Caso EDP. Defesa de Ricardo Salgado aponta vícios a perícia de Alzheimer
Advogados apontam o dedo à psicóloga que sugeriu que Salgado poderá ter exagerado ou "exacerbado os sintomas" da doença. Falam da falta de currículo da perita em idosos com Alzheimer.
Os advogados de defesa do ex-líder do BES querem que a perícia feita por técnicos independentes a Ricardo Salgado no caso EDP, relativamente à doença de Alzheimer, seja revista e que os respetivos peritos testemunhem em tribunal. No requerimento enviado ao tribunal na segunda-feira, a que o ECO/Advocatus teve acesso, é pedido que “seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outro ou outros peritos”. Essa mesma renovação tem de incidir sobre os mesmos detalhes e pormenores e só pode ser realizada por outros médicos. Bem como é pedido que “antes da audiência para prestação dos esclarecimentos por parte dos peritos, estes procedam à junção de todos os testes, incluindo questões, respostas e resultados, que foram realizados ao arguido nesta perícia”.
Em janeiro, mais uma perícia independente – neste caso pedida pela juíza do caso EDP – confirmou que Ricardo Salgado sofre de doença de Alzheimer. O relatório foi assinado por uma neurologista, um psiquiatra e uma consultora de psicologia do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF). “A doença de Alzheimer é causa mais provável do quadro clínico do arguido”, diz a perícia médica de quase 50 páginas.
Porém, na conclusão da psicóloga Renata Benavente -uma das peritas – apesar de terem ficado apuradas “alterações significativas ao nível da orientação, atenção e memória – não orientado no tempo, incapaz de compreender algumas tarefas, atenção sustentada comprometida – e lentificação psicomotora”, esse relatório acrescenta que “na análise de eventual esforço insuficiente ou tentativa de simulação durante o processo de avaliação, o examinando efetua relatos de sintomas neurológicos ilógicos ou muito atípicos e sintomas relacionados com distúrbios de memória que são inconsistentes com padrões de comprometimento produzidos por disfunção ou dano cerebral real, sugestivos da tentativa de exacerbar dificuldades”. Ou seja, sugere que Ricardo Salgado poderá ter exagerado ou exacerbado os sintomas.
E é precisamente a esta consultora de psicologia que este requerimento – assinado por Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce – aponta o dedo. Os advogados admitem que “na verdade, a perícia do caso concreto implica que o perito seja especialista não apenas na área da neurologia, mas também tenha experiência adequada especificamente quanto à doença de Alzheimer, incluindo em idosos”.
Experiência que a profissional não tem, dizem os advogados, já que as intervenções públicas da perita “vão no sentido de a sua experiência profissional mais relevante ser focada em jovens, como ocorreu, por exemplo, quando respondeu a perguntas de jornalistas do Expresso sobre a saúde mental das crianças na pandemia ou comentou publicamente num canal de televisão a detenção de um jovem que estaria a planear um ataque numa universidade. O que, aliás, está em linha com o trabalho científico na área da delinquência juvenil já elaborado. Por último, a nota curricular da perita, que consta publicada em Diário da República também reforça a sua falta de especialidade na área de neuropsicologia, em particular a falta de experiência na avaliação de Doentes de Alzheimer”.
Renata Benavente é pós-graduada em proteção de menores (2007) e em Estudos e Intervenções com Famílias (2006). Foi psicóloga em Instituição Particular de Solidariedade Social, na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Almada (1998/2005), técnica Superior na Equipa de Acompanhamento às Crianças e Jovens da Amadora e coordenadora da Equipa de Acompanhamento às Crianças e Jovens Amadora. É psicóloga forense no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses desde 2011, coordenadora dos Grupos de Trabalho da OPP sobre a Intervenção do Psicólogo em Contexto de Violência Doméstica e Psicogerontologia desde 2017 e formadora de professores no âmbito da Indisciplina Escolar, Gestão de sala de Aula e Mediação Escolar, no Seixal.
Os advogados referem ainda a descrição que Renata Benavente faz do seu perfil e experiência profissionais na rede social LinkedIn, não se refere a conhecimentos especializados em Doença de Alzheimer (ver abaixo). Por tudo isto, “afigura-se evidente que a capacidade técnica da senhora perita é – pelo menos – duvidosa especificamente quanto ao objeto da perícia em causa neste caso concreto, o que inquina a perícia realizada”.
Como psicóloga, dediquei a maior parte da minha carreira a investigar e intervir em grupos de alto risco. Tenho particular interesse nos efeitos dos maus-tratos e da negligência na vinculação das representações das crianças. Os fatores que contribuem para a estabilidade ou a mudança da vinculação entre as idades pré-escolar e a infância e outras áreas de interesse. Também desenvolvi capacidades de intervenção e investigação em outras matérias, tais como: medidas de avaliação de abusos de crianças e negligência de crianças, o desenvolvimento de programas de intervenção para famílias de alto risco e o impacto de conflitos parentais após a separação no desenvolvimento da criança”
Quais as razões apontadas pela defesa?
- A existência de dúvida sobre a capacidade técnica de uma das peritas, a psicóloga Renata Benavente relativamente à avaliação da doença de Alzheimer e seus efeitos em pessoas idosas. “Verifica-se a existência de dúvida sobre a capacidade técnica da consultora de Psicologia relativamente à avaliação da patologia específica da Doença de Alzheimer e seus efeitos em pessoas idosas”, diz o requerimento.
- O Instituto Nacional de Medicina Legal faz uma referência expressa à necessidade de realizar uma “avaliação neuropsicológica”. Renata Benavente “não tem a especialidade avançada de neuropsicologia, conforme resulta da sua própria página profissional do LinkedIn mas sim especialidade avançada em Psicologia da Justiça e em Psicologia Comunitária”.
- A descrição que a a própria faz do seu perfil e experiência profissionais não se refere a conhecimentos especializados em doença de Alzheimer.
- A perícia do caso concreto implica que o perito seja especialista não apenas na área da neurologia, mas também tenha experiência adequada especificamente quanto à doença de Alzheimer, incluindo em idosos;
- A indevida elaboração de diferentes relatórios periciais, sendo que um deles nem sequer enunciou, de forma objetiva, os quesitos;
- Existem insuficiências, incoerências e contradições nos relatórios periciais (plural), o que, aliás, também resulta, entre outros aspetos, de terem sido indevidamente produzidos distintos relatórios. “A avaliação médica em causa na perícia dos presentes autos enferma de insuficiência, porquanto a leitura dos dois relatórios periciais permite verificar que a perícia foi realizada sem que os peritos dispusessem de todos os elementos relevantes dos presentes autos para este efeito”;
- Há também contradição e inconsistência entre o relatório pericial de psiquiatria e o relatório pericial de psicologia, porquanto o relatório pericial de psiquiatria afirma que “em relação à função cognitiva, estava orientado na pessoa, no espaço e parcialmente no tempo”, mas o relatório de psicologia refere, expressamente, o seguinte: “não orientado no tempo” e “à data da avaliação apuram-se alterações significativas ao nível da orientação, atenção e memória (e.g. não orientado no tempo, incapaz de compreender algumas tarefas, atenção sustentada comprometida)”. É, pois, evidente e “manifesta a contradição e inconsistência da perícia realizada nos presentes autos, o que também é o resultado de terem sido produzidos, indevidamente, dois relatórios autónomos”.
- A perícia incorreu ainda em vício de insuficiência por não ter realizado todos os exames médicos relevantes ao arguido, de forma atualizada, nomeadamente um exame PET, tendo apenas feito referência ao exame PET realizado em 2021 que foi junto aos autos pela defesa, o qual foi realizado há mais de dois anos e meio;
- E relembra que existem peritos que “detêm conhecimentos e meios adequados que suplantem a dúvida sobre a (falta) de capacidade técnica de Renata da Silva Benavente, desde logo, porque existem psicólogos com especialidade avançada em psiconeurologia, tal como reconhecido pela Ordem dos Psicólogos ou, pelo menos, com vasta experiência na avaliação e tratamento da Doença de Alzheimer”;
- O arguido é um paciente real com a Doença de Alzheimer, “embora o relatório de psicologia tenha evitado afirmar isto, pelas suas próprias palavras, a todo o custo”;
- A defesa faz inclusive a comparação com a perícia realizada no processo cível de Cascais em que interveio um neuropsicólogo, ao contrário desta. “Afigura-se notória a diferença entre a objetividade e a suficiência entre o relatório pericial produzido nesse processo e a insuficiência e falta de rigor técnico da perícia realizada nos presentes autos”. Recordando que “estamos perante perícias realizadas quase em simultâneo, relativas ao mesmo arguido e à mesma doença…”;
Já em outubro, a perícia neurológica realizada no âmbito do processo cível que corre no Tribunal de Cascais, feita pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) confirmou que Ricardo Salgado sofre de Alzheimer, estando atualmente no segundo grau mais grave da doença, com “dependência de terceiros para algumas atividades básicas”. Depois desta fase, passará para a “dependência total”.
Esta seria a perícia perícia independente a confirmar o que, até agora, foi alegado pela defesa de Ricardo Salgado nos diversos processos pendentes – como a Operação Marquês, caso BES e o processo EDP – e conclui que as declarações que Salgado possa fazer em tribunal estão comprometidas. A avaliação “neuropsicológica realizada no examinando é compatível e concorda com a que nos foi facultada e está enquanto prova documental junto aos autos”, dizem os peritos, referindo-se ao relatório feito pelo neurologista de Salgado, Joaquim Ferreira, pedido pela defesa e que foi junto aos vários processos do arguido.
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