BES Angola. Álvaro Sobrinho contesta competência dos tribunais portugueses e quer processo anulado

Arguidos do caso BES Angola contestam competência dos tribunauis portugueses. Defesa de Sobrinho diz que não faz sentido julgar em Portugal alegados crimes que foram arquivados na Suíça e Angola.

Ainda não é desta que Álvaro Sobrinho, Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Hélder Bataglia vão a julgamento por alegado desvio de centenas de milhões do BES Angola. Em causa a abertura de instrução – cujo requerimento o ECO/Advocatus teve acesso – que atrasa ou pode mesmo inviabilizar a ida a julgamento dos arguidos.

A abertura de instrução é uma fase facultativa do processo penal, que tem lugar após o encerramento do inquérito. Pode preceder o julgamento, se houver despacho instrutório de pronúncia. Pode fazer terminar o processo, se houver despacho de não pronúncia. Tem como finalidade verificar se a acusação ou o arquivamento se justificavam.

Na acusação, o Ministério Público defendeu a competência dos tribunais portugueses para julgar o caso, já que o BESA foi financiado pelo BES. Mas, como avançou a revista Visão, o arranque da fase de instrução, que será presidida pela juíza Gabriela Assunção do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, vários arguidos contestaram tal tese, defendendo o arquivamento do processo, já que os alegados factos foram praticados em Angola e não em Portugal.

Em julho de 2022, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) acusou Álvaro Sobrinho (ex-presidente executivo do BES Angola), Ricardo Salgado (ex-presidente do BES), Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES), Hélder Bataglia (ex-administrador do BES Angola) e Rui Silveira (ex-administrador do BES) de um total de 33 crimes no caso Banco Espírito Santo Angola (BESA). Sobrinho, Salgado, Morais Pires e Bataglia são acusados de terem alegadamente desviado fundos do BESA em proveito próprio, com recurso a diversas sociedades offshores com contas bancárias na Suíça.

Álvaro Sobrinho está acusado da prática de 23 crimes. Em causa estão crimes como burla agravada, abuso de confiança ou branqueamento de capitais, num esquema com recurso a testas de ferro através da concessão irregular de empréstimos, entre 2009 e 2013, de um total de 6 mil milhões de euros. Salgado, Morais Pires e Hélder Bataglia são considerados coautores por terem tido alegadamente conhecimento da gestão de Álvaro Sobrinho no BESA. E que acabou a ser utilizado na compra de dívida das entidades não financeiras do GES – sobretudo a Espírito Santo Enterprise e a Rio Forte – que vieram a ser declaradas falidas em 2014.

A defesa de Álvaro Sobrinho alega que a acusação deve ser declarada nula, já que o Ministério Público disse que iria juntar alguns documentos que constituem “prova essencial dos factos” mencionados mas, até à presente data, “e que o arguido desse conta, tal documentação não foi ainda junta, o que, no entendimento deste, configura uma nulidade da acusação”, diz o RAI.

“Sem tais provas estarem devidamente juntas à acusação, o arguido fica com a possibilidade de defesa absolutamente diminuída, porquanto não pode tomar posição sobre factos, ou provas dos mesmos, que desconhece. Por esta razão, requer-se que declarada nula a acusação em apreço, com as devidas e naturais consequências legais”.

O arguido insurge-se ainda contra o prazo que o juiz de instrução criminal concedeu a todos para a apresentação do requerimento de abertura de instrução. “Como já disse anteriormente, o arguido tem cinquenta dias, que são claramente insuficientes para apreciar e conhecer com alguma profundidade um processo que tem mais de 10 mil páginas e que consubstancia uma investigação com mais de dez anos”, escreve a defesa do arguido no requerimento.

“De qualquer forma, o arguido apresenta o RAI nesta altura, por uma questão de prudência e respeitando escrupulosamente o prazo concedido pelo juiz. Mas reserva-se, muito naturalmente, o direito de o aditar na forma que entender se lhe vier a ser, como se espera, reconhecido o direito de ter prazo maior para apresentação desta peça processual”, acrescenta.

Em que é a defesa de Álvaro Sobrinho sustenta o pedido de instrução?

  • “Não se aceita, nem se assume”, que o arguido tenha tido qualquer atuação criminosa tal como se constata “que toda a atuação ocorreu fora de Portugal”;
  • Quando a atuação “eventualmente criminosa ocorre fora de Portugal a lei penal portuguesa, em princípio, não se aplica, sendo que, na opinião do arguido aqui também se não pode aplicar”;
  • Além do mais, “ambos os países onde, alegadamente, foram praticados os crimes imputados ao Arguido – Angola e Suíça -, já declararam após apreciarem os mesmos factos que estão na base do presente processo, e como já consta dos presentes autos, que, aos seus olhos, não foi praticado qualquer crime”;
  • Tendo sido arquivados os processos que ” em tais jurisdições tentaram responsabilizar o arguido pelos mesmos factos. Assim. Entende o Arguido que a continuação do presente processo em Portugal, além de uma violação grosseira da competência internacional, é também uma violação grosseira do princípio segundo o qual, ninguém pode ser julgado
    mais do que uma vez pelo mesmo crime, valendo tal garantia para todas as pessoas e para todos os tribunais”;
  • O “arguido jamais ordenou transferências, para proveito próprio, de contas tituladas pelo BESA”, estivessem estas domiciliadas no BES ou noutro qualquer banco.
Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES AngolaANTÓNIO COTRIM/LUSA 18 Dezembro, 2014

Em março do ano passado, o juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Instrução Criminal aplicou a medida de coação de pagamento de uma caução de seis milhões e ainda a apreensão de passaporte. Ficou ainda proibido de sair do país, a não ser que pagasse a caução. Mas poderia movimentar-se em território europeu. Juntou-se assim a Manuel Pinho como os arguidos com a mais alta caução de sempre atribuídas.

O processo é anterior ao da queda do GES. Segundo o Ministério Público (MP), este processo investiga a transferência de verbas do Banco Espírito Santo (BES) para o BESA e o seu posterior “descaminho com o pretexto da sua afetação a processos de concessão de crédito“, revela o mesmo jornal.

Estas suspeitas constam de documentos incluídos nos autos do caso GES, cuja acusação foi realizada em julho deste ano. Os dois processos têm a mesma equipa de procuradores. O MP faz referência a negócios envolvendo imóveis dos fundos BESA Património e BESA Valorização, nos quais as sociedades Govesa e Socidesa aparecem como intermediárias entre o BESA e a BESACTIF “em sucessivos contratos-promessa de compra e venda”.

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