Olivier Blanchard: “Pode fazer sentido furar os limites do défice”
O ex-economista-chefe do FMI veio a Portugal apresentar um roteiro para acelerar o crescimento da economia nacional. E diz que faz sentido exigir mais flexibilidade nas regras de Bruxelas.
Durante anos, as recomendações das instituições internacionais centraram-se numa diretiva fundamental: para os países muito endividados, não há outro caminho a não ser cortar o défice. Mas ao fim de seis anos de políticas orçamentais restritivas, e depois de já ter cortado o défice para 2% — bem abaixo do limite imposto pelas regras comunitárias — Portugal recebeu esta quinta-feira um conselho disruptivo: o ex-economista-chefe do FMI defende que, se for bem justificado, faz sentido furar os limites de Bruxelas e aumentar o défice outra vez. Leu bem: pode valer a pena fazer subir o défice orçamental.
“Não há necessidade de consolidação orçamental dramática. Há condições em que Portugal deveria ser autorizado a ter um défice superior ao limite? Na teoria diria que sim, que há razões em que faria sentido financiar reformas através de dívida e não de receitas fiscais”, defende o macro economista Olivier Blanchard, num encontro com jornalistas, em Lisboa.
A regra que diz ‘absolutamente não’ a furar o limite dos 3%, é excessiva e pode haver projetos em que faça sentido superar esse limite.
E “o mesmo com o investimento, tem de haver investimento”, acrescenta, validando a ideia de furar outra vez o défice orçamental, se for para levar a cabo investimentos que aumentem o potencial de crescimento da economia. “A regra que diz ‘absolutamente não’ a furar o limite dos 3%, é excessiva e pode haver projetos em que faça sentido superar esse limite”, garante Blanchard.
A ideia do economista francês está plasmada num estudo sobre a economia portuguesa, desenvolvido em colaboração com Pedro Portugal, economista do Banco de Portugal, apresentado esta sexta-feira, em Lisboa, na conferência Portugal, from here to where? Depois de analisar os entraves ao crescimento de Portugal, os dois peritos chegam à conclusão de que o melhor caminho, neste momento, poderá ser financiar reformas ou projetos que aumentem o potencial de crescimento da economia para que, no médio prazo, o ritmo de subida do PIB seja superior e, por essa via, a dívida pública desça de forma mais evidente.
É por isso que Olivier Blanchard defende que “as regras orçamentais a nível europeu têm de ser repensadas”. Para Blanchard a flexibilidade que as regras comunitárias já permitem não chega, é preciso ir mais longe. “Bruxelas flexibilizou as regras, mas fez asneira”, garante, sem rodeios.
Para o macro economista faria sentido argumentar junto de Bruxelas em favor de investimentos ou reformas considerados determinantes para melhorar a economia portuguesa e obter aval comunitário para aplicar essas reformas fora do espartilho do Pacto de Estabilidade e Crescimento — a tal cartilha que impõe o limite de 3% de défice, sob pena de se entrar num procedimento por défice excessivo que conduz, em última análise, a sanções.
Não ultrapassaria o limite do défice unilateralmente. Iria a Bruxelas e defenderia os meus argumentos. A flexibilização das regras que já existe não é suficiente.
“Aquilo de que se precisa é de um processo em que alguém confirme a benignidade das reformas”, explica, seja essa avaliação feita em Portugal, ou em Bruxelas. “Não ultrapassaria o limite do défice unilateralmente. Iria a Bruxelas e defenderia os meus argumentos. A flexibilização das regras que já existe não é suficiente”, soma ainda o especialista.
E os mercados? E as agências de rating? “Portugal é visto neste momento como um país razoável. Se subirmos de 130% de dívida pública para 133%, se o que justificar forem coisas úteis aos olhos dos investidores… os investidores não são parvos”, responde Blanchard.
O estudo argumenta no mesmo sentido. Defende que não faz sentido acelerar o ritmo de consolidação orçamental que está planeado pelo Governo de António Costa, porque os ganhos na redução da dívida pública são muito limitados. E se “uma consolidação mais rápida é má, poderia uma expansão orçamental, tendo em conta uma dívida pública tão elevada, ser justificada? Acreditamos que pode muito bem ser, se o aumento no défice for usado para aumentar o crescimento potencial”, lê-se no documento. “Por outras palavras, a expansão orçamental correta pode não aumentar os spreads, mas antes potencialmente fazê-los descer”, adiantam ainda os peritos.
Na prática, e em português comum, trata-se de “virar o bico ao prego”: se os analistas financeiros argumentam que uma descida ligeira do endividamento ou um corte no défice que ainda não se comprovou que seja para durar, não muita de forma significativa a avaliação externa que é feita do país, então uma subida ligeira, pelos bons motivos, também não deve mudar. “Temos de educar Bruxelas e as agências de rating”, remata Blanchard.
E o que poderia Portugal fazer com essa flexibilidade adicional?
Para Olivier Blanchard há poucas dúvidas: a prioridade deveria ser resolver o problema do malparado na banca, e reformar o mercado de produto. Não é que não haja outras áreas onde fosse importante intervir politicamente — como é o caso do mercado laboral — mas estas são aquelas onde o incentivo para agir pode ser maior, que politicamente, dada a configuração parlamentar que suporta o Governo de António Costa, seriam menos custosas, e que mais ganhos no crescimento potencial poderiam imprimir.
Primeiro o malparado: no estudo, os dois economistas explicam como o elevado peso do crédito malparado da banca limita o apoio a empresas mais produtivas e congela os esforços em casos perdidos. Aqui é a conhecida teoria do FMI que está por trás desta recomendação, e que recentemente também foi defendida por Francisco Lacerda, presidente da Cotec, ao ECO: as empresas que não são economicamente viáveis devem fechar, o quanto antes. Não devem absorver esforços nem capital.
“O essencial é que os créditos malparados sejam removidos [dos bancos] para que estes se possam virar para empresas produtivas em vez de empresas zombies”, resume Blanchard. E como é que isso se faz? “Não há receitas mágicas”, lê-se no estudo. “A melhor opção é, acreditamos, limpar os balanços dos bancos dos seus créditos malparados, recapitalizá-los de forma adequada e, em alguns deles, mudar a sua estrutura de governo”, adianta o documento.
Para isto, é preciso capital. O ideal é que as injeções de capital sejam suportadas pelos privados, mas se não houver capacidade para isso em todos os casos, esta pode ser uma das situações em que vale a pena reclamar a tal flexibilidade orçamental adicional e furar os limites comunitários para o défice.
“Se para alguns bancos não houver capital privado disponível, faz sentido injetar capital público”, assegura Blanchard.
Na medida em que algumas reformas têm vencedores e perdedores, frequentemente pode fazer politicamente sentido, bem como ser socialmente justificado, compensar parcialmente os perdedores.
Depois, o mercado de produto. O economista explicou aos jornalistas que poderá fazer sentido apostar aqui. E, se for preciso, pagar aos “perdedores”, isto é, às camadas profissionais que ficam prejudicadas pelas reformas estruturais que venham a ser introduzidas.
O estudo feito em parceria com Pedro Portugal sumariza bem a ideia: o primeiro uso promissor da flexibilidade adicional é “aumentar o défice para ajudar a implementar e financiar as reformas estruturais. Na medida em que algumas reformas têm vencedores e perdedores, frequentemente pode fazer politicamente sentido, bem como ser socialmente justificado, compensar parcialmente os perdedores.”
Portugal não deve baixar o IRS
E já que estamos em onda de deixar subir o défice, faz sentido aproveitar para baixar o IRS? A medida está a ser negociada entre o Governo e os seus parceiros da esquerda, o BE e o PCP, já para o próximo orçamento do Estado. Blanchard diz “não”.
Baixar o IRS “daria um impulso ao crescimento de curto prazo, mas não traria mais do que isso. Aumentaria o consumo e o endividamento”, argumenta o economista. “Claramente não qualifica para uma medida que possa furar o limite do défice”, defende. E clarifica: “Se fizesse parte de uma comissão para validar uma redução dos impostos sobre o rendimento, eu diria não.”
Subir mais o salário mínimo é perigoso
Na sequência dos acordos com a esquerda parlamentar, António Costa inscreveu no seu Programa de Governo um aumento continuado do salário mínimo nacional, até atingir os 600 euros em 2019. Este compromisso tem vindo a ser reafirmado pelo Governo e está muito longe de ter sido esquecido por parte da esquerda.
A menos que as contribuições sociais sejam reduzidas (…), o plano para aumentar o salário mínimo para 600 euros em janeiro de 2019, quando deverá abranger 30% dos trabalhadores, é provável que tenha um efeito adverso no emprego.
Mas Olivier Blanchard defende que esta pode ser uma ideia perigosa, já que o salário mínimo atual, de 557 euros mensais, já representa cerca de 60% do salário mediano. E este é um “sinal vermelho” para os economistas: a partir deste valor, os reflexos no emprego começam a ser visíveis, sobretudo para os trabalhadores com menos qualificações.
“A menos que as contribuições sociais sejam reduzidas (…), o plano para aumentar o salário mínimo para 600 euros em janeiro de 2019, quando deverá abranger 30% dos trabalhadores, é provável que tenha um efeito adverso no emprego”, explica o estudo.
Mas se subir o salário mínimo não é boa ideia, para os economistas voltar aos cortes salariais também dever ser colocado de parte. Provocaria uma quebra no consumo e nos preços, provavelmente deflação e aumento da dívida. Além disso, o caminho de ganhos de competitividade que o país já fez torna este argumento mais fraco, explica o estudo.
Sobre o mercado de trabalho, os peritos reconhecem que já foram feitas reformas mas defendem que se deve ir mais longe. As reformas, neste momento, devem contudo ser ao nível micro, centradas no conceito de flexi-segurança e sobretudo focadas em tornar “os custos do despedimento mais previsíveis para as empresas”, explica o estudo.
Também não deve pensar em reestruturações hard da dívida
Outra ideia que o economista retira de cima da mesa é a hipótese de reestruturações mais duras da dívida, do que a simples recompra de títulos e modelização das maturidades, como tem vindo a ser feito pelo IGCP.
“Portugal consegue pagar a dívida sem reestruturação. O custo de começar um debate desses seria enorme”, garante. Enorme porquê? “Portugal seria visto como a Grécia. E a última coisa que podem querem é ser vistos como a Grécia.” Blanchard é conservador neste ponto: “Não recomendaria tampouco iniciar esse debate”, diz. E frisa: “Portugal consegue superar sozinho.”
Nem faz sentido sair do euro
Os dois autores do estudo abordam a hipótese de Portugal sair do euro. Seria mais fácil para o país recuperar competitividade por essa via e voltar a crescer mais depressa? Blanchard e Portugal argumentam que não.
“O problema de competitividade de Portugal já foi largamente resolvido, ainda que não inteiramente”, lê-se no estudo. “Por isso o principal racional para a saída é muito mais fraco do que poderia ter sido mais cedo”, explicam. Mas fazem questão de sublinhar: “Isto não implica que o Euro seja um sistema perfeito, mas apenas que sair do Euro quase de certeza que não vale a pena para Portugal, neste momento.”
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