Bruxelas apresenta “economia de guerra”. Que medidas propõe? E como será financiada?

  • Joana Abrantes Gomes
  • 5 Março 2024

A estratégia industrial europeia de defesa visa criar uma “economia de guerra” na União Europeia, propondo um programa para investimento no setor que deverá consumir 100 mil milhões de euros.

O Executivo comunitário apresentou esta terça-feira a primeira estratégia para o setor da indústria da defesa ao nível da União Europeia (UE), juntamente com um conjunto de subsídios no valor de pelo menos 1,5 mil milhões de euros, como parte do novo Programa Europeu para a Indústria da Defesa.

A denominada Estratégia Industrial Europeia de Defesa (SESD, na sigla em inglês) surge devido ao “grande sentido de urgência para aumentar as capacidades industriais de defesa” da UE, na sequência da invasão russa da Ucrânia há dois anos, justificou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, na conferência de imprensa de apresentação da proposta legislativa.

Por isso, depois da quebra nos stocks europeus de armamento, em virtude da ajuda militar contínua prestada a Kiev, Bruxelas quer agora reforçar o complexo militar-industrial do bloco, diminuindo, simultaneamente, a dependência do armamento norte-americano, face aos receios de um regresso de Donald Trump à Casa Branca após as eleições deste ano nos EUA.

Numa antevisão da proposta legislativa, o comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, fez as contas: o programa para criar “uma economia de guerra” na UE deverá requerer, nos próximos 12 meses, um “investimento adicional” dos Estados-membros “na ordem dos 100 mil milhões de euros”.

Visando incentivar os 27 a “investirem mais, melhor, em conjunto e a nível europeu”, a estratégia – que tinha sido avançada em fevereiro pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen – prevê um novo quadro jurídico (“Estrutura para o Programa Europeu de Armamento”) para apoiar a cooperação no domínio da defesa – que poderá vir a beneficiar de uma isenção de IVA – e uma nova função conjunta de programação e contratação pública.

Para isso, é proposto alargar o âmbito do EDIRPA, o regulamento que cria um instrumento para o reforço da indústria europeia da defesa através da contratação pública colaborativa, incentivando a cooperação na fase de contratação pública de produtos de defesa fabricados pela Base Industrial e Tecnológica de Defesa Europeia (BITDE). O objetivo é ajudar a tornar a contratação pública colaborativa a norma, sempre que pertinente.

Outra grande medida é a criação de um mecanismo piloto europeu de vendas militares, aumentando a sensibilização para a disponibilidade de produtos de defesa da BITDE e facilitando a sua aquisição, nomeadamente através de aquisições “entre governos”.

De acordo com Bruxelas, este mecanismo será organizado em quatro pilares: criação de um catálogo único com os produtos de defesa, a ser desenvolvido pela BITDE; criação de reservas industriais para aumentar a disponibilidade e acelerar a entrega de armamento fabricado na UE (incluindo para as vendas “entre governos”); apoio financeiro para a aquisição de quantidades adicionais para essas reservas; e introdução de um regime-tipo aplicável a futuros contratos no setor da defesa e acordos-quadro com fabricantes estabelecidos no bloco.

Com o novo Programa Europeu para a Indústria da Defesa, que acompanha a estratégia e irá mobilizar 1,5 mil milhões de euros do orçamento da UE durante o período 2025-2027, o Executivo comunitário quer alargar a lógica de intervenção do ASAP, o regulamento relativo ao apoio à produção de munições, complementando-o com o desenvolvimento de instalações “sempre quentes” e a eventual reorientação de linhas de produção civil, e estabelecer um regime modular e gradual de segurança do aprovisionamento da UE.

Além disso, inclui medidas como a criação de um Fundo para Acelerar a Transformação da Cadeia de Abastecimento da Defesa (FAST), destinado sobretudo às pequenas e médias empresas (PME) e às pequenas empresas de média capitalização por meio do financiamento por dívida e/ou por capitais próprios, e o apoio sustentado à industrialização de ações de cooperação no domínio da defesa inicialmente apoiadas pelo Fundo Europeu de Defesa (isto é, colmatar o “défice de comercialização”).

O programa coloca ainda a possibilidade de a Ucrânia participar na contratação pública conjunta e de apoiar a indústria de defesa ucraniana na sua expansão industrial. Para isso, a Comissão prevê um orçamento específico, em que admite utilizar “parte dos lucros excecionais obtidos pelas centrais de depósito de títulos a partir de ativos soberanos russos imobilizados”, o que está dependente de uma proposta do Alto Representante Josep Borrell e consequente decisão do Conselho.

No que toca ao financiamento da estratégia no seu todo, esta depende, a par com o investimento adicional estimado em 100 mil milhões de euros e o montante alocado do orçamento de longo prazo da UE, das verbas provenientes do regulamento para munições, na ordem dos 800 milhões de euros.

Porém, o Executivo comunitário sugere também uma nova emissão de dívida conjunta, à semelhança do mecanismo usado para financiar as verbas de recuperação após a pandemia de Covid-19, e apoio pelo Banco Europeu de Investimento (BEI), a instituição de crédito a longo prazo da UE, detida pelos seus Estados-membros para financiar investimentos alinhados com os objetivos políticos comunitários.

A estratégia apresentada pela Comissão Europeia estabelece, por fim, três indicadores para a próxima década para medir os progressos dos Estados-membros na preparação industrial no setor da defesa:

  • Até 2030, devem adquirir, pelo menos, 40% do equipamento de defesa de forma colaborativa;
  • Também até 2030, devem assegurar que o valor do comércio de defesa intra-UE represente, pelo menos, 35% do valor do mercado da defesa da UE;
  • Até 2035, adquirir pelo menos 60% do seu orçamento de contratos públicos no setor da defesa na UE (até 2030, deve ser de pelo menos 50%).

Prevê-se agora que, até ao final deste ano, seja alcançado um acordo provisório entre os colegisladores da União Europeia sobre a nova estratégia industrial para a Defesa, com vista a que o processo legislativo esteja terminado em meados de 2025.

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