Perfil técnico, juventude e experiência internacional são os “trunfos” de Rita Sá Machado, a nova diretora-geral da Saúde
Francisco George realça formação e experiência nacional e internacional "notáveis" de Rita Sá Machado. Já Miguel Guimarães diz que o facto de ser jovem "pode valorizar a capacidade de intervenção".
A nomeação de Rita Sá Machado para a liderança da Direção-Geral da Saúde (DGS) apanhou (quase) todos de surpresa, não só pela candidatura ter sido guardada em segredo, mas também por ser um rosto pouco conhecido do público em geral.
Bastante críticos da “lentidão” do processo, as personalidades ligadas ao setor da Saúde ouvidas pelo ECO realçam que o perfil “técnico”, a formação na área de saúde pública e a “experiência acumulada”, nomeadamente a nível internacional, bem como a juventude da médica são “tudo trunfos” para dar um novo fôlego à instituição criada em 1899, que vive atualmente um período conturbado com a perda de competências.
“A formação médica e a especialização nacional e no estrangeiro da nova diretora-geral da Saúde são notáveis”, afirma Francisco George, referindo-se à passagem de Rita Sá Machado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como conselheira na área da Saúde e Migrações, depois de ter sido conselheira de Migração e Assuntos Humanitários no Ministério dos Negócios Estrangeiros e chefe de divisão de Epidemiologia e Estatística do organismo que vai agora liderar, a partir de 1 de novembro, durante cinco anos.
Foi precisamente na instituição sediada na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, que os percursos de ambos se cruzaram, quando Francisco George era diretor-geral da Saúde. “Posso testemunhar a sua distinção e clareza de opiniões”, afiança o médico de saúde pública, sublinhando que “a escolha de Rita Sá Machado está fundamentada no mérito”.
“É tecnicamente muito capaz”, acrescenta Gustavo Tato Borges, que admite que “não estava à espera” que fosse nomeada, dado que “desconhecia por completo” a candidatura” e dos nomes que vieram a público André Peralta Santos “era visto como a natural sucessão“, uma vez que foi nomeado subdiretor-geral da Saúde na sequência da demissão de Rui Portugal e, posteriormente, com a aposentação de Graças Freitas, tinha sido escolhido para liderar a DGS em regime de substituição.
É importante dar uma palavra de agradecimento à Dra. Graça Freitas por todo o trabalhado que desenvolveu, em especial na pandemia, mas também ao Dr. André Peralta Santos pelo facto de ter passado, pelo menos, uma boa parte de 2023 como a única cabeça da DGS fazendo três funções numa só”.
“Ficávamos muito bem servidos com qualquer um”, aponta o presidente Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), aproveitando para agradecer a Peralta Saltos todo o “esforço e dedicação” por ter passado “uma boa parte de 2023 como a única cabeça da DGS fazendo três funções numa só”. Tato Borges espera que os dois possam “trabalhar em conjunto em prol da saúde pública”, defendendo que isso “seria uma grande mais-valia”. O ECO tentou contactar André Peralta Santos e Rui Portugal, antigo diretor-geral da Saúde que chegou também a admitir candidatar-se à liderança da DGS antes de se demitir, mas ambos não quiseram prestar declarações.
À semelhança de Francisco George, também Gustavo Tato Borges e Miguel Guimarães dizem-se “satisfeitos” com a escolha. O perfil “jovem e moderno” de Rita Sá Machado, bem como o “background” da saúde pública na DGS e na OMS são “tudo trunfos que pode colocar ao serviço da saúde pública portuguesa”, sintetiza o presidente da ANMSP. “A experiência no terreno ainda é pequena”, admite o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, mas o facto de ser jovem “pode valorizar a sua capacidade de intervenção e a sua capacidade de entender a saúde pública de forma diferente”, assim como a formação diversificada.
Entre a sua vasta formação académica, Rita Sá Machado consta com um mestrado integrado em Medicina pela Nova Medical School e é mestre em Saúde Pública pela London School of Hygiene and Tropical Medicine. A nova diretora-geral da Saúde iniciou funções no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho e no currículo “carimba” ainda passagens pela ARS Norte e pela ARS de Lisboa e Vale do Tejo, nomeadamente no agrupamento de centros de Saúde Almada Seixal.
Críticas cerradas à “lentidão” do processo e à “falta de transparência”
Apesar das boas expectativas sobre a nomeação, certo é que a longa demora no processo merece fortes críticas pelas personalidades ouvidas pelo ECO. “A Dra. Graça Freitas anunciou a sua saída atempadamente, este concurso demorou bastante tempo”, lamenta a antiga ministra da saúde Maria de Belém. “Foi lento, demasiado lento”, o que “mostra bem que a Administração Pública não é rápida a decidir”, corrobora Francisco George.
De notar que apesar de Graça Freitas ter comunicado ao Governo no final do ano passado que tinha a intenção de deixar a liderança da DGS — não renovando o mandato, que terminou a 31 de dezembro — só seis meses depois a CReSAP, a pedido do Governo, abriu o respetivo concurso para escolher o próximo líder da DGS. Contudo, o concurso falhou por não ter sido possível encontrar “três candidatos aptos a integrar a shortlist a apresentar ao membro do Governo”, o que levou à repetição do mesmo, segundo revelou, na altura, fonte oficial da CReSAP, ao ECO.
“É totalmente inaceitável o Ministério da Saúde demorar quase um ano” a escolher o próximo líder da DGS, defende Miguel Guimarães, lembrando que os atrasos não se limitam a este processo em particular. “ É exatamente a mesma coisa que aconteceu quando foi criada a Direção Executiva do SNS (DE-SNS), em que se disse que iam ser criados os estatutos e estes só apareceram quase um ano depois”, afirma, ao ECO, sinalizando ainda que também as nomeações de vários diretores clínicos têm sido “frequentes”. “Parecemos um país de terceiro mundo. Isto não dá credibilidade às instituições”, remata.
Uma outra fonte ouvida pelo ECO, que pediu para não ser identificada, é ainda mais crítica, referindo o “processo foi conduzido com total falta de transparência”, considerando ser “indistribuível” ter-se “arrastado” quase um ano para “afastarem o candidato mais prestigiado que era Rui Portugal”. [Depois] “afastam o atual diretor geral que tem muito mais experiência que a Dra. Rita Machado“, acrescenta a mesma fonte, levantando dúvidas sobre os “critérios da CReSAP no processo de seleção.
O ECO questionou a CReSAP sobre os nomes dos três candidatos que integraram a short-list apresentada ao Governo neste último concurso, bem como o qual o número total de candidatos ao concurso público, mas não foi possível obter uma resposta até ao fecho do artigo. Antes de a nomeação ter sido conhecida, o ECO também tinha vindo a questionar a entidade que gere o recrutamento de dirigentes da Administração Pública, mas esta escudou-se no “dever de sigilo”, nos termos da lei, que “comporta, designadamente, a obrigação de não divulgação pública dos factos, circunstâncias e critérios do júri, bem como da identidade dos candidatos até à decisão final de designação”.
De acordo com o anúncio publicado, a nova diretora-geral terá que seguir uma lista de e 12 atribuições e competências, sendo que pode esperar um vencimento base de 3.854,55 euros, a que acrescem 803,13 euros de despesas de representação.
Rita Sá Machado deve defender com “unhas e dentes” competências exclusivas da DGS
Em maio deste ano, o Fórum Médico de Saúde Pública, constituído pela Ordem dos Médicos, Federação Nacional dos Médicos, Sindicato Independente dos Médicos e a ANMSP, manifestou-se apreensivo com o “esvaziamento progressivo” das competências da DGS, lamentando que após ter tido um papel fundamental” na resposta à Covid-19, esteja agora a ser desvalorizada.
No espaço de pouco tempo, a autoridade nacional de saúde perdeu a liderança das relações internacionais, da saúde sazonal, da saúde mental, do envelhecimento ativo e saudável. Agora, com a publicação dos estatutos da DE-SNS, prepara-se para também perder a gestão da Doença Crónica e a Gestão da Qualidade em Saúde e Segurança do Utente, ficando cada vez mais confinada ao papel técnico-normativo. Com o esvaziamento de competências e a falta de atratividade, vão saindo também os profissionais, tal como escreveu o Expresso.
A situação é vista com “preocupação” por parte das personalidades ligadas ao setor ouvidas pelo ECO, dado o papel “absolutamente insubstituível” e de “prestígio” que o organismo com 124 de existência tem. Por isso, a esperança está agora na nova diretora-geral da Saúde.
A nova diretora-geral tem que defender com unhas e dentes aquilo que é da competência exclusiva da DGS”.
“A DGS é absolutamente importante não só nas questões relacionadas com a qualidade, como é o caso da definição de mapas de orientação clínica, mas também nas questões relacionadas com a prevenção das doenças, como a promoção da saúde, e as relacionadas com a saúde global, de modo a prevenir ou a estarmos preparados para responder a futuras pandemias”, realça Miguel Guimarães.
O ex-bastonário aponta que a “interceção de competências” não se passa apenas com a DGS, estando também a verificar-se na ACSS e nos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Mas insta Rita Sá Machado a “deixar totalmente esclarecida esta matéria e defender com unhas e dentes aquilo que é da competência exclusiva da DGS”. “Não e só a questão da perda de competências, é uma questão de recursos que têm de ser atraídos para a DGS”, acrescenta Francisco George, ao ECO.
Também o presidente da ANMSP considera premente “devolver à DGS as competências que lhe tiraram”, mas também preparar o organismo “para os próximos 30 anos”, tornando a instituição “mais funcional” e menos burocrática, de modo a que possa responder “rapidamente às necessidades da população”. “A DGS está muito bloqueada em termos de autorizações seja para o que for e rege-se por princípios burocráticos muito pesados, o que faz com que a máquina seja lenta e não responda no tempo que seria desejável. Essa mudança é imperativa“, destaca.
Por outro lado, o Gustavo Tato Borges pede ainda “melhorias no funcionamento da vigilância epidemiológica” para uma melhor atuação em casos de surtos e na preparação de planos de contingência para futuras pandemias, defendendo uma aposta “mais generalizada” ainda na integração da inteligência artificial e na digitalização na saúde.
Por fim, em linhas gerais e sublinhando que desconhece os “objetivos traçados para esta nova diretora-geral”, Maria de Belém lembra que a autoridade nacional de saúde “não funciona apenas para o SNS”, mas para “garantir a qualidade do que se faz de saúde em Portugal”, bem como contribui para a definição das políticas de saúde. A ex-ministra da saúde do governo de António Guterres realça que deve haver uma “coerência sistémica” para que “todos os instrumentos” remem “no mesmo sentido”. No seu tempo, “tudo funcionava como um puzzle”. “Quando começo a tirar um bocado de um lado para acrescentar outro”, deve haver “uma preocupação muito grande em termos de coerência sistémica global”, avisa.
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