Ministério Público esquece-se de prova relativa ao Hospital do Funchal. Arguidos detidos há oito dias
Os advogados dos dois suspeitos de corrupção na Madeira – que ainda não foram interrogados – foram chamados "de urgência" ao tribunal no Campus de Justiça, em Lisboa.
Os advogados de dois dos suspeitos de corrupção na Madeira foram chamados “de urgência” ao tribunal no Campus de Justiça, em Lisboa. Esta quinta-feira estava a decorrer o interrogatório ao empresário Custódio Correia, um dos três detidos. Os restantes ainda não o tinham sido. E, por isso, o Ministério Público decidiu chamar os advogados de Avelino Farinha (Raul Soares da Veiga) e de Pedro Calado (Paulo de Sá e Cunha).
As razões?
O ECO sabe que o Ministério Público não tinha feito chegar ao chamado Ticão algumas das provas apreendidas, nomeadamente as relativas à construção do hospital do Funchal – e não só – que também fazem parte do inquérito. E só se apercebeu já com os arguidos detidos há vários dias. Um dos arguidos do processo, Custódio Correia, estava a ser ouvido esta quinta-feira pelo juiz de instrução criminal.
Chegados os documentos, os advogados dos outros detidos foram chamados precisamente para analisar essa prova. À entrada do Tribunal Central de Instrução Criminal, pelas 14h00, o advogado Raul Soares da Veiga, mandatário de Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA, referiu que tinha sido chamado de “urgência”.
De que se trata este inquérito?
Na quinta-feira, começaram os interrogatórios aos três detidos há uma semana numa operação por suspeitas de corrupção na Madeira: Pedro Calado, presidente demissionário da Câmara do Funchal, Custódio Correia, empresário e principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia, e Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA
Pedro Calado, que formalizou na segunda-feira a renúncia ao cargo de presidente da maior câmara da Madeira, Custódio Correia e Avelino Farinha foram detidos a 24 de janeiro, na sequência de cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias efetuadas pela Polícia Judiciária (PJ) sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente.
Em causa estão cerca de 30 crimes que vão desde corrupção a prevaricação. Segundo o Ministério Público, Pedro Calado é suspeito de sete crimes de corrupção passiva. Este crime é punido com pena de prisão de um a oito anos, mas a pena pode chegar aos dez anos se for agravada.
Já Custódio Correia é suspeito de três crimes de corrupção ativa e Avelino Farinha de quatro. O crime de corrupção ativa (artigo 374.º do CP), pune o agente com pena de prisão de um a cinco anos.
Mas a lista de crimes não fica por aqui. Apesar de não concretizar, o Ministério Público sublinha que “são ainda suscetíveis de integrar a prática pelos arguidos dos crimes de prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poderes e tráfico de influência”. Ou seja: poderão ser cerca de cinco crimes por cada um dos arguidos.
Advogados e juízes contra detenção de oito dias
Esta quarta-feira, mais de uma centena de advogados exigiram que os detidos possam ser presentes a um juiz de instrução criminal e conhecerem as medidas de coação no prazo “máximo e inultrapassável de 48 horas”, cumprindo a Constituição.
Segundo os subscritores de uma carta enviada à Lusa, o prazo só poderá ultrapassar as 48 horas “em casos excecionais devidamente fundamentados e observando princípios de estrita necessidade e proporcionalidade”, sublinhando que a prática nos últimos anos tem sido a de manter os cidadãos detidos por vários dias, após a sua identificação nas primeiras 48 horas, sem conhecerem as medidas de coação.
Os advogados argumentam que é necessário que “todos os cidadãos detidos possam ser presentes a um juiz de instrução criminal e terem conhecimento das medidas de coação aplicadas no prazo máximo e inultrapassável de 48 horas, salvo em casos excecionais devidamente fundamentados e observando princípios de estrita necessidade e proporcionalidade”.
A Ordem dos Advogados também já reagiu dizendo que “tem constatado com preocupação a existência de detenção de cidadãs para serem submetidos a primeiro interrogatório judicial, ficando detidos por vários dias sem que o interrogatório seja concluído num prazo razoável e proporcional”, diz o comunicado da bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro. Independentemente dos entendimentos jurídicos que possam existir quanto a esta matéria, “não é aceitável que este tipo de atuação se torne frequente e banalizada, seja em casos mediáticos seja em processos contra o cidadão anónimo”. A Ordem dos Advogados espera que este tipo de atuação “seja revisto rapidamente e todos os agentes da justiça percebam, como percebem os advogados, que situações como estas não podem continuar a existir”.
Neste contexto, também o Conselho Superior da Magistratura (CSM) já assumiu estar “preocupado” com a demora nos primeiros interrogatórios judiciais e admitiu estudar “soluções práticas” para fazer face à limitação de um direito constitucional dos arguidos e sugeriu mudanças na lei. “Naturalmente, o CSM está preocupado com esta questão, uma vez que está em causa a limitação de um direito constitucionalmente protegido. Por conseguinte, o CSM admite estudar a articulação de soluções práticas para atenuar os efeitos limitativos apontados, designadamente quando a complexidade do processo não permite outra solução. O legislador, do ponto de vista do CSM, deverá também ter, naturalmente, uma palavra a dizer”, adiantou esta quarta-feira o CSM, numa resposta à Lusa.
O que diz a lei relativamente ao prazo de detenção?
Os três arguidos estão detidos há oito dias, apesar de a lei impor o prazo máximo de 48 horas de detenção até serem presentes a juiz. É suposto que todos os cidadãos detidos possam ser presentes a um juiz de instrução criminal e terem conhecimento das medidas de coação aplicadas no prazo máximo de 48 horas, “salvo em casos excecionais devidamente fundamentados e observando princípios de estrita necessidade e proporcionalidade”.
Segundo a Constituição da República Portuguesa, “a detenção será submetida, no prazo máximo de 48 horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”.
Determina ainda que “a prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”.
“A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido, por este indicados”, acrescenta, definindo que “a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei”.
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