Estado paga 732 milhões com PPP do novo hospital de Lisboa. PRR alivia fatura
Governo prevê pagar 732 milhões com a concessão da PPP do novo hospital de Lisboa, mas valores podem ser revistos. Pita Barros questiona se "desvios à previsão" vão recair sobre o privado ou Estado.
O Estado prevê gastar quase 732,3 milhões de euros ao longo dos próximos 30 anos no novo hospital de Lisboa. O contrato de gestão relativo à parceria público-privada (PPP) foi assinado com o consórcio liderado pela Mota-Engil, no início de fevereiro, a cerca de um mês das eleições antecipadas. Como foi montada a operação financeira do Hospital de Lisboa Oriental, formalizada após a queda do Governo?
O Hospital de Lisboa Oriental, que terá três edifícios e 875 camas, vai ser construído numa área total de 180 mil metros quadrados na zona de Marvila e permitir substituir seis unidades de saúde dispersas fisicamente no centro da cidade de Lisboa, como é o caso dos hospitais de São José, Santa Marta, Santo António dos Capuchos, D. Estefânia, Curry Cabral e a maternidade Alfredo da Costa.
O novo hospital é considerado prioritário desde 2008 e vai integrar todas as especialidades atualmente existentes no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, a que acrescem as especialidades de reumatologia, medicina nuclear e de radioncologia.
Apesar de a obra ter sido adjudicada em 2022, o contrato de gestão para a “conceção, o projeto, a construção, o financiamento, a conservação, a manutenção e a exploração do Hospital de Lisboa Oriental” com o consórcio liderado pela Mota-Engil, – que inclui ainda a Hygeia Edifícios Hospitalares e a Manvia (ambos do grupo Mota-Engil) e o fundo InfraRed Infrastructure V Investments Limited – só foi assinado na sexta-feira passada, já com o Governo em gestão e apesar de ter estado previsto para outubro de 2023. E ainda vai ter que passar pelo crivo do Tribunal de Contas.
O período de concessão da PPP é de 30 anos (três para a construção e 27 para manutenção), mas desta vez não inclui a gestão clínica. “A parte de construção e manutenção é mais uma forma de encontrar fundos para fazer investimento, e garantir que a obra é feita dentro dos prazos previstos, do que um contributo para a inovação em termos de gestão dentro do SNS”, nota Pedro Pita Barros, especialista em Economia da Saúde e professor na Nova SBE.
É uma opção “legítima, embora deixe de fora o que foi a componente mais interessante das PPP hospitalares em Portugal”, acrescenta o economista, em declarações ao ECO.
PRR paga até 100 milhões para construção e equipamentos
A construção do novo hospital – que além da infraestrutura prevê também o fornecimento e a instalação de equipamentos fixos – vai custar 380 milhões de euros, segundo anunciou a construtora liderada por Carlos Mota dos Santos, em comunicado enviado ao mercado. Para o efeito, a empresa recorreu a um empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI) no valor de 107 milhões de euros, mas que pode chegar aos 190 milhões.
Mas este montante inclui um financiamento de até 100 milhões de euros (sem IVA) do PRR, dado que a reprogramação do plano passou a prever verbas para a construção do Hospital de Lisboa Oriental e equipamentos para hospitais em Lisboa e Vale do Tejo. Deste total, até certa de 26,2 milhões euros podem ser gastos em 2024, 33,5 milhões em 2025 e 40,3 milhões no ano seguinte, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros (n.º 22-A/2024, publicada em Diário de República).
O diploma ressalva, no entanto, que os gastos previstos para cada um destes anos “podem ser alterados em função do calendário de execução do investimento, desde que a soma dos encargos não exceda” os 100 milhões de euros. Com a assinatura deste contrato, o Governo cumpriu um marco do PRR que estava definido para o terceiro trimestre de 2023, sendo que neste campo o marco seguinte é a construção até 2026.
O PRR financiará parte (até 100 milhões de euros) do investimento global considerado, sendo que a alocação dos fundos PRR permitiu uma redução do esforço financeiro do Estado ao longo do período da concessão”.
Já no que toca à manutenção da infraestrutura, a Mota-Engil prevê gastar “cerca de 143 milhões de euros a preços constantes” (não tendo em consideração o efeito da inflação) ao longo de 27 anos.
Por sua vez, o Estado prevê gastar até cerca de 732,3 milhões de euros, a preços correntes, ao qual acresce o imposto sobre valor acrescentado (IVA)” entre 2027 e 2053, segundo estabelece o diploma publicado em Diário da República.
Mas na “fatura” a pagar ao consórcio liderado pela Mota-Engil deverá ser “descontado” o valor avançado pelo Governo através do PRR (e que tem de ser executado até 2026) para a construção do hospital, o que “permitiu uma redução do esforço financeiro do Estado ao longo do período da concessão“, adianta fonte oficial do Ministério das Finanças, numa resposta em bloco a questões colocadas pelo ECO.
A tutela liderada por Fernando Medina justifica ainda a opção de ser considerados preços correntes com o facto de se pretender que a “previsão [dos encargos suportados pelo Estado] se aproxime o máximo possível da execução futura do contrato, o que explica que a autorização de despesa seja efetuada agora a preços correntes não descontados”.
O diploma estabelece que os montantes fixados para cada um destes anos económicos não podem ser excedidos. “O perfil temporal dos pagamentos segue as condições refletidas na proposta do concorrente, a qual considera a sua estruturação financeira do projeto, nomeadamente as condições previstas para o financiamento”, garante ainda o Ministério das Finanças, em resposta ao ECO.
Previsões de despesa para o Estado podem ser revistas
O diploma publicado em Diário da República salvaguarda, no entanto, que os valores previstos “podem ser objeto de ajustamento temporal”, em função do início das obras de construção e da entrada em funcionamento da unidade hospitalar ou até da “evolução do índice de preços no consumidor” (leia-se inflação), que podem fazer atualizar os valores pagos pelo Estado ao consórcio liderado pela Mota-Engil.
Mais importante é saber o que sucede se os custos vierem a exceder as previsões que estão a ser feitas – como será avaliada a situação, e se os custos extra deverão recair sobre a parte privada, sobre a parte pública (eventualmente não respeitando estes limites), ou se o hospital fica a meio da construção”.
Neste contexto, Pedro Pita Barros alerta que “importante é saber o que sucede se os custos vierem a exceder as previsões que estão a ser feitas“, nomeadamente se “os custos extra” vão “recair sobre a parte privada” ou sobre o Estado “eventualmente não respeitando estes limites, ou se o hospital fica a meio da construção”.
O diploma publicado no início de fevereiro em Diário da República resulta de uma atualização à despesa prevista em 2017 (feita antes de o concurso ser lançado), de modo a atualizar os valores de acordo com a proposta adjudicada, de modo a atualizar os valores de acordo com a proposta adjudicada e a incluir o PRR.
Governo fez atualização à despesa prevista em 2017, mas valores “não são comparáveis”
Na resolução do Conselho de Ministros n.º 191-A/2017 (que fica agora sem efeito) estava estabelecido que os encargos para o Estado ao longo dos 27 anos (de 2023 a 2049) não podiam superar os 334,46 milhões de euros também sem IVA, mas desta vez numa perspetiva de valor atual líquido (VAL), calculado por referência a dezembro de 2019 e “considerando uma taxa de juro real anual de 4%”.
Na altura, o diploma estabelecia ainda que os montantes definidos para cada ano poderiam ser “alterados desde que o montante de encargos a pagar em cada ano não exceda em mais de 30% o valor previsto para esse ano”.
Em resposta ao ECO, o Ministério das Finanças sublinha que os valores estabelecidos nas duas resoluções do Conselho de Ministros “não são comparáveis”, dado que a resolução de 2017 considera encargos públicos em termos de VAL, enquanto a deste ano foca-se nos preços correntes (quando os bens e serviços são valorizados aos preços verificados no ano em causa).
Note-se que, se avaliada a preços correntes, a RCM de 2017 tinha implícita uma despesa de cerca de 880 milhões de euros ao longo do período de concessão”.
Ainda assim, segundo as contas do Governo, “se avaliada a preços correntes, a RCM de 2017 tinha implícita uma despesa de cerca de 880 milhões de euros ao longo do período de concessão, isto é, mais cerca de 148 milhões de euros face aos cerca de 732 milhões de euros previstos na atualização à despesa feita no início deste mês.
O ECO questionou ainda o Ministério das Finanças sobre quanto é que estima poupar com esta PPP, mas o Governo escusou-se a responder. Em declarações à Lusa, a presidente do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central estimou, no ano passado, que a construção do novo hospital possa gerar uma poupança de 100 milhões de euros.
Já Pedro Pita Barros sinaliza, ao ECO, que as poupanças para o erário público das “PPP de construção e infraestruturas tendem a ser pequenas, se é que existem no final”. “Há normalmente ganhos associados com não existir derrapagem de prazos, o que é uma “poupança” implícita sobretudo para a população que será servida pelo novo hospital”, remata.
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