Mesmo quem se demite tem direito a compensação por férias não gozadas, reforça Tribunal da UE
O Tribunal da UE esclarece que os trabalhadores devem ser compensados pelas férias não gozadas, mesmo que saiam voluntariamente. Nem contenção da despesa pública trava esse direito.
O caso deu-se em Itália, mas resultou num acórdão que pode ter efeitos no mercado de trabalho português. Um funcionário público italiano demitiu-se e pediu uma retribuição pelos dias de férias que não tinha gozado, o que lhe foi negado. A disputa chegou ao Tribunal de Justiça da União Europeia, que este mês deixou claro que mesmo os trabalhadores que saem voluntariamente das empresas têm, regra geral, direito a serem compensados pelas férias não gozadas. Segundo os advogados ouvidos pelo ECO, em Portugal, tal decisão vem reforçar um direito dos trabalhadores que está previsto na Constituição.
“Um funcionário público exerceu até outubro de 2016 funções de gestor executivo no município de Copertino, em Itália. Demitiu-se para aceder à reforma antecipada e pediu o pagamento de uma retribuição financeira pelos 79 dias de férias anuais remuneradas não gozadas durante a sua relação de trabalho”, relata o Tribunal de Justiça, numa nota publicada este mês.
Ora, esse município recusou pagar uma compensação pelas férias não gozadas, invocando uma norma da legislação italiana “segundo a qual os trabalhadores do setor público não têm em caso nenhum direito a uma retribuição financeira em substituição dos dias de férias anuais remunerados não gozados no termo da relação do trabalho”.
O caso não morreu, contudo, por aí. Seguiu para um juiz italiano, que admitiu ter dúvidas sobre a compatibilidade da lei italiano com o direito da União Europeia.
Já este mês, Tribunal de Justiça veio confirmar que “o direito da União se opõe a uma legislação nacional que proíbe o pagamento ao trabalhador de uma retribuição financeira a título dos dias de férias anuais remuneradas não gozados quando o referido trabalhador ponha voluntariamente termo à sua relação de trabalho”.
E nem mesmo a contenção de despesa pública pode ser usada como argumento para o não pagamento da compensação em causa, determina o acórdão. “O direito dos trabalhadores a férias anuais remuneradas, incluindo a sua eventual substituição por uma retribuição financeira, não pode estar subordinado a considerações puramente económicas“, alerta o Tribunal de Justiça da UE.
A única situação em que há margem para falhar o pagamento é, admite o TJUE, quando o trabalhador tenha deliberadamente não gozados os dias de férias, embora a entidade patronal o tenha incentivado nesse sentido e informado do risco de as perder, num determinado prazo.
Este acórdão refere-se a uma situação italiana, mas Madalena Caldeira, do escritório de advogados Gómez-Acebo & Pombo, defende que vem reforçar “a obrigação de os empregadores nacionais observarem os direitos em causa“.
Andreia Valente Marques, do escritório Pragma, é da mesma opinião — “acaba por reforçar os direitos dos trabalhadores, tanto no público como no privado”, diz — e salienta que direito está “de tal forma protegido que não é afetado por quaisquer circunstâncias económicas ou setoriais“.
Na mesma linha, o advogado Tiago Cochofel de Azevedo, da Antas da Cunha ECIJA, entende que esta decisão do Tribunal de Justiça vem dar um reforço à “essencialidade do direito às férias pagas”, ainda que a lei portuguesa à proteja, diz, este direito.
Convém explicar que, no que diz respeito às férias pagas e à compensação devida em caso de não serem gozadas, há uma “grande aproximação” entre o que acontece no setor público e no setor privado em Portugal, esclarece Tiago Cochofel de Azevedo. Isto é, em qualquer um dos setores o trabalhador que cesse o contrato de trabalho tem direito à retribuição das férias não gozadas e o respetivo subsídio.
“Importa, aliás, recordar que o direito a férias pagas tem a natureza de direito fundamental, previsto na nossa Constituição“, destaca o of counsel da Antas da Cunha ECIJA, que detalha que a necessidade de contenção de despesa (tanto por parte de empregador privado como por parte do empregador público) não pode servir de travão, tal como veio agora confirmar o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Aliás, as dificuldades económicas do empregador “não justificam a recusa em pagar as férias não gozadas”, tanto, que mesmo nos casos em que tais dificuldades determinam a suspensão do contrato (lay-off) ou a sua cessação (despedimento coletivo ou por extinção do posto do trabalho), as férias devem ser pagas, realça o advogado.
A isto, Sofia Monge, do escritório Carlos Pinto de Abreu e Associados, acrescenta que o direito às férias pagas é mesmo “irrenunciável” e constitui um crédito laboral “a que qualquer trabalhador tem direito independentemente da forma da cessação do seu contrato“.
Ainda assim, avisa que o empregador pode determinar, mesmo sem acordo do trabalhador, que as férias devem ser gozadas imediatamente antes da cessação do contrato, o que inviabiliza o pagamento de uma compensação.
Em Portugal, os trabalhadores têm direito a 22 dias úteis de férias pagas. O ano de admissão é a exceção: neste caso, são devidos dois dias de férias pagas por cada mês de trabalho concretizado.
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