Relação anula medidas de coação de Armando Pereira e arrasa decisão de Carlos Alexandre
Decisão da Relação defende que a decisão de Carlos Alexandre, de julho de 2023, "é, de todo, absoluta e rigorosamente nada". Agora, a questão será de novo decidida por outro juiz do chamado Ticão.
O Tribunal da Relação anulou o despacho do (à data) juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre, que aplicou a prisão domiciliária, ou, em alternativa, o pagamento de uma caução de dez milhões de euros, ao cofundador da Altice, Armando Pereira.
“Importa afastar qualquer equívoco, pelo que é fundamental, ao aplicar uma medida de coação, que o juiz de instrução criminal o faça por decisão sua e não por se ter deixado ‘arrastar’ pelo requerimento do Ministério Público nesse sentido. É essencial que a decisão surja aos olhos do cidadão, efetivamente, como uma decisão pessoal do juiz”, diz a juíza relatora do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).
Armando Pereira está indiciado pelo Ministério Público de 11 crimes, entre os quais seis de corrupção ativa e um de corrupção passiva no setor privado, além de quatro de branqueamento de capitais e crimes não quantificados de falsificação de documentos na Operação Picoas. Neste processo está em causa uma “viciação decisória do grupo Altice em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência” que apontam para corrupção privada na forma ativa e passiva e para crimes de fraude fiscal e branqueamento. Os investigadores suspeitam que, a nível fiscal, o Estado terá sido defraudado numa verba superior a 100 milhões de euros.
Armando Pereira esteve em prisão domiciliária desde julho – sem qualquer vigilância, eletrónica ou policial – até outubro. A 30 de outubro pagou uma caução de dez milhões de euros (a mais alta de sempre aplicada a um arguido) e ficou em liberdade. Agora, os juízes desembargadores da Relação deram razão ao arguido e a questão terá de baixar de novo ao chamado Ticão, para aplicação de novas medidas de coação.
“Cremos resultar evidente, ostensivo mesmo, que o que aqui consta, desde logo reportado ao arguido Armando Pereira, em termos de enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, não tem a virtualidade de poder integrar, ainda que de forma imperfeita e insuficiente, a noção contida na lei”, diz o acórdão a que o ECO teve acesso. “O que aqui consta – mais que decisivamente insuficiente em termos de satisfazer a mencionada exigência legal – é, de todo, absoluta e rigorosamente nada”, escreve a juíza relatora. E acrescenta que “nem se diga que a este propósito, em sede de matéria de facto, se faz a remissão para a promoção do MP, (que não se faz, de resto) sendo certo, contudo, que também ela diz rigorosamente o mesmo. Nada mais.”
Relembrando ainda que se exige e compete ao juiz de instrução nesta fase de inquérito uma apreciação, tendo como base o despacho do MP, sobre a existência de suficientes ou de fortes indícios, da prática pelo detido dos factos que lhe são imputados, para afinal concluir, ou não, pela verificação dos pressupostos de que depende a aplicação de uma medida de coação. Ao invés, diz o acórdão, este despacho de Carlos Alexandre é, em suma, um mero “comprovar a decisão do MP de lhe submeter o arguido detido para interrogatório e para aplicação de medida de coação”.
O que diz então a decisão da Relação de Lisboa?
- “A questão aqui não está na remissão para o despacho da acusação mas sim em saber se perante a reprodução do que nele consta, a remissão efetuada primeiro pelo MP e depois pelo juiz, não para um documento, não para uma pasta de documentos, não para um apenso – o que já seria, porventura, problemático – mas sim para a prova dos autos, em que o destinatário terá de adivinhar o que releva, qual a leitura e interpretação feita pelo juiz”;
- “A aplicação das medidas de coação não está motivada nem fundamentada, neste preciso e concreto segmento, de modo a permitir ao arguido, primeiro, suscitar e a este Tribunal, depois, efetuar, a sua efetiva defesa em recurso”;
- E, “não se trata de motivação concisa e sintética, ainda assim, completa. Nem de sumária fundamentação. Trata-se de absoluta omissão de fundamentação”;
- “O dever de fundamentação das decisões judiciais é a forma conseguida pelo legislador de fazer sobrepor a lógica e a verdade decisórias ao capricho e ao arbítrio do seu autor, constituindo, assim, um instrumento de racionalização técnica da atividade decisória do tribunal”;
- “Importa afastar qualquer equívoco, pelo que é fundamental, ao aplicar uma medida de coação, que o juiz de instrução o faça por decisão sua e não por se ter deixado ‘arrastar’ pelo requerimento do MP, nesse sentido”;
- “É essencial que a decisão surja aos olhos do cidadão, efetivamente, como uma decisão pessoal do juiz.”;
- “Doutra forma, fica uma fundamentação em abstrato que apenas em abstrato pode ser combatida e que apenas em abstrato este tribunal pode apreciar, avaliar e julgar”;
- Neste contexto “o arguido não beneficiou, muto longe disso, de resto, de uma mínima concretização quanto à identificação das provas que o juiz de instrução teve presentes, na afirmação indiciária dos factos que lhe imputa. Aliás aquele forma de expressão “volumes 1 a 26, apensos listados de fls. 11.729 a 11.736 e apensos bancários nas caixas 3 a 10”, deixa transparecer, mesmo, a ideia de que nada disto, afinal, foi consultado pelo juiz de instrução” Carlos Alexandre;
- “Do que foi feito, seguramente – e este é que é o ponto – não é possível, a ninguém ficar a saber, a perceber, a entender, a compreender, de todo e muito menos, com a suficiência e clareza exigidas, que meios de prova, que meios de obtenção de prova, de entre as espécies enumeradas, sustentam a afirmação dos fortes indícios”;
- E, assim, pode-se afirmar, com total segurança, que a decisão recorrida assenta em elementos probatórios que não lhe foram comunicados”;
- “Nem o arguido conhece os elementos do processo que indiciam os factos indiciariamente imputados – apenas tem a noção de que se trata da prova dos autos. Nem o Tribunal de recurso, os conhece e tão pouco, de forma alguma a eles pode ter acesso. Donde o despacho é inequívoca e incontornavelmente nulo por falta do apontado requisito de fundamentação de facto”;
Armando Pereira, cofundador da Altice, pagou dez milhões de euros de caução e ficou assim em liberdade, deixando de estar em prisão domiciliária em outubro. A caução foi paga através de um depósito bancário. Dinheiro esse que teve de ser transferido do estrangeiro para Portugal antes de ser entregue à Justiça. A caução foi prestada numa conta da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
O responsável ficou também proibido de contactar os outros arguidos do processo e colaboradores de empresas ligadas ao também arguido Hernâni Antunes (conhecido como braço direito de Armando Pereira) e o grupo Altice, bem como de viajar para o estrangeiro sem autorização.
Até aqui, o primeiro lugar de cauções elevadas pertencia a Manuel Pinho, com o valor de seis milhões. Porém, o ex-ministro não conseguiu pagar esse valor e, por isso, ficou em prisão domiciliária, com pulseira eletrónica.
Meses antes – em 2021 – foram aplicadas a dois dos arguidos mais mediáticos da história recente da Justiça portuguesa — o ex-presidente do SL Benfica, Luís Filipe Vieira e o empresário madeirense, Joe Berardo — o pagamento de cauções de três milhões e cinco milhões de euros, respetivamente.
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