A apresentação de arguidos a primeiro interrogatório judicial: 2 semanas e 2 dias — presos até quando?

  • João Lima Cluny
  • 25 Março 2024

O sistema tem, isso sim, de garantir, com base nos elementos recolhidos até ao momento em que a detenção é determinada, e no prazo fixado legalmente, a avaliação da bondade da detenção.

No momento em que escrevo estas linhas, passam 2 semanas e 2 dias da detenção de três cidadãos no chamado “Processo da Madeira”. Avança agora a comunicação social que foi, finalmente, promovida pelo Ministério Público a aplicação da medida de coação de prisão preventiva. 2 semanas e 2 dias depois. E ainda falta a pronúncia das Defesas e a decisão do Juiz.

Muito se tem escrito sobre a situação que este processo escancarou, mas que, há muito, se vinha verificando em vários outros processos. Falo, claro está, da detenção de um cidadão e da sua apresentação a primeiro interrogatório judicial no morto e enterrado prazo de 48 horas — exigido pela lei, entre o mais, no artigo 141.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e, expressamente, também, no artigo 28, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Os preceitos parecem ser claros.

A ratio dos mesmos é, também ela, evidente: impedir que um cidadão seja privado da liberdade indeterminadamente sem que seja confrontado com os factos que justificam a sua detenção e sem que seja, judicialmente, definida a medida de coação que lhe deve ser aplicada.

Sucede que, à boleia de um caso em que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a ultrapassagem do prazo daquelas 48 horas — porque o arguido, detido num sábado, acabou por ser confrontado com os factos na segunda-feira, depois de ultrapassar as 48 horas da detenção — se enraizou a prática de que, para dar cumprimento às exigências legais e constitucionais, basta que o cidadão, naquele prazo, seja apresentado ao juiz para confirmação dos seus dados de identificação, ainda que nada lhe seja adiantado quanto aos factos que lhe são imputados e provas que os sustentam.

Ou seja, atualmente, através da interpretação que se vem fazendo de tais preceitos, vai-se permitindo o que o legislador não quis e, mais importante, o que a nossa Constituição não admite: privar cidadãos da liberdade durante um prazo indeterminado, sem que lhes seja fornecida a razão para tal suceder e sem apreciação de um juiz.

E se esta prática é ilegal, a mesma é ainda mais incompreensível quando é de assumir que, quando um cidadão é detido, já a investigação apurou factos suficientes que justifiquem a sua detenção.

Por que razão é, então, adiado o confronto do cidadão com os factos e as provas que, alegadamente, já existem e a sustentam?

A dimensão do processo, o número de cidadãos detidos em simultâneo, ou o facto de, nas diligências de busca e apreensão que muitas vezes ocorrem em simultâneo com estas detenções, terem sido recolhidos mais elementos de prova cuja análise se mostra necessária, não impedem aquele confronto e não justificam a privação da liberdade a um cidadão, em violação da Lei e contra os princípios emanados pela nossa Constituição.

O sistema tem, isso sim, de garantir, com base nos elementos recolhidos até ao momento em que a detenção é determinada, e no prazo fixado legalmente, a avaliação da bondade da detenção e da necessidade de aplicação de medidas de coação. É isso que se impõe fazer neste momento. Nada mais.

Se essa for a prática, o Ministério Público, quando da detenção, já teve, previamente, oportunidade de preparar tudo quanto a fundamenta. A Defesa poderá logo consultar tais elementos e apresentar a sua pronúncia. E o Juiz de Instrução Criminal poderá analisar os elementos, ponderar os argumentos avançados, e imediatamente decidir quais as medidas de coação a aplicar.

Depois de tomada esta primeira decisão, cuidaremos, então, de analisar o que possa ter sido apreendido na diligência de busca e, se for o caso, confrontar o cidadão — preso preventivamente ou em liberdade, de acordo com a decisão anterior — com esses novos elementos.

Assim, cumprimos a Lei e evitamos manter cidadãos presos sem qualquer avaliação judicial, à espera, indefinidamente, que o Ministério Público esteja em condições de tentar justificar a sua detenção. É disso que, na verdade, estamos a falar.

  • João Lima Cluny
  • Sócio da Garrigues

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