Equipas multigeracionais funcionam melhor, mas ainda há discriminação dos trabalhadores mais velhos. Elena Duran, fundadora da plataforma 55+, apela a que as empresas abracem a diversidade etária.
Foi quando o pai passou à reforma, aos 60 anos — e depois de décadas como professor primário –, que Elena Duran começou a pensar nos anos que seguem a vida de trabalho. Tinha acabado de chegar a Portugal e estava a trabalhar numa multinacional, mas a inquietude em torno dessa questão não serenou. Até que em outubro de 2018 lançou-se no empreendedorismo social e deu à luz a 55+, plataforma que permite às pessoas com 55 anos ou mais prestar serviços, de pet sitting a aulas de línguas.
Em entrevista ao ECO, a fundadora conta como tudo começou, debruça-se sobre o novo programa desta plataforma — o “My next steps” está a ajudar as empresas a prepararem os trabalhadores para a reforma — e não poupa críticas à discriminação hoje sentida pelos mais velhos no mercado de trabalho português.
Cinco anos depois da criação, a 55+ conta com mais de três mil prestadores de serviço, tendo sido já efetuadas mais de 40 mil horas de serviço e acumulados mais de 200 mil euros em remuneração.
Os prestadores podem trocar os seus serviços por outros que estejam disponíveis na plataforma, mas a maioria escolhe receber diretamente o pagamento, fazendo da 55+ também um bom modo de complementar a pensão, sublinha Elena Duran. Isto num país em que as reformas são cronicamente baixas — a pensão de velhice média ronda os 500 euros.
O idadismo é a terceira maior forma de discriminação no mundo, depois do sexismo e do racismo. É importante que se faça um trabalho de consciencialização, de educação e de políticas públicas para combater o idadismo.
Fala-se muito das dificuldades que os jovens enfrentam ao entrar no mercado de trabalho. Em contraste, como é ter mais de 55 anos no mercado de trabalho português?
Infelizmente, não é uma situação muito favorável ou positiva. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a faixa etária entre os 55 e 74 anos é de longe a que tem mais desempregados que estão nessa situação há mais de um ano. Há uma discriminação em função da idade. O idadismo é a terceira maior forma de discriminação no mundo, depois do sexismo e do racismo. Esta situação tem consequências significativas nas pessoas e até na sociedade e nas organizações. Realmente, é uma oportunidade para todos, mas é importante que se faça um trabalho de consciencialização, de educação e de políticas públicas para combater o idadismo.
Sente que os desafios que estão colocados aos mais velhos têm sido, de algum modo, esquecidos face à urgência das questões que assolam os mais jovens?
Sem dúvida. A intervenção social e política que se faz para com esta faixa etária é muito menor do que noutras faixas etárias. Acredito que, perante um contexto onde o envelhecimento da população é crescente, isto altera o mercado de trabalho. Tem de haver uma adaptação. Já estamos a olhar para este desafio de forma diferente, mas ainda há um longo caminho para fazer.
O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) tem vários apoios à contratação de jovens. Como comparam as políticas dirigidas especificamente para os mais velhos?
O Governo tem um papel vital a desempenhar no combate ao idadismo, através de políticas públicas. Isso não sido feito. Devia haver incentivos para que se conseguissem criar ambientes intergeracionais nas empresas. Há preconceito para com as pessoas mais velhas. Os colegas da 55+ dizem-nos que não têm trabalho porque as empresas pensam que são um recurso mais caro, menos flexível, mais lento e com menos adaptabilidade. É normal que as pessoas mais novas, que nasceram com as tecnologias, sejam mais rápidas a usar estas ferramentas, mas não quer dizer que as pessoas mais velhas não consigam aprender. Temos muitos casos desses. A própria OCDE tem um relatório, que indica que as empresas que têm 10% de trabalhadores com mais de 50 anos são mais produtivas. Por outro lado, na maior parte dos casos, as organizações têm clientes de todas as idades. É muito importante que na própria organização haja pessoas de todas as idades, para dar melhor resposta a esses clientes.
Muitas empresas que nunca tínhamos pensado que iam olhar para este mercado para fazer contratações, estão a vir ao nosso encontro. Se a população está a envelhecer, é importante que as organizações identifiquem estas oportunidades.
A propósito, especialmente desde a recuperação pandémica, as empresas têm reclamado muito da escassez de mãos. Esse cenário veio mitigar o idadismo?
A escassez de mãos abre a mentalidade das empresas a olharem para outro tipo de trabalhadores. Antes, a tendência era estar a olhar sempre para os recursos mais novos. Da experiência que temos da 55+, muitas empresas que nunca tínhamos pensado que iam olhar para este mercado para fazer contratações, estão a vir ao nosso encontro. Se a população está a envelhecer, é importante que as organizações identifiquem estas oportunidades. Não há outro caminho.
Como disse, um obstáculo ao regresso ao mercado de trabalho das pessoas mais velhas são as competências tecnológicas. Que avaliação faz das oportunidades de formação nessas áreas que estão disponíveis?
A formação ao longo da vida é fundamental por duas razões. Por um lado, estamos numa sociedade em contínua mudança. É importante que qualquer pessoa, em qualquer idade, esteja sempre a formar-se, porque isso faz com que sejamos mais versáteis profissionalmente e incentiva a inovação e a criatividade. Por outro lado, também tem muitos benefícios para a nossa saúde. A formação contínua é imprescindível para o treino cognitivo, para fazermos a manutenção da nossa mente. Porém, fomos formatados para que a vida esteja dividida em três etapas: estudamos, trabalhamos e, depois, paramos e vamos para a reforma. Isso é algo que está a mudar, de modo a que em qualquer momento da vida possamos voltar a estudar, mudar de trabalho ou viajar.
Temos de acabar com a ideia de que a reforma é uma paragem, pelo que diz. Como surgiu a ideia de criar a 55+?
O despertar desta necessidade foi quando o meu pai se reformou. Ele reformou-se aos 60 anos. Tinha uma vida super ativa, porque trabalhava numa escola pública na Andaluzia, a minha terra natal. Para mim e para o meu irmão, surgiram algumas dúvidas sobre o que o pai poderia fazer e que consequências teria. Foi no mesmo ano que cheguei a Portugal, em 2009. Vim trabalhar numa multinacional, mas sempre com uma inquietude. Há pouca preparação para a nova etapa. Temos tantos anos pela frente que ficamos perdidos.
No início, até descansas e achas que vais aproveitar os netos. Mas, depois, chega um momento em que, se não tens um propósito…
Acha que é porque o corte é abrupto? Num dia estamos a trabalhar, no seguinte estamos reformados. Não há uma transição gradual.
É uma das razões. A outra é não haver preparação. No início, até descansas e achas que vais aproveitar os netos. Mas, depois, chega um momento em que, se não tens um propósito… O que temos de realçar é que é preciso dar um propósito, para que as pessoas saibam que continuam a ser úteis para a comunidade. Se não, ficam perdidas.
Como é que funciona a 55+? Os profissionais inscrevem-se e, depois, são conectados a empresas?
A 55+ é uma plataforma digital. Os talentos 55+ inscrevem-se, porque estão numa situação de desemprego, reforma ou inatividade, mas continuam a acreditar que podem dar muito à comunidade. Por outro lado, temos pessoas que precisam do tempo e do conhecimento destas pessoas com mais de 55 anos. Através da plataforma, fazemos com que se encontrem. As pessoas não têm de oferecer serviços na área em que trabalharam durante a vida. Podem reinventar-se. Temos muitos casos desses.
Esses serviços são remunerados? É uma forma de complementar a reforma?
Temos feito uma medição do impacto social, em conjunto com parceiros, como a Universidade de Aveiro, a Fundação Aga Khan e a Fundação Ageas. Este foi um dos pontos em destaque: as pessoas sentem-se mais valorizadas, porque não é apenas voluntariado. É um complemento financeiro muito necessário para acompanhar as reformas, que são muito baixas em Portugal. Damos a opção de fazer troca de serviços, em vez de receber o dinheiro. É pequena a percentagem de quem escolhe esta opção. A maior parte prefere receber o dinheiro, porque precisam dele.
Não estou a dizer que é o melhor dos talentos. Mas é talento que complementa muito bem. Esta sinergia com outras pessoas é muito positiva.
Recentemente, lançaram também uma nova funcionalidade para ajudar as empresas a prepararem os trabalhadores para a reforma. Que tipo de apoio prestam?
Este é um programa que desenvolvemos no sentido de formar e educar as pessoas para este conceito do multistage life, em que em qualquer momento podem voltar a estudar, a viajar, a reinventar-se. O “My next steps” é para que as pessoas consigam pensar com antecipação nos seus próximos anos. Temos muitos anos pela frente e, se fizermos este exercício, podemos aproveitá-los muito bem. Isto promove a longevidade saudável.
Mantendo-se o idadismo e a discriminação de que falava, estamos a desperdiçar talento que seria importante para o crescimento das economias, até tendo em conta a experiência que têm?
Não tenho dúvidas. Estamos a desperdiçar talento fundamental e complementar. Não estou a dizer que é o melhor dos talentos. Mas é talento que complementa muito bem. Esta sinergia com outras pessoas é muito positiva. Aproveitarmos esse talento seria positivo para as próprias pessoas, para a própria sociedade e para as organizações. A Universidade Católica do Porto fez um estudo que afirma a necessidade de abraçar a diversidade etária nas organizações. Não o fazer, é desaproveitar o talento.
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“Estamos a desperdiçar talento fundamental ao discriminar trabalhadores mais velhos”
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