Salgado tem mesmo doença de Alzheimer. E está incapaz de prestar declarações, dizem peritos independentes
O ECO teve acesso ao relatório da perícia médica do Instituto Nacional de Medicina Legal. O ex-líder do BES está no segundo grau mais grave da doença e depende de terceiros para fazer tarefas básicas.
O Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) confirma: Ricardo Salgado, ex-líder do Banco Espírito Santo (BES), sofre de Alzheimer, estando atualmente no segundo grau mais grave da doença, com “dependência de terceiros para algumas atividades básicas”. Depois desta fase, passará para a “dependência total”. O relatório médico, a que o ECO/Advocatus teve acesso, foi assinado por um psiquiatra, neurologista e neuropsicólogo, peritos independentes nomeados exclusivamente pelo INML.
Assim, a perícia confirma o que, até agora, foi alegado pela defesa de Ricardo Salgado nos diversos processos pendentes – como a Operação Marquês, caso BES e o processo EDP – e conclui que as declarações que Salgado possa fazer em tribunal estão comprometidas. A avaliação “neuropsicológica realizada no examinando é compatível e concorda com a que nos foi facultada e está enquanto prova documental junto aos autos”, dizem os peritos, referindo-se ao relatório feito pelo neurologista de Salgado, Joaquim Ferreira, pedido pela defesa e que foi junto aos vários processos do arguido.
A defesa do banqueiro tem vindo a insistir que, nos últimos dois anos, ao longo dos vários processos que envolvem o seu cliente – BES/GES, Marquês e caso EDP – que fosse pedida uma perícia médica independente ao INML, de forma a que se confirmasse a doença que foi diagnosticada pelo neurologista do ex-banqueiro. Os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce já tinham juntado aos autos o parecer do neurologista Joaquim Ferreira, que atestou “um diagnóstico final e definitivo”, confirmando que o antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES) tem Doença de Alzheimer apresentando “um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras”.
É expectável dificuldade acrescida seja na prestação seja na devida valoração pelo Tribunal, já que faculdades como a memória, a atenção, a velocidade de processamento e mesmo a linguagem e discurso estão diminuídas em nível apurado e descrito nas avaliações funcionais neuropsicológicas e não conseguimos assegurar que a informação obtida seja fidedigna.
Quais as conclusões dos peritos, face às questões jurídicas?
No que toca à alegação de Salgado de que sofre de Alzheimer
- Confirma-se que o ex-líder do BES sofre de “patologia neurológica/neuropsiquiátrica, mais propriamente Doença de Alzheimer muito provável, estando não só presente a necessária semiologia clínica, como sendo o diagnóstico igualmente suportado por exames complementares de diagnóstico estruturais (imagiológicos), funcionais (neuropsicológicos) e fisiopatológicos (biomarcadores)”.
Impossibilidade de comparecer em tribunal
- Os médicos dizem que não existe propriamente uma “impossibilidade em comparecer”, mas não têm dúvidas que as declarações de Salgado estão “comprometidas” devido à “sua patologia e “à situação que em si sempre será stressante para qualquer cidadão”;
- Mas os médicos avisam que a doença em causa “não impossibilita nem é impeditiva”, da comparência e da realização de declarações por parte de Salgado, “admitindo-se, todavia, que possa ser útil e medicamente recomendável que se possa acompanhar por pessoa que escolha, para o que está capaz”;
- Os peritos falam ainda que “face às dificuldades de marcha e mencionado o risco de queda, tal deverá ser tido em consideração no mínimo sendo auxiliado por exemplo com uso de cadeira de rodas ou por alguém ao seu lado, enfatizando-se que a sua esposa aparentemente surge como figura para si muito importante afetivamente e assim contentora de ansiedade e angústia”;
- Devido às “dificuldades várias, incluindo em razão de patologia neuropsiquiátrica e outras condições de saúde física”, estamos “em crer ser cautelar o evitar sessões prolongadas no tempo sem interrupções, até perante cansaço fácil”.
Ainda que seja possível o arguido ser ouvido sobre os designados temas da prova, do ponto de vista estritamente científico não se pode garantir que pormenores de natureza espacial, temporal e de conteúdo sejam relatados de forma rigorosa, já que poderá efetivamente recordar, ou não recordar.
Prestação de depoimento sobre a prova
- Os três especialistas concluem, assim que pode “estar comprometida mas não impossibilitada a prestação de depoimento sobre matéria dos temas de prova, sendo que atenta a diminuição das funções cognitivas apuradas e descritas, é expectável dificuldade acrescida seja na prestação seja na devida valoração pelo Tribunal, já que faculdades como a memória, a atenção, a velocidade de processamento e mesmo a linguagem e discurso estão diminuídas em nível apurado e descrito nas avaliações funcionais neuropsicológicas e não conseguimos assegurar que a informação obtida seja fidedigna”.
- Ou seja, ainda que seja possível o arguido “ser ouvido sobre os designados temas da prova, do ponto de vista estritamente científico não se pode garantir que pormenores de natureza espacial, temporal e de conteúdo sejam relatados de forma rigorosa, já que poderá efetivamente recordar, ou não recordar”. Mas deixa a bola do lado do Tribunal que deverá, “após o suporte e âmbito material desta diligência, ajuizar se o nível de compromisso existente é a ponto de prejudicar ou não o comparecer com efeitos úteis”.
E quais são as conclusões médicas?
- Ricardo Salgado apresenta “critérios clínicos para Perturbação Neurocognitiva Major em fase de demência moderada e causada por Doença de Alzheimer, situação clínica prevista e definida nos principais sistemas de classificação”.
- O diagnóstico é tido mesmo “como de elevada probabilidade, face às evidências clínicas e presença de biomarcadores específicos nos meios complementares de diagnóstico realizado”.
- A avaliação neuropsicológica realizada “é compatível e concordante com a que foi facultada e está enquanto prova documental junto aos autos”. Ou seja: compatível com o relatório médico do neurologista de Ricardo Salgado.
- O estudo que os médicos fizeram das funções nervosas complexas de Salgado revelou “dificuldades ao nível da linguagem, da orientação, da atenção, da velocidade de processamento, da memória de trabalho, da memória prospetiva, da capacidade de aprendizagem de uma lista de palavras sem chaves de associação, da memória visual e do cálculo escrito”;
- Observa-se igualmente “alteração nos hábitos e da funcionalidade ao nível do minimamente razoável de adequação no desempenho das atividades quotidianas”.
- E ainda uma alteração no desempenho das atividades quotidianas e nos hábitos da “vida quotidiana” (incapacidade para lidar com pequenas importâncias de dinheiro, incapacidade para recordar pequenas listas, incapacidade para recordar acontecimentos recentes – esta última com presença inconsistente), “mudança de hábitos” (revela alguma dificuldade em vestir-se autonomamente) e “alterações na personalidade, nos interesses e no entusiasmo (flexibilidade diminuída, aplanamento dos afetos, diminuição do controlo emocional, embotamento das respostas emocionais, abandono dos interesses e hiperatividade sem finalidade”.
A história de uma perícia adiada
A defesa do ex-banqueiro já tinha pedido uma perícia neurológica a Ricardo Salgado, mas só o tribunal cível de Cascais é que tinha autorizado em março a sua realização. Agora em setembro, a juíza Ana Paula Rosa, do Juízo Central Criminal de Lisboa, também acedeu ao pedido dos advogados do antigo presidente do BES e validou a realização da perícia ao abrigo do Caso EDP.
Em março, o juiz de instrução do processo BES/GES já tinha recusado o pedido de realização de uma perícia médica neurológica ao ex-banqueiro Ricardo Salgado, para comprovar o diagnóstico de doença de Alzheimer que lhe foi feito. O magistrado Pedro Correia considerou que a fase de instrução não é a fase indicada para o fazer, mas sim a de julgamento. Esta já tinha sido a quinta recusa da Justiça portuguesa, no que toca a pedidos de perícia médica independente, realizada por médicos independentes, do INML.
De acordo com o despacho de março, o juiz Pedro Correia rejeitou o pedido da defesa do antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES), ao considerar que “não se vê como o resultado de perícia realizada nos termos requeridos poderia ser essencial à decisão a proferir nesta fase processual”.
Dois meses, depois, mais duas recusas se juntaram ao rol. A apreciação desse pedido foi igualmente negada, pelo mesmo magistrado de instrução do GES. “Indefere-se a realização da perícia médica. Entende-se que inexiste qualquer inconstitucionalidade na decisão”, disse o juiz Pedro Santos Correia, na sequência de uma interrupção da sessão do debate instrutório do processo BES/GES, lembrando que a questão do diagnóstico de Doença de Alzheimer “foi já apreciada nos autos”.
Uma semana antes desta decisão, também a juíza de instrução do processo EDP – cujos principais arguidos são Manuel Pinho e Ricardo Salgado – recusou a realização dessa perícia, pedida pela defesa do ex-banqueiro.
No final de outubro, a defesa do banqueiro fez uma reclamação para que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) admita o recurso da pena de oito anos de prisão a que foi condenado no processo da Operação Marquês. Recurso esse que foi aceite pelo STJ que irá decidir qual a pena que o ex-líder do BES poderá cumprir. Apreciação essa que não será relativa aos factos provados em primeira instância – e confirmados na Relação – mas apenas relativamente aos anos de prisão efetiva que Salgado terá de cumprir. E que pode vir a atrasar a execução dessa mesma pena, já que o Supremo não tem nenhum prazo para decidir.
Em maio, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aumentou a pena de prisão efetiva de Ricardo Salgado de seis anos para oito anos pelos três crimes de abuso de confiança, que saíram da Operação Marquês.
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