Advocacia e regulação AML (Anti Money Laundering): um equilíbrio necessário

  • Nuno Ricardo Martins
  • 8 Abril 2024

A implementação de salvaguardas que protejam a independência da profissão e o sigilo profissional é vital para que os Advogados possam continuar a desempenhar o seu papel fundamental na sociedade.

O branqueamento de capitais representa um desafio crescente para o sistema financeiro global, motivando uma constante evolução da regulamentação que o visa combater. No centro deste combate, encontram-se os Advogados, cuja atividade se vê cada vez mais cercada por um emaranhado de obrigações legais que tentam, por um lado, impedir a circulação de capitais ilícitos e, por outro, preservar os pilares éticos da profissão jurídica.

A importância de um equilíbrio cuidadoso entre a regulação AML e a preservação da integridade e independência da advocacia nunca foi tão evidente quanto agora. É inegável, no contexto Europeu, a dedicação das Ordens dos Advogados na implementação de medidas de supervisão para assegurar a conformidade com o quadro AML. As Ordens dos Advogados reconhecem o papel crucial da Advocacia nesta matéria. Apesar do compromisso e empenho das Ordens dos Advogados na supervisão e capacitação em matéria de AML, é imperativo continuarmos a evoluir nesta área, intensificando a efetividade das estratégias AML no âmbito jurídico.

A União Europeia tem aperfeiçoado as diretivas AML com o intuito de abranger uma gama mais ampla de profissionais e atividades. Neste cenário, Advogados e Notários surgem como figuras centrais, dada a sua capacidade de atuar como gatekeepers do sistema financeiro. No entanto, essa posição de destaque traz consigo um dilema ético profundo.

A proposta de alteração à Diretiva de Combate ao Branqueamento de Capitais, especialmente o seu Artigo 38, tem necessariamente que ser alvo de uma minuciosa análise crítica. Este artigo, dedicado à fiscalização de entidades autorreguladoras, aí incluídas as Ordens profissionais de Advogados, levanta questões quanto a possíveis invasões na autonomia profissional, premissa essencial para o bom funcionamento da justiça e a salvaguarda dos direitos fundamentais, tal como estabelecido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

O sigilo entre Advogado e cliente, um dos pilares da Advocacia, encontra-se sob pressão das exigências regulatórias que reclamam a denúncia de atividades suspeitas. Tal exigência coloca em causa não apenas a relação de confiança entre o profissional e seu cliente, mas também a independência da advocacia como pilar da justiça e da defesa dos direitos fundamentais.

A presente situação não aponta para uma solução simplista. É imprescindível que o legislador, ao elaborar e reformular as leis AML, considere a complexidade da prática jurídica e o impacto dessa regulamentação na capacidade dos profissionais forenses responderem às necessidades dos seus clientes de forma eficaz e ética. A implementação de salvaguardas que protejam a independência da profissão e o sigilo profissional é vital para que os Advogados possam continuar a desempenhar o seu papel fundamental na sociedade.

Além disso, é crucial que se promova uma cultura de compliance e ética entre os profissionais legais, que equilibre a necessidade de combater o branqueamento de capitais com a preservação dos direitos dos clientes. A formação contínua e o debate aberto sobre estas questões podem auxiliar na criação de uma abordagem mais equilibrada e eficaz.

Em última análise, o desafio do combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo no setor jurídico não pode ser superado por meio de uma regulamentação sancionatória ou punitiva isolada. Requer uma estreita colaboração entre reguladores, profissionais legais e instituições financeiras, fundamentada no respeito mútuo pelas diferentes funções que cada um desempenha dentro do sistema de justiça e financeiro. Somente assim será possível encontrar um equilíbrio justo entre a luta contra o branqueamento de capitais e a proteção dos princípios que sustentam a prática jurídica e a justiça.

  • Nuno Ricardo Martins
  • Vogal Tesoureiro do Conselho Geral da Ordem dos Advogados

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