalhada”, referindo até a possibilidade de ter de pedir um parecer a um auditor externo.
Em termos práticos, o atual enquadramento legislativo sugere que a participação do acionista neste processo pode na prática ser nula.
Contudo, pretende-se ir mais longe. Na generalidade, esta medida propõe que seja retirada a decisão final sobre a política de provisões do Conselho de Administração do BdP, passando a estar do lado do Governo. “Dever-se-á ponderar a necessidade de alteração da Lei Orgânica do Banco de Portugal no sentido de o ministro das Finanças ter de dar uma autorização explícita (e não tácita) da política de provisões“, lê-se no documento. Acontece que com a atual lei orgânica pode ser ambígua em certos casos.
O grupo de trabalho considera que, “em termos práticos, o atual enquadramento legislativo sugere que a participação do acionista neste processo pode na prática ser nula”. O documento vai mais longe nessa apreciação: “O atual enquadramento legislativo e institucional para a apreciação das contas pelo acionista parece claramente insuficiente, dependente da vontade política dos agentes envolvidos, e deve ser revisto”.
Essa revisão, além de colocar do lado do Ministério das Finanças a autorização final da política de provisões (que tem impacto nos dividendos distribuídos ao Estado), passaria também por alterar outra norma. Em causa está a elaboração do Plano de Contas do Banco de Portugal — atualmente feito pela própria instituição — que o grupo de trabalho quer que seja uma proposta do ministro das Finanças.
Em suma, o grupo de trabalho propõe que a lei seja mudada para que fique mais clara. “Os artigos 5.º e 53.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal devem ser revistos, com o objetivo de garantir que a criação de provisões, mantendo-se na esfera de decisão do Conselho de Administração, segue critérios mais objetivos”, concluem os autores.
Tiro ao alvo do Banco de Portugal
Ao longo do ponto que dedicam ao banco central português, os autores do relatório deixam várias críticas à política de provisões de Carlos Costa — uma “mera decisão” do Conselho de Administração do BdP — por esta ser “em favor do reforço dos fundos próprios do BdP, e em desfavor do Orçamento do Estado”. Os economistas argumentam que a independência financeira não fica comprometida se houver menos provisões no contexto atual.
O excesso de capital nos bancos centrais é orçamentalmente ineficiente.
“Se a subcapitalização de um banco central pode comprometer a sua independência, a sobrecapitalização tem exatamente o mesmo resultado“, afirmam os autores. Porquê? Os economistas argumentam que “o excesso de capital nos bancos centrais é orçamentalmente ineficiente e constitui um custo de oportunidade significativo para o Estado e para os contribuintes”. Considerando que as provisões vão além das necessidades do banco central, o ‘excesso’ corresponde a “recursos públicos, não são recursos do BdP”.
É neste campo de argumentação que os autores do relatório consideram que o Banco de Portugal “não deve ter independência, muito menos um grau tal de discricionariedade que se confunda com arbitrariedade, para determinar sem intervenção do acionista os recursos públicos que tem à sua disposição (redesenhando por essa via o mandato que se deve limitar a executar)”. Ou seja, os economistas querem um Conselho de Administração que execute as linhas definidas pelo Governo, ao invés de ter uma política própria.
O relatório diz ainda que o Banco de Portugal — “por ter sido dos bancos que mais provisionou em 2015” — “foi aquele que mais reduziu, por via orçamental, o impacto expansionista do PSPP”. Isto significa que os estímulos do Banco Central Europeu poderiam ter mais eficácia caso o BdP distribuísse mais dividendos e desse maior margem orçamental para, por exemplo, investimento público. O impacto negativo na receita do Estado da política de provisões em 2016 foi de 412 milhões de euros e o grupo de trabalho prevê que seja superior a 450 milhões em 2017 e 190 milhões em 2018.
Para o grupo de trabalho a fundamentação que definiu o nível de provisões dos últimos anos é insuficiente. No relatório do Conselho de Administração do Banco de Portugal relativo a 2015 defende que o programa de compra da dívida é uma “condicionante exógena e não evitável”. Mas os autores do relatório contra-argumentam: a compra da dívida pública é um “elemento constitutivo da política monetária” e, por isso, “o risco que cada banco nacional assume não pode ser considerado um fator exógeno à sua atividade, como é questionável que, no caso português, esse risco exista nos termos referidos pelo BdP”.
Um Banco de Portugal à alemã
Segundo o grupo de trabalho, é da responsabilidade dos bancos centrais decidirem a sua política de provisões dado que “não existe qualquer orientação do BCE relativa ao capital, reservas ou provisões dos Bancos Centrais Nacionais (BCN)”, recomendando apenas que “estes devem estar sempre suficientemente capitalizados”. No caso português, a lei orgânica limita a liberdade do BdP na constituição de reservas, mas deixa à consideração do Conselho de Administração a constituição de provisões para riscos gerais.
Para demonstrar que a atual política do BdP não é a acertada, o relatório faz comparações com outros países da zona euro em 2015. Os economistas argumentam que “os títulos da dívida pública detidos para efeito de política monetária não têm risco de câmbio, não têm risco do preço do ouro e não têm risco de taxa de juro”. Assim, “resta apenas o risco de crédito como fundamento possível para a constituição de provisões“. E, mesmo neste ponto, os economistas dizem não ser clara a relação dado que países com o mesmo rating (triplo A) tanto fizeram mais provisões (caso do Luxemburgo) como menos (caso da Alemanha).
O relatório destaca que a taxa de provisionamento média foi de 1,7%, menos de metade dos 4,2% de Portugal. A principal comparação traçada pelos economistas é com o alemão Bundesbank, cujo Estado se financia a uma taxa de juro negativa. O banco central alemão reforçou as suas provisões em 2016 por causa de essa taxa ser negativa, “o que pode implicar perdas significativas para o Bundesbank, pondo em risco o seu capital”.
O grupo de trabalho argumenta que o caso do Banco de Portugal é exatamente o oposto. “Como os juros da dívida pública portuguesa são os mais elevados dos países elegíveis para o PSPP, não só o contributo dos juros para os resultados operacionais do banco é o mais elevado de todos, como o risco de taxa de juro é o mais baixo”, lê-se no relatório. Ou seja, de certa forma os economistas dizem que o BdP é dos que mais lucra com a dívida que compra e, por isso, tem a capacidade para distribuir mais dividendos, reforçando menos as provisões porque, afirmam, o risco é menor.
Mas há um risco, reconhecem os autores: “Existe apenas o risco de o juro recebido por esses ativos [dívida] ser inferior ao juro pago pelos depósitos que as instituições financeiras detêm junto do banco central”. E citam um relatório anual do Banco Central Europeu para desvalorizá-lo: “o risco de perdas desta natureza é muito reduzido, mesmo num cenário de subida significativa das taxas de juro”. De forma genérica, os economistas argumentam que o risco estimado pela administração do Banco de Portugal é exagerado e, por isso, Carlos Costa deverá aumentar os dividendos.
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