Economia começa a convergir mas faltam reformas para crescimento estrutural

Os dados económicos de 2023 foram melhores que o esperado e a economia portuguesa cresceu acima da média europeia. Mas economistas defendem reformas para um crescimento sustentado.

  • O ECO vai divulgar 5 séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 10 de março. Os rendimentos das famílias, o crescimento económico, a crise da habitação, o investimento em infraestruturas e os problemas da Justiça vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.

A imagem da economia de Portugal tem-se transformado ao longo do tempo, passando por várias fases desde o foco agrícola até ao descontrolo que levou à necessidade de resgastes, tendo agora virado a página e apresentando-se como um “bom aluno” que está lentamente a recuperar a sustentabilidade das contas públicas. Apesar do caminho que já foi feito, que tem levado a alguma convergência com a Europa, abundam as críticas à falta de reformas que levem a um crescimento mais estrutural, nomeadamente tendo em vista um aumento da produtividade.

Fazendo um raio-X à situação atual da economia portuguesa, verifica-se que o próximo Governo vai assumir as rédeas das Finanças com as contas numa situação mais positiva do que se tem verificado nos últimos anos. A economia cresceu 2,3%, a dívida pública recuou para menos de 100% do PIB e registou-se um excedente orçamental, à boleia da arrecadação de impostos e do turismo.

A dívida pública não atingia um rácio tão baixo desde 2009 e Fernando Medina já sinalizou que é possível, se não se verificarem grandes choques, que seja inferior a 95% do PIB este ano. Os dados do emprego também são positivos: o Executivo estava a apontar para uma taxa de desemprego de 6,7% em 2023, mas afinal ficou em 6,5% — ainda que tenha subido no último trimestre.

Já o crescimento do PIB deverá abrandar este ano, mas pode ter um impulso. Como salienta o Fórum para a Competitividade, numa nota de conjuntura, “o ritmo de crescimento do quarto trimestre foi de tal modo elevado que seria insustentável, pelo que o abrandamento em 2024 será quase inevitável, de forma mais nítida no primeiro semestre”. Mesmo assim, um desempenho melhor que o esperado traz alguns efeitos positivos para este ano.

“O bom resultado do quarto trimestre permite maior otimismo para 2024, mas o aumento de riscos, incluindo políticos, não permite rever em alta as previsões de crescimento, pelo que mantemos a estimativa de uma desaceleração do PIB de 2,3%, em 2023, para entre 0,9% e 1,3%, em 2024, sendo provável que o segundo semestre seja mais dinâmico, com maior clareza sobre o cenário político e com o impacto das descidas de taxas de juro do BCE”, indica o Fórum.

João Leão, ex-ministro das Finanças, salienta que “Portugal teve um crescimento de 2,3% no ano passado, está praticamente no pleno emprego, a economia está bem”. Neste cenário, “não há assim uma margem para crescer muito, ao contrário do que aconteceu depois da crise da troika, em que a economia estava muito em baixo e havia margem de crescimento ou depois da pandemia em que a economia bateu no fundo e depois é natural crescer muito”, exemplifica, em declarações ao ECO.

No Orçamento do Estado, o Governo previa um crescimento de 1,5% em 2024. Já o Banco de Portugal é menos otimista e, em dezembro, projetava que uma variação do PIB de apenas 1,2%.

Para os anos seguintes, o banco central, liderado por Mário Centeno, previa, nessa altura, um crescimento da economia de 2,2% em 2025, e de 2% em 2026. “A recuperação da atividade será gradual” ao longo de 2024, “beneficiando da aceleração da procura externa, do efeito da descida da inflação no rendimento das famílias e do impulso dos fundos europeus no investimento”, explicava o BdP.

Quanto aos partidos, o cenário macroeconómico que está a ser construído pelo PS de Pedro Nuno Santos para as legislativas de 10 de março projeta um crescimento da economia de 1,8% no final de 2027, que poderá rondar os 2% no termo da legislatura, em 2028, sabe o ECO. Trata-se de uma estimativa bem mais conservadora do que a de Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática (AD), coligação que une PSD, CDS e PPM, que atira para uma variação do PIB de 3%, em 2027, e de 3,4%, no ano seguinte.

Para João César das Neves, “fazer o PIB crescer mais de 3% não é uma coisa mítica”. Como diz ao ECO, “não é fácil, mas não é doido, sobretudo se for à boleia da redução de impostos e do aumento do investimento”. “Mas só é possível com políticas de capitalização de empresas, investimento, educação, tecnologia e inovação”, defende.

Há convergência, mas crescimento tem sido cíclico

Nos últimos anos, Portugal tem conseguido convergir, ao crescer acima da média da União Europeia (UE). Porém, quando se olha para o conjunto da década, a média de crescimento é muito inferior. Segundo a nova plataforma Comparar para Crescer, da associação Business Roundtable, neste século (até 2022), o PIB português cresceu em termos acumulados apenas 23%. A variação média da UE27 foi de 40,6%.

Tem-se registado, ainda assim, uma recuperação, mas em relação ao PIB per capita a dimensão da economia está a ficar para trás. Como nota Carlos Tavares, “entre 2015 e 2023, o diferencial de crescimento face à média da UE é pequeno”. “Se mantivéssemos esse diferencial, demoraríamos cerca de 60 anos para atingir a média da UE do rendimento per capita“, nota o coordenador do Observatório de Políticas Económicas e Financeiras da SEDES, sendo que, “se for em dez anos, temos de crescer 2,5% acima da UE, ou seja, 4% ou 4,5% ao ano”.

O economista Ricardo Ferraz também destaca que, apesar de ser “positivo que tenha havido convergência e que tenhamos crescido acima dos países da Zona Euro”, segundo os dados preliminares para 2023, “não nos podemos esquecer que é preciso melhores condições para o crescimento económico robusto em situação de normalidade”. “Isso passa por reformas”, acrescenta. “Não podemos ter medo de reformar, porque é fundamental para aumentar a capacidade produtiva da economia”, salienta o investigador.

No cômputo global, a economia portuguesa tem registado um crescimento moderado. A estagnação advém do “excesso de protecionismo” e da fraca concorrência externa, pelo que “faltam reformas estruturais na educação e na concorrência que nos permitam tornar líderes” nos mercados externos, como defendeu o economista Ricardo Reis, em declarações ao ECO.

O principal motor do crescimento deve então ser “a capacidade de trabalho, de empreendedorismo dos empresários e a capacidade de facilitar os negócios”, defendeu. “Numa economia que tem de crescer de uma forma sustentada e não apenas cíclica, o crescimento virá sempre com o aumento da produtividade“, reiterou.

O ex-ministro da Economia Augusto Mateus também defendeu a necessidade de uma nova política económica, que deve ser dirigida à “economia real e não reduzida à esfera financeira”, na apresentação de um estudo que realizou a pedido da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). O economista considerou que “é fundamental uma política de competitividade em Portugal”.

Para Augusto Mateus, para aumentar a competitividade e a produtividade é crucial uma maior colaboração das empresas, mas também uma política económica construtiva e ambiciosa.

Carlos Tavares defende ainda que, “para colocar o país a crescer 3% ou 4% ao ano, tem de se recuperar o gap de produtividade de quase 40% face à UE“. Este “défice de produtividade” surge porque “temos poucas máquinas e equipamentos e são fracos”. E detalha: “88% são construções; 11% são máquinas e equipamentos tecnológicos; e apenas 3% é propriedade intelectual como patentes. Isto mostra a fragilidade do nosso stock de capital”.

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