“Não há futuro sem políticas direcionadas para a sustentabilidade”

Maria Figueiredo é Counsel e Coordenadora da ESG Task Force da CMS Portugal e, em entrevista ao ECO/Advocatus, alerta para a gestão do risco jurídico num mundo cada vez mais "ativista".

Maria Figueiredo é counsel das áreas de prática de África Lusófona, de Direito Fiscal e integra a equipa de coordenação de ESG e Sustentabilidade da CMS Portugal. A advogada tem mais de 20 anos de experiência e desenvolve a sua atividade maioritariamente na consultoria fiscal de investimentos relativamente a países africanos lusófonos. Tem sido consultora fiscal de várias empresas de petróleo e gás em países africanos lusófonos e também em projetos de energias renováveis na África Lusófona.

Qual o papel do setor jurídico / advogados no mundo da sustentabilidade?

A sustentabilidade é hoje um dos pilares fundamentais na estratégia das empresas. Nessa medida, o papel do advogado não é novo. Os advogados são essenciais como conselheiros de confiança quanto a cumprimento de obrigações, antecipação de tendências, de novas obrigações, bem como de riscos para o negócio. Num mundo cada vez mais ativista, os riscos são maiores e é essencial ter alguém bem informado com a capacidade de alinhar as obrigações decorrentes das leis e regulamentações, cada vez mais complexas, com aquilo que são as melhores práticas do mercado nesta matéria.

 

Como caracteriza a relação da CMS com as questões relacionadas com a sustentabilidade?

Não há futuro sem “políticas” direcionadas para a sustentabilidade, seja a nível corporativo, seja a nível individual. Na CMS temos feito um grande investimento nesta área através de ações que visam dotar a sociedade de ferramentas práticas que permitem acompanhar a mudança, obrigatória, de paradigma. Agora vemos, de várias formas, esse investimento reconhecido. Seja por distinções como a que nos foi dada o ano passado pela OnStrategy, seja com mudanças de comportamentos e, sobremaneira, também pela confiança dos nossos clientes. Isso é um motivo de orgulho para a sociedade, que vê a sua relação como um forte compromisso com a sustentabilidade ao implementar uma equipa transversal para coordenação da Task Force de ESG da qual faço parte, juntamente com o Bernardo Cunha Ferreira, Sócio de Energia & Alterações Climáticas, que tem a seu cargo a vertente do Environment, e tem ampla experiência em regulação ambiental; o Tiago Valente de Oliveira, Sócio de Corporate M&A, que tem estado envolvido com alguns dos fundos pioneiros em Portugal, no que concerne a Green Finance; e o Tiago de Magalhães, Associado Sénior de Direito de Trabalho e Social Sustainability Officer da CMS Portugal, que tem levado a cabo inúmeros processos relacionados com o Gender Pay Gap e outros temas atuais.

Esta equipa de coordenação multidisciplinar da nossa ESG Task Force, que hoje em dia, abrange advogados de todas as áreas de prática da CMS Portugal e trabalha em estreitíssima colaboração com a ESG Task Force da CMS a nível internacional, tem como objetivo uma abordagem transversal que permite aos nossos clientes usufruir de uma oferta taylor made adequada às suas necessidades.

As pessoas são a chave de uma estratégia de sustentabilidade bem-sucedida. Há que ter um responsável ao mais alto nível cujos incentivos passem pelo desempenho sustentável da empresa identificando métricas (ou KPIs) para isso”

Quais os maiores desafios no horizonte para a sustentabilidade?

A falta de profissionais capacitados e a complexidade dos temas são enormes. Se já é complexo avaliar o desempenho financeiro de uma empresa, enquadrar nesse puzzle outros níveis de desempenho ambiental, social e ético / de bom governo societário, traz um número elevado de escolhas, que têm de ser fundamentadas em dados fiáveis. A integração da inteligência artificial nestes processos é um desafio e uma oportunidade. A escolha e a amplitude de temas e de dados necessários para uma boa decisão tornam a questão da sustentabilidade particularmente desafiante. Estamos a falar de mudança de mentalidades e culturas em muitos casos, com progressos lentos, riscos decorrentes de ativismo e de polarização social. Os paradoxos sobre encontrar o equilíbrio quando há pressão quanto à urgência da questão ambiental, por exemplo, sem deixar a questão social para trás, ou da segurança energética e competitividade económica, são desafios grandes.

Os níveis de reporting têm evoluído, mas são suficientes para evitar o chamado ‘greenwashing’?

Sim, e o ano passado foi paradigmático dessa evolução. Foi o ano em que o International Sustainability Standards Board (ISSB) publicou duas normas sobre divulgação de informação ESG, que vieram cimentar a importância do reporting. São elas a IFRS S, que exige que as empresas comuniquem os riscos e oportunidades de sustentabilidade que enfrentam a curto, médio e longo prazo; e a IFRS S2 estabelece divulgações específicas relacionadas com o clima e foi concebida para ser utilizada com a IFRS S1.  Em particular, e para os mesmos critérios da atividade da empresa, esta deve divulgar os riscos relativos ao clima que a possam afetar, nomeadamente no que respeita a riscos físicos e riscos de transição relacionados com o clima, bem como oportunidades. Ambas as normas exigem a divulgação de modelos de governo societário, estratégia, processos e critérios de medição do desempenho em relação aos riscos e oportunidades identificados, mas, mais importante: tornam a linguagem comparável e uniforme, o que fará que, quanto maior for a adoção a nível mundial destas Normas, fica mais difícil escolher apenas o que fica “bem na fotografia”. Estamos a caminhar para um paradigma onde será cada vez mais difícil esconder más práticas com uma roupagem ESG. É particularmente importante ter muita sensibilidade e também bom-senso no que respeita à abordagem da comunicação do tema. Se por um lado a sustentabilidade medida pelas métricas ESG é muito abrangente, também deve existir critério em distinguir o que é business as usual com um novo critério mais exigente do que é verdadeiramente transformador.

Para onde deve caminhar a regulamentação em torno da sustentabilidade?

Uma das questões mais recorrentemente alvo de crítica no que respeita à temática ESG, particularmente em mercados financeiros, é a falta de padronização da informação disponibilizada pelas empresas e utilizada por ratings. Ou seja, devido à inexistência de regulamentação transversal, cada empresa adota de forma voluntária os padrões que melhor lhe assentam, gerando muita dificuldade na comparabilidade da informação disponibilizada e no assegurar da consistência.

Já foram dados passos significativos nesta matéria, onde a União Europeia se continua a posicionar como a “melhor aluna”. Para dar mais exemplos específicos, as obrigações da CSRD (Diretiva relativa a Divulgação de Informação de Sustentabilidade Corporativa (Corporate Sustainability Reporting Directive ou CSRD), serão cumpridas por referências a padrões de divulgação de informação padronizados na Europa (os European Sustainability Reporting Standards – ESRS) e a União Europeia irá aprovar padrões para agências de rating de sustentabilidade possam medir a atribuir rankings de forma semelhantes a empresas a eles sujeitas, sujeitas a regulação da ESMA.

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Maria Figueiredo, of counsel da CMS PortugalHenrique Casinhas/ECO

O mercado português está dotado de recursos suficientes para levar a cabo as políticas de ESG?

O mercado português tem duas velocidades: empresas maiores e mais expostas a mercados internacionais que já têm práticas de sustentabilidade mais maduras, e outras empresas que estão a dar os primeiros passos (ou nem isso). Há uma cada vez maior pressão sobre informações a serem partilhadas com bancos e seguradores (em virtude das obrigações destas quanto ao seu portefólio) o que irá, necessariamente, implicar que o nosso tecido empresarial terá de se adaptar rapidamente. Quanto a recursos… há muita falta de profissionais com formação relevante na área.

Qual o primeiro conselho que dá a uma empresa que queira estar alinhada com as melhores práticas de sustentabilidade?

As pessoas são a chave de uma estratégia de sustentabilidade bem-sucedida. Há que ter um responsável ao mais alto nível cujos incentivos passem pelo desempenho sustentável da empresa identificando métricas (ou KPIs) para isso. É fundamental perceber o mercado em que se insere e, nesse aspeto, estar bem enquadrado em associações com esse foco é muito importante – o BCSD (Business Council for Sustainable Development) em Portugal tem feito um trabalho muito interessante de divulgação de práticas e de capacitação de empresas. É um bom começo.

Acha que ainda há atores (empresários) que percecionam o ESG como um custo adicional que poderá afetar o seu desempenho, ou já é um novo paradigma que até pode impulsionar resultados?

Acredito que sim. Num mercado com pouca elasticidade e dificuldades na liquidez como o português, o ESG, e o que este implica, pode ser percecionado apenas como um custo adicional. É, no entanto, um comboio em andamento e será cada vez mais parte do dia-a-dia das empresas e das pessoas. Acredito que quem mais depressa se adaptar a este novo paradigma terá vantagens competitivas, como já ensinava Darwin.

Uma das questões mais recorrentemente alvo de crítica no que respeita à temática ESG, particularmente em mercados financeiros, é a falta de padronização da informação disponibilizada pelas empresas e utilizada por ratings”

O ESG é uma moda passageira?

Boa pergunta. O nome poderá – e até deverá, na minha opinião, evoluir para algo mais abrangente. Poderemos passar a falar com mais propriedade em sustentabilidade e em impacto, em vez de nos prendermos ao ESG. No entanto, ainda que existam também duas velocidades no mundo quanto ao tema, e este seja polarizador, a responsabilidade dos negócios e a importância de uma visão 360º dos impactos que causamos no mundo à nossa volta não irá passar.

Costumo dizer aos meus colegas mais novos que, por enquanto temos uma ESG Task Force no escritório, mas que iremos deixar de ser necessários porque daqui a uns anos todos estaremos a abordar as nossas respetivas áreas de especialidade através deste novo paradigma, e tudo o que faremos será relacionado com sustentabilidade – económica, ambiental, social e ética.

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