Universitários chumbam plano de Costa para as propinas. “Sangria de talento” vai continuar
Representantes dos alunos universitários de Lisboa, Porto, Coimbra e Minho avisam que a devolução integral das propinas não vai travar "a fuga de cérebros" para o exterior e pedem soluções de fundo.
As associações de estudantes do Ensino Superior contestam a proposta de devolução integral das propinas nos primeiros anos de trabalho por “não ter impacto” para os alunos que estão atualmente a frequentar este nível de ensino e antecipam que será insuficiente para travar a emigração dos jovens licenciados. Em declarações ao ECO, os representantes dos estudantes de Lisboa, Porto, Coimbra e Minho insistem na redução do valor das propinas e na resposta ao problema do alojamento estudantil.
“Num momento de sufoco para muitos jovens todos os apoios são positivos e bem-vindos. Contudo, não me parece que será suficiente para combater a sangria de talento para o exterior”, afirma Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto, em declarações ao ECO, em reação à nova medida anunciada por António Costa para compensar o esforço na educação, que consiste na devolução do valor integral das propinas nos primeiros anos de trabalho.
“Em cada ano de trabalho em Portugal iremos devolver cada ano de propinas pagas em Portugal. No primeiro ano de trabalho, cada jovem que trabalha e apresenta sua declaração de IRS receberá, líquido, os 697 euros do seu primeiro ano da faculdade. Se o curso for de três anos, receberá no primeiro, no segundo e no terceiro ano. Se o curso for de quatro anos receberá no primeiro, no segundo, no terceiro e no quarto ano”, salientou o secretário-geral do PS, na quarta-feira. Os mestrados estão também incluídos, tendo o PS fixado um valor universal de devolução de 1.500 euros por ano. Quem for beneficiário da ação social escolar, mesmo não pagando as propinas durante a formação académica, também vai receber.
O ECO questionou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para saber quanto vai custar a medida e mais detalhes sobre a proposta, mas fonte oficial diz que “não tem nada a acrescentar” e que “quando existirem mais detalhes” irão comunicar. Já o gabinete do primeiro-ministro indicou que “a medida será apresentada em detalhe no Orçamento do Estado para 2024”.
António Costa anunciou ainda um reforço ao IRS Jovem, bem como a gratuitidade dos passes de transportes públicos para os sub-23 (à semelhança do que fez Carlos Moedas, em Lisboa).
Para a Federação Académica do Porto esta é apenas uma medida “pontual”, quando “o que tem faltado ao país é uma estratégia” para combater os “baixos salários” e o “flagelo do alojamento estudantil”. “O que temos vindo a perder é muito superior ao que nos estão a tentar dar neste momento” e “na perspetiva dos jovens que estão a entrar no Ensino Superior agora estávamos à espera de outro tipo de medidas”, sublinha Gabriela Cabilhas.
A posição é corroborada pelo presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC) que, apesar de considerar que as medidas para o IRS, transportes e propinas “apresentam traços interessantes e positivos”, estas “não trazem nada de novo para os estudantes do Ensino Superior”. No que toca especificamente à devolução das propinas, esta medida “isolada não vai trazer a robustez necessária para fixar jovens em Portugal” e “não tem impacto” também para “a fuga de cérebros que já se verificou”, defende João Pedro Caseiro, ao ECO.
Mais comedida nas palavras é Catarina Ruivo que diz que a Federação Académica de Lisboa (FAL) “vê com bons olhos” a devolução integral das propinas, considerando que o objetivo da medida passa pela “retenção dos jovens graduados no país”, dado que vai conferir “mais vantagens em quem estuda em Portugal e que por cá fique”. Contudo, tal como a FEP e a AAC, a FAL considera que esta medida não vai ajudar os estudantes do Ensino Superior. “Os alunos que estão atualmente a frequentar o Ensino Superior têm que continuar a avançar com as propinas”, atira, em declarações ao ECO.
Já no que toca à gratuitidade dos passes de transportes públicos para os estudantes sub23, Catarina Ruivo aplaude a decisão, mas lembra que “acaba por esquecer os estudantes que voltam ao Ensino Superior ao longo da vida e têm mais de 23 anos“. Além disso, deixa também de fora estudantes “em estágios ou a fazer teses” com mais de 23 anos, lembra.
Também, a Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL) considera que esta “é uma medida positiva”, contudo,” insuficiente” para resolver os problemas do acesso ao Ensino Superior, dado que além dos “custos com as propinas há outros custos acessórios”, nomeadamente com alimentação e habitação. Neste âmbito, Diogo Ferreira Leite lamenta o “desastre total” do Governo em matérias de apoio ao alojamento estudantil, fazendo referência aos “atrasos sistemáticos” na construção de novas residências. Segundo o responsável, desde que saíram as colocações do Ensino Superior a AAUL tem recebido “dezenas de pedidos de apoio” e queixas, nomeadamente de “senhorios a pedirem em avanço três ou quatro rendas mensais”.
Além disso, e ainda sobre a devolução integral das propinas, “não são cerca de 600 anuais” que vão incentivar os jovens a “fixar-se em Portugal”, tendo em conta “as graves dificuldades no acesso ao mercado de trabalho”, acrescenta Diogo Ferreira Leite, ao ECO.
Por sua vez, a Associação Académica da Universidade do Minho (AAUMinho) diz-se “surpreendida” pela medida “não ter sido discutida com o movimento estudantil” e, apesar de considerar que “promove a fixação dos jovens em Portugal”, duvida do seu impacto. “Ainda não sabemos muito da medida, mas 600 euros por ano dá 60 euros por mês. Isto trará um verdadeiro impacto na certeira do jovens que acabam o curso?”, questiona Margarida Isaías, ao ECO.
O que defendem os estudantes do Ensino Superior?
Nesse contexto, os representantes dos estudantes do Ensino Superior de Lisboa, Porto, Coimbra e Minho insistem na redução do valor das propinas e na resposta ao problema do alojamento estudantil. Para a AAC, o Governo devia apostar “num caminho rumo à propina zero no Ensino Superior”, bem como numa “limitação das propinas de mestrado” e no “reforço das bolsas de ação social”, dada “a carga elevadíssima de despesas para estudar”.
Além disso, e lembrando que “em Coimbra há 25 mil estudantes, onde 70% são deslocados” e onde “só há 1.300 camas” públicas, a AAC pede que haja “uma maior regulação do mercado” habitacional, uma vez que as “residências não se constroem de um dia para o outro”. “É preciso “procurar intervir na regulação dos preços” e os municípios devem também apostar no reforço de transportes públicos para a periferia das cidades”, aponta João Pedro Caseiro.
Também a FAL defende “uma redução gradual das propinas”, apoiando “proporcionalmente” as instituições de Ensino Superior “pela perda de financiamento caso as propinas cheguem a 0”. Além disso, têm “batalhado para limitar teto o máximo das propinas de mestrado”, dado que há mestrados com valores bastante elevados o que cria “desigualdades” no acesso e propõem um alargamento ao subsídio de alojamento “não apenas para os alunos bolseiros”, mas também “alargando a mais estudantes”, resume Catarina Ruivo.
Também a AAUL é a “favor da redução progressiva das propinas até ao seu desaparecimento”, de modo a “assegurar um acesso universal” e a “acabar com as barreiras de acesso”. “Quanto ao mestrado reconhecemos que situação é mais complexa, mas defendemos que deve haver uma maior harmonização entre várias universidades”, aponta Diogo Ferreira Leite.
À semelhança da AAC, FAL e da AAUL, também a FEP lembra que os jovens estudantes vivem uma “realidade difícil” e “desconcertante”, quer seja “pelos baixos salários”, quer seja pela “crise na habitação”. “Estávamos à espera de medidas que fizessem frente a problemas imediatos, como o alojamento estudantil, que é o grande entrave para a frequência do Ensino Superior por parte de muitos jovens”, conclui Gabriela Cabilhas.
Por último, além do “acesso universal e gratuito ao Ensino Superior”, a AAUMinho lembra que “há muitos outros custos associados” e que os universitários que estudam fora das grandes cidades enfrentam “grandes dificuldades”. “Fora dos grandes centros urbanos, como é o caso do Minho, os transportes são limitados”, aponta Margarida Isaías, ao ECO, pedindo assim um reforço da oferta.
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