“Ainda há esperança” que lei europeia do trabalho nas plataformas fique fechada antes das eleições
Desde 2021 que o bloco comunitário está a negociar a diretiva sobre o trabalho nas plataformas digitais. Acordo até já foi anunciado, mas há países a bloqueá-lo. Eleições pressionam trabalhos.
As negociações já se arrastam há vários anos, mas a regulação comunitária do trabalho nas plataformas digitais continua por fechar. O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia (UE) até anunciaram no início de fevereiro um acordo provisório, mas há países que estão a bloquear um entendimento.
Mesmo com as eleições a aproximarem-se, os eurodeputados portugueses ouvidos pelo ECO acreditam que será possível fechar os trabalhos ainda neste mandato. Já a lei portuguesa deverá sofrer apenas alterações cirúrgicas, face à nova diretiva, antecipam os parlamentares.
“Há alguns Estados que parecem ter cedido aos interesses que as plataformas manifestaram“. É assim que João Albuquerque, eurodeputado e membro da Comissão de Emprego e Assuntos Sociais, vê o impasse que se tem vivido em Bruxelas em torno da regulação do trabalho nas plataformas digitais.
Em dezembro, ao fim de sete rondas negociais, o Parlamento Europeu e o Conselho da UE anunciaram um acordo na diretiva que visa melhorar as condições laborais dos estafetas das plataformas digitais. Mas, na reunião onde seria finalizado o documento, não foi possível chegar a consenso na redação final e o diploma acabou por não ser submetido a votação formal.
O dossier transitou, assim, para a presidência belga, e no início de fevereiro voltou a ser anunciado que tinha sido atingido um acordo provisório. O documento não tardou, porém, a encontrar quatro opositores de peso: França, Alemanha, Estónia e Grécia.
É a esses países que João Albuquerque se refere, realçando que num deles, a Estónia, fica localizada a sede da Bolt. João Albuquerque lembra, por outro lado, que a investigação jornalística que ficou conhecida como Uber Files revelou “a proximidade” do presidente francês, Emmanuel Macron, à Uber.
Essa investigação conclui que o chefe de Estado terá facilitado a instalação dessa gigante em França. Aliás, Emmanuel Macron chegou a defender a sua atuação: “fiz com que empresas viessem [para França], ajudei os empreendedores franceses, ajudei sobretudo os jovens que não tinham empregos, que vinham de bairros difíceis e que não tinham oportunidades, a encontrar um emprego pela primeira vez na sua vida”.
Com a oposição desses Estados-membros, a regulação está num impasse, numa altura em que se aproxima a passos largos o fim do atual mandato. As eleições europeias estão marcadas para junho, mas João Albuquerque sublinha que “ainda há esperança” que se chegue a um consenso antes da ida às urnas. Na próxima semana, haverá uma nova reunião do Conselho da UE, na qual espera “que se possa ultrapassar o bloqueio”, indica.
Também o eurodeputado José Gusmão, que é membro suplente da Comissão de Emprego e Assuntos Sociais, admite que ainda poderá haver tempo para fechar o trabalho, mas atira: “É uma janela que se está a fechar“.
O parlamentar avisa, além disso, que pior do que ter uma diretiva que tenha de ser terminada no próximo mandato, será ter um diploma que não regula, na prática, nada, isto é, que esteja esvaziado. “Não sei se, porventura, o objetivo será os Estados-membros esvaziarem a diretiva, aproveitando o final do mandato para que a versão que seja aprovada seja mais fraca“, salienta José Gusmão, que considera que “é um procedimento comum” usar o final do mandato como uma fonte de pressão.
De notar que ambos os eurodeputados asseguram que, mesmo que os trabalhos não sejam finalizados até junho, a diretiva não voltará à estaca zero. “Continuaremos a fazer todos os esforços”, assinala João Albuquerque. “Não tem de regressar ao início. Mas a composição das instituições poderá alterar-se. Há por isso sempre uma tentativa de fechar o máximo de [dossiers] antes do final do mandato”, sublinha José Gusmão.
Portugal antecipa-se
A diretiva que está a ser negociada em Bruxelas desde 2021 é “muito próxima” do que está em vigor em Portugal desde maio de 2023, ou seja, prevê-se a criação de um novo mecanismo de presunção de laboralidade, sustentado em vários critérios (como a supervisão do desempenho do estafeta), e que abre a porta a que os estafetas sejam considerados trabalhadores por conta de outrem das plataformas digitais.
Em Portugal, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) até já desencadeou mil ações de reconhecimento de estafetas no âmbito desta lei. E, perante a recusa das plataformas, esses processos já estão nos tribunais.
As plataformas chegaram a defender que a lei portuguesa ficaria “obsoleta muito em breve” face à diretiva comunitária, mas os eurodeputados salientam que, com base no que está a ser atualmente trabalhado, não se antecipam grandes alterações à legislação portuguesa.
“Poderá haver a necessidade de fazer algumas mudanças, mas estou convicto que o texto final será semelhante à legislação portuguesa. A haver, serão alterações cirúrgicas”, entende João Albuquerque, que alerta que este assunto não tem de ser “um bicho-papão”, já que não há uma reclassificação automática dos estafetas.
“Não excluo que possa haver alguns ajustamentos, mas não será muito determinante para a lei portuguesa“, concorda José Gusmão, que atira que, em Portugal, “o necessário agora é que os tribunais façam o seu trabalho“.
Para esta segunda-feira, dia 4 de março, está, de resto, marcada a primeira audiência no julgamento de uma das ações que os estafetas (por iniciativa própria, e não da ACT) puseram contra a Glovo. Acontecerá no Porto, pelas 13h30.
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