Marcelo avisou que perda de estabilidade política seria culpa do atual Governo

Há um ano, o Presidente da República deixou recados ao atual Executivo sobre o risco de desbaratar fundos europeus e erros da maioria absoluta socialista que poderia fomentar a instabilidade.

Quase como profeta, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anteviu, há um ano, o que mais temia: a perda de estabilidade política e, com isso, o risco de desbaratar 2023, um ano que o Chefe do Estado disse que seria “irrepetível”. Marcelo já tinha atirado toda a responsabilidade para os ombros da maioria absoluta socialista de António Costa. Reveja os recados de Belém na mensagem de Ano Novo para 2023.

Perda de estabilidade política é culpa do atual Governo

“Um Governo de um só partido, com maioria absoluta, mas por isso mesmo, com responsabilidade absoluta. Estabilidade que só ele e o Governo e a sua maioria podem enfraquecer ou esvaziar ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação interna, ou por inação, ou por falta de transparência, ou por descolagem da realidade”, alertou o Chefe do Estado na sua mensagem de Ano Novo para 2023.

Na altura, elogiou a “vantagem comparativa” de Portugal, “que é muito rara na Europa e no mundo democrático, e que se chama estabilidade política”. Vantagem para “defendermos com outros as reformas da Europa, sem as quais não garantiremos a sua resposta económica e financeira, a sua preparação para mais alargamentos”, sublinhou.

As preocupações de Marcelo acabariam, mais cedo do que se esperava, por se concretizar, com a demissão inaudita do primeiro-ministro António Costa, a 7 de novembro, quando soube que o seu nome estava inscrito num parágrafo da Procuradoria-Geral da República (PGR), no âmbito da Operação Influencer, que está a investigar suspeitas de corrupção nos negócios do lítio, hidrogénio verde e do centro de dados de Sines.

Por arrasto, todo o Governo acabaria por cair. O Presidente podia, então, optar por viabilizar um novo Executivo de maioria absoluta socialista, solução que rejeitou, ou devolver a voz ao povo. Foi essa a sua decisão com a convocação de eleições legislativas antecipadas.

Poucos dias antes, a 31 de outubro, a proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2024, tinha sido aprovada na generalidade, mas ainda faltava todo o processo na especialidade com a discussão e votação das alterações que iriam ser apresentadas pelos partidos com assento parlamentar.

Entrar em 2024 sem orçamento, com o País em duodécimos, iria comprometer seriamente a execução de investimento públicos, nomeadamente dos fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Por isso, Marcelo, ainda que tenha rejeitado viabilizar um novo Governo do PS, deixou passar primeiro o OE para 2024, atirando para mais tarde a dissolução da Assembleia da República, a 15 de janeiro, e as eleições antecipadas para 10 de março.

O Chefe do Estado já tinha defendido, na mensagem de há um ano, que 2023 era decisivo e irrepetível, daí que tenha procedido em conformidade. É, aliás, expectável que, no discurso de Ano Novo para 2024, Marcelo volte ao autoelogio da generosidade. Ainda na semana passada, durante o Encontro Anual da Diáspora, que decorreu em Cascais, o Chefe do Estado referia-se a si próprio nos seguintes termos: “A forma muito generosa como o Presidente tem entendido este período intercalar de gestão”.

Nesse discurso, Marcelo já praticamente ensaiou a sua mensagem de Ano Novo, voltando a defender a importância da execução dos fundos europeus do PRR. “Num período de fundos europeu irrepetíveis, o desafio continua de pé: manter o ritmo de recuperação dos últimos seis meses e multiplicá-lo até porque chegaram novos desembolso”, afirmou há uma semana.

Este tema não é de agora. No primeiro dia de 2023, teve um peso central no discurso de Marcelo ao País.

Fundos europeus “irrepetíveis”: “seria imperdoável que desbaratássemos” 2023

“Está ao nosso alcance tirarmos proveito de fundos europeus que são irrepetíveis […] E nunca me cansarei de insistir que seria imperdoável que desbaratássemos 2023”, afirmou há um ano a partir do Palácio de Belém.

O Presidente insistiu que “2023 é decisivo”. “Se o perdermos em intervenção internacional, em atuação europeia, em instabilidade […] em uso criterioso e a tempo de fundos europeus, de nada servirá a consolação de nos convencermos de que ainda temos 2024, 2025 e 2026 pela frente”, alertou.

E reforçou: “Um 2023 perdido, compromete irreversivelmente os anos seguintes. Até porque será o único ano até 2026 sem eleições nacionais ou de efeitos nacionais. 2024, 2025 e 2026 serão um longuíssimo período de constante campanha pré-eleitoral e eleitoral”.

De facto, Marcelo conseguiu ainda segurar um 2023 sem eleições, apesar da crise política, marcando-as para 10 de março de 2024, de forma a não abalar a execução do PRR e a aprovação do Orçamento do Estado. Agora, a estabilidade política, considerada tão crucial, para levar a bom porto os fundos europeus e o crescimento económico já foi colocada em causa com a exoneração de António Costa, que passou de humilde demissionário a otimista irritante num espaço de poucas semanas, já com confiança para abraçar um futuro palco no Conselho Europeu.

Agravamento da pobreza e das desigualdades

Há um ano, Marcelo reconheceu que “2022 não foi o ano da viragem esperada”. Por isso, “entramos em 2023 obrigados a evitar que seja pior do que 2022”. O Presidente admitiu que, num contexto de guerra e de inflação, “Portugal aguentou melhor do que alguma Europa no crescimento, no turismo, no investimento estrangeiro, na autonomia energética, no défice do orçamento”. Mas, sublinhou, “sofreu e sofre na subida dos preços, no corte dos rendimentos, no corte dos salários reais, nos juros da habitação, no agravamento da pobreza e nas desigualdades sociais”,

Ou seja, o Chefe de Estado pediu ao Governo para ver mais para além das contas certas que, este ano, vão alcançar um excedente recorde de 0,8% do PIB. O saldo positivo vai diminuir em 2024 para 0,2%, segundo as projeções do Orçamento do Estado, mas ainda sem entrar em défice.

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