PGR deve demitir-se? Explicações sim, demissão não, defende o setor da Justiça
Advogados e magistrados consideram que, acima de tudo, a PGR deve esclarecimentos e que não pode esquecer-se da sua função e do papel que desempenha na democracia.
Os últimos meses têm sido movimentados na justiça portuguesa e o papel da Procuradora-Geral da República (PGR) e a atuação e prestação de contas do trabalho do Ministério Público (MP) tem vindo a ser colocado em causa. Depois do parágrafo controverso de um comunicado no âmbito da Operação Influencer – que acabou na demissão do primeiro-ministro António Costa – da absolvição do ex-autarca de Caminha, Miguel Alves – braço direito de Costa – e do juiz de instrução não ver indícios daquele crime no caso da Madeira, deverá a PGR demitir-se ou prestar mais esclarecimentos pelas investigações em curso do Ministério Público?
“Não existe qualquer motivo determinante da demissão da PGR. Seria péssimo para o Estado de direito democrático, para a autonomia do MP e para a própria independência do sistema judicial que um PGR se demitisse ou fosse exonerado com fundamento em decisões tomadas em processos concretos”, defende à Advocatus Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). “Quanto a esclarecimentos, não compete à PGR discutir na praça pública as decisões tomadas nos processos, que devem ser resolvidas no mesmo. Mas evidentemente, sempre que um processo gera ruído, tem repercussão pública, deve existir comunicação objetiva da PGR para contribuir para a serenidade e objetividade da informação que chega ao público e para reforçar a confiança nas instituições da justiça e no Ministério Público em particular”, concluiu.
Também o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses defende que o Ministério Público devia “explicar o que é que aconteceu” no caso da Madeira em que o juiz de instrução criminal concluiu não existirem indícios de crime. Manuel Ramos Soares, em declarações à Lusa, defendeu ainda que “deve ou não o MP, da forma que entender conveniente, explicar o que é que aconteceu? A meu ver, sim!”, declarou o desembargador Manuel Soares, recordando que, já depois das buscas na Madeira, houve uma “conferência de imprensa do diretor nacional da Polícia Judiciária [Luís Neves] explicando as razões de ser da operação” e da sua “complexidade logística”.
Os advogados contactos pela Advocatus consideram que, acima de tudo, a PGR deve esclarecimentos e que não pode esquecer-se da sua função e do papel que desempenha na democracia.
João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, mais do que falar em demissões, é “crucial” explicações “claras” e “transparentes” sobre o que se está a passar no caso da Madeira e da Operação Influencer.
“A opinião pública tem o direito de saber as razões que desencadearam estas operações, os seus objetivos e os resultados que se pretende(ra)m alcançar. Assistimos a um desfile de declarações de toda a gente, muitas vezes contraditórias, o que contribui para aumentar a confusão e a desinformação. Assim como fomentar a desconfiança no sistema de Justiça”, referiu.
João Massano defende que a PGR assuma a liderança da comunicação, do lado do Ministério Público, e apresente uma “narrativa clara e coesa sobre estes casos”. O advogado sublinhou também que a PGR tem a responsabilidade de “garantir a confiança dos cidadãos na Justiça”, sendo necessário explicações.
“A política de “quintinhas” dentro do sistema judiciário é um problema grave que precisa ser combatido. É necessário uma coordenação conjunta que permita oferecer aos cidadãos respostas claras, transparentes e concretas. Todos os agentes do sistema judiciário devem trabalhar em conjunto com o objetivo de fazer justiça, e não para defender interesses particulares ou de grupos”, referiu.
“Se se deve demitir ou não, é uma decisão que só à própria cabe ponderar e executar. A lei e a Constituição não fixam causas, nem taxativas nem exemplificativas, da sua exoneração. Tal como a nomeação, a exoneração compete ao Presidente da República (PR), sob proposta do Governo. Se o Governo e o PR entenderem que existem razões para exonerar a PGR, com certeza não deixarão de exercer as suas competências, sobretudo o PR por se encontrar na plenitude das suas competências“, considerou Rui Costa Pereira.
O associado da MFA Legal não considera que as recentes atuações da PGR coloquem em causa a atuação do MP, vendo antes o “copo meio cheio”. O advogado vê de positivo o alerta para a “consciência comunitária” que está a ser feito para o que há muito está mal “na forma como algum MP, não todo o MP, atua”.
“Essa forma errada, persecutória, abusiva, em que os fins justificam os meios, justicialista, como queiramos chamar, não é de ontem, não é de há dois dias, não é de há ano. Existe há muito tempo. E finalmente há uma atenção efetiva para esse problema. Com essa atenção veio uma preocupação natural de todos“, explicou.
Rui Costa Pereira destacou a forma “praticamente unânime” como a atuação do MP está a ser criticada. “E só não é unânime porque o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público dos dias de hoje persiste em considerar que a sua atribuição principal é a de salvaguardar uma imagem impoluta de todo o MP e da sua PGR. É hora de refletir seriamente sobre o MP que queremos, pois parece claro que já são muito poucos os que querem este”, acrescentou.
Também Rui Costa Pereira considera que a PGR deve dar explicações, mas na forma certa e “não é naquela forma atrapalhada num lobby, à saída de qualquer evento”, sublinhando que viver em Democracia implica, necessariamente, a “prestação de contas de todos os agentes públicos”.
“A PGR tem de recordar-se das suas atribuições e das suas competências, mandar chamar ao Palácio Palmela os responsáveis por estas investigações e o diretor do DCIAP e apurar por que razão havia indícios tão fortes para aquela desproporção óbvia de meios que houve e como é que se explicam as decisões jurisdicionais tomadas. E depois, de modo claro, deve apresentar essas explicações aos cidadãos”, explicou.
Para Miguel Pereira Coutinho, associado sénior da Cuatrecasas, mais importante que prestar esclarecimentos, o Ministério Público deve “aprender para o futuro”.
“Aprender que para interrogar um arguido não é imprescindível a sua detenção; aprender que não basta escrever num despacho que há indícios fortes para considerar que isso é suficiente para os considerar demonstrados; e acima de tudo aprender que os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa ou de perturbação de inquérito são os requisitos gerais para que seja decretada qualquer medidas de coação legalmente prevista, com exceção do termo de identidade e residência”, acrescentou.
O advogado sublinha que não coloca em causa a importância da investigação, para que haja mais “responsabilização” e “escrutínio”. No entanto, “para que a comunidade se consciencialize que a justiça penal atua eficazmente, não é suficiente o circo mediático pontual, se depois não há consistência e robustez”.
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