Reunidos na Essência do Vinho, empresários do setor receiam um ano conturbado devido à crise económica e política internacional. Ainda assim, alguns antecipam aumentar as exportações.
Enquanto serve um copo de vinho a um dos apreciadores que teve de pagar 100 euros para entrar na “room experience” — uma sala exclusiva a 20 grandes famílias do mundo vinícola na Essência do Vinho, no Palácio da Bolsa, no Porto –, o conceituado viticultor Luís Pato, da Bairrada, vai dizendo ao ECO/Local Online que “este vai ser um ano complicado, com o mercado europeu mais afetado pela crise económica e pela política internacional”. No seu caso, vale-lhe ter o mercado dos EUA à cabeça nas exportações, pois acredita que este não será beliscado pelo difícil contexto que se vive.
A preocupação com o impacto económico que a subida de preços e das taxas de juros possa ter no setor vitivinícola em 2024 é igualmente partilhada por vários produtores com os quais o ECO/Local Online falou nesta 20.ª edição da Essência do Vinho – Porto, com uma experiência vínica com 4.000 referências de 400 produtores em prova livre, que termina este domingo.
Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, apontou recentemente a “inflação, as taxas de juro, o aumento do custo de vida, duas guerras, instabilidade económica nas famílias” como causas da queda da exportação no setor nacional. As preocupações aumentam e não é para menos. Após seis anos de crescimento consecutivo, as exportações de vinhos portugueses caíram 1,16% em 2023 e atingiram os 928 milhões de euros em valor e os 319 milhões em litros, de acordo com a ViniPortugal.
Ainda assim, a associação registou um aumento do preço médio por litro para 2,90 euros, o que representou mais 0,66% em relação ao período homólogo. França surge no topo como o país que mais importou vinhos portugueses, com um valor de 103 milhões de euros, seguido pelos EUA com 100 milhões de euros e em terceiro lugar o Reino Unido com 88 milhões de euros. Mercados apetecíveis por muitos dos empresários com os quais o ECO/Local Online falou neste certame no Palácio da Bolsa.
Em contraciclo com o resto do país, o viticultor Luís Pato, um “expert” e nome conceituado no mundo vinícola pela criação de tintos, brancos e espumantes emblemáticos, diz que aumentou em 5% a exportação para os 30 mercados onde tem presença, com os EUA à cabeça e depois Brasil, Noruega e Macau. Acredita que irá continuar a crescer este ano, apesar da crise económica europeia. Grande nome do vinho da Bairrada, Luís Pato produziu, em 1980, o seu primeiro vinho, um monovarietal de Baga, ainda hoje de grande procura, como se assiste nesta sala exclusiva a alguns produtores participantes no evento.
Portugal tem de continuar a ser precursor da divulgação do vinho, marcas e regiões. Temos de criar valor acrescido nos nossos vinhos e vendê-los mais caros.
Também Vasco Rosa Santos, administrador executivo da WineStone — plataforma de negócios do Grupo José de Mello dedicada ao setor dos vinhos que detém a marca alentejana Ravasqueira ou a Quinta de Pancas –, considera que “2024 será um ano competitivo, de desaceleração dos últimos anos; desafiante ao nível do setor do vinho, porque com esta subida de taxas de juro o consumo do produto pode baixar”, ou seja, pode registar-se “uma contração no consumo do vinho ou então o consumo de vinhos de valores mais baixos“. Ainda assim, Vasco Rosa Santos acredita que a holding do Grupo José de Mello vai crescer, com os países europeus, além do Brasil e EUA, no topo das exportações.
O setor português tem de reagir para contornar a crise económica. O administrador executivo da WineStone sugere uma união e uniformidade no setor para vingar no estrangeiro. “Portugal tem de continuar a ser precursor da divulgação do vinho, marcas e regiões. Temos de criar valor acrescido nos nossos vinhos e vendê-los mais caros”, defendeu em conversa com o ECO/Local Online. Por isso mesmo, “ainda há muito por fazer: ser consistente quando se apresenta um vinho português no estrangeiro e o setor estar alinhado com espírito comum para fazer um vinho falado lá fora“.
Por isso é que é tão importante participar em feiras de divulgação do produto, como a Essência do Vinho – Porto “para estar junto do consumidor final. As pessoas gostam de sentir o setor do vinho, é algo muito cultural”. Contudo, ressalva, “não é fácil medir, quantificar o retorno económico que este tipo de certames possa ter”.
Também Celso Pereira, um dos fundadores da Quanta Terra com Jorge Alves, em Favaios, concelho de Alijó, considera que “o contexto atual de guerras, inflação e campanhas anti-álcool nos bastidores tornam o mercado mais instável e complexo de gerir em termos de expectativas”.
Apesar de anteciparem “um ano ainda mais exigente e desafiante”, os dois enólogos estão “confiantes”, tendo em conta que conquistaram um “segmento de verdadeiros apreciadores de vinhos que não será de todo influenciado”. Tiveram provas disso mesmo durante 2023: “Crescemos um dígito. Fechámos o ano quase nos 700 mil euros“, com a exportação a ter um peso de 30%, sobretudo para os mercados brasileiro, americano. “Do Brasil mantemos todos a esperança que se concretizem as medidas acerca da revisão das taxas aduaneiras; o que nos permitirá entrar ainda com mais força e mais competitivos”, sublinha Celso Pereira.
Entre as metas para este ano os dois sócios inscreveram a conquista do mercado do Norte da Europa, com países como Noruega, Dinamarca, Finlândia, Suécia. O reabilitado espaço da marca de vinhos Quanta Terra foi eleito um dos 11 melhores projetos de enoturismo mundiais, na categoria de arte e cultura, dos prémios “Best Of Wine Tourism 2023”.
Também Célia Varela, diretora-geral da Quinta do Pessegueiro — detida pelo francês Roger Zannier, fundador de um dos maiores grupos mundiais de moda infantil –, considera importante a presença neste evento e antecipa retorno económico como aconteceu em 2023. “A edição do ano passado permitiu-nos aumentar o volume de vendas para o mercado belga“, refere a diretora-geral da Quinta do Pessegueiro que este ano também não sentiu quebra na exportação, antecipando um bom ano em 2024, de olhos postos na expansão no mercado britânico e suíço.
Enquanto serve um dos vinhos do Pessegueiro, Célia Varela vai dizendo que “as marcas são muitas no Douro, mas não são todas iguais; cada uma proporciona uma experiência diferente, e é essa experiência autêntica e personalizada que se descreve a quem visita a marca, durante o evento, fidelizando o consumidor e tornando-o um embaixador da Quinta do Pessegueiro”. A feira é, por isso, uma oportunidade “para lançar novos produtos, nomeadamente as novas colheitas de brancos, bem como reforçar a imagem de algumas referências“.
“Em contraciclo com o resto do país”, também está a Falua, filial do grupo Roullier em Portugal para a atividade vitivinícola, que cresceu 10% em 2023 ao nível das exportações, assegura Pedro Canedo, diretor do mercado nacional na empresa, em conversa com o Local/Online, com fila de apreciadores para provar os vinhos. “Temos vindo a conquistar mais mercados, como a Polónia, Reino Unido, Brasil ou EUA, e queremos reforçar o posicionamento na Ásia”, elenca. O mercado externo representa um peso de 60% nas vendas da Falua. Recentemente foi distinguida como empresa do ano na 7.ª edição dos prémios “Os Melhores do Ano 2023”, atribuídos pela Revista de Vinhos.
Apesar de considerar que “este primeiro semestre vai ser difícil no setor dos vinhos, porque a redução das taxas de juro ainda não se refletiram na carteira dos consumidores”, Pedro Canedo está confiante de que “2024 até será um ano de crescimento”, enquanto aponta para o portfólio de referências de gama alta, colocadas na mesa para prova.
Também a Herdade do Rocim cresceu 10% em 2023 nas exportações para 49 países, entre os quais estão os EUA, Brasil, Canadá, Angola, Alemanha ou Suíça, avança Diogo Barradas enquanto aponta para as três garrafas expostas das novas colheitas de três vinhos emblemáticos do Alentejo, Douro e Dão que estão prestes a ser lançados. Será uma edição limitada de 30 caixas com três garrafas, cada uma a custar cerca de 100 euros, calcula, considerando relevante esta presença na feira para dar a conhecer os produtos e a marca ganhar cada vez mais notoriedade junto dos consumidores.
Por 100 euros na “Room experience” prova vinhos de mais de mil euros
Por 100 euros abrem-se as portas de uma sala exclusiva na Essência do Vinho – “The Room Experience”, decorada com todo o requinte no Palácio da Bolsa, com mesas apetrechadas de vinhos de topo de 20 das grandes famílias mundiais do vinho. No restante edifício centenas de outras marcas dão a provar os seus produtos enquanto lá fora a fila de pessoas para entrar vai aumentando.
Por aqui, não é vinho para a boca, ou melhor, o bolso de qualquer um. Entre as referências a provar nesta sala exclusiva estão o “Saturn”, o terceiro da série Vinhos do Outro Mundo, produzido na Alemanha, do empresário Cláudio Martins e do produtor alemão Ernest “Erni” Loosen, cada garrafa a custar 900 euros. Ou os vinhos portugueses do conceituado Luís Pato, Mouchão, Niepoort, Taylors ou Soalheiro, assim como dos franceses Château Pichon Baron, Bouchard Père et Fils, ou dos italianos Castello Bandi, Castello di Montepó (Itália) e SanMarzano são mais algumas referências de luxo que os mais entusiastas podem degustar, segundo Nuno Pires, da organização da Essência do Vinho.
Os mais apreciadores também podem encomendar no momento o vinho que mais gostaram e à distância de um clique na plataforma online Vinha.pt, de Cláudio Martins, da Martins Wine Advisor (MWA), e Elísio Santos. Em 2023, foi o primeiro ano em que o negócio foi possível nestes moldes na feira. “O ano passado ultrapassámos as dez mil garrafas vendidas através da Vinha.pt”, avança ao ECO/Local Online Nuno Pires.
Top 10 vinhos portugueses
São maioritariamente da Região Demarcado do Douro os vinhos mais bem classificados pelo júri internacional que participou na 18ª edição do “Top 10 vinhos portugueses”, no âmbito do evento Essência do Vinho. Mas entre os grandes premiados há um vinho de Trás-os-Montes que se destaca: “O Segredo 6” do ex-futebolista Costinha e do empresário António Boal, e cada garrafa custa 600 euros. “O Segredo 6 é fruto de uma história de amizade que se fortaleceu, de ligação a uma região vinícola nem sempre reconhecida: Trás-os-Montes; de um elogio a vinhas velhas com mais de 65 anos”, frisa António Boal ao ECO/Local. “A nossa tarefa, enquanto produtores de vinho, não é fácil, nem tem vindo a ser facilitada ao longo dos anos, mas seguimos firmes na vontade de querer posicionar Portugal entre as melhores regiões de vinhos do mundo“, nota.
A seleção foi feita durante prova cega, sem conhecimento prévio dos vinhos, por 46 jurados de vários países que avaliaram um total de 50 amostras entre vinhos brancos, rosés, tintos e fortificados
- 1º vinho tinto – Memórias, Domingos Alves de Sousa, Douro
- 2º vinho tinto – D. Áurea 2021, Textura Wines, Dão
- 3º vinho tinto – Segredo 6 Cuvée Vinhas Velhas 2020, 2CC, Trás-os-Montes
- 1º vinho branco – Coche 2021, Niepoort Vinhos, Douro
- 2º vinho branco – Vinha dos Aards Criação Velha 1ºs Jeirões 2020, Azores Wine Company, Pico – Açores
- 1º vinho Rosé – H.O. Matrona 2022, Menin Wine Company, Douro
- 1º vinho fortificado – Henriques & Henriques Tinta Negra 50 Anos, Henriques & Henriques, Vinho Madeira
- 2º vinho fortificado – Verídico Very Very Old Tawny 1900, Mily Heritage Wine Million & Dirk Niepoort, Vinho do Porto
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Empresários do vinho tentam fintar ano difícil com mais exportações
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